domingo, 19 de outubro de 2014

REGULAMENTO DE INTERMEDIÁRIOS DA FIFA - ATÉ ONDE IRÁ A REVOLUÇÃO?

O Regulamento sobre a colaboração com intermediários, aprovado pelo Congresso da FIFA em junho passado e que entrará em vigor no próximo dia 1 de abril de 2015, tem sido anunciado como uma verdadeira revolução no mercado dos agentes de futebol.

A partir do próximo ano não mais existirão agentes licenciados – as licenças entretanto emitidas terão de ser devolvidas às federações nacionais – e estes profissionais passarão provavelmente a enfrentar a concorrência acrescida de milhares de novos intermediários, a quem apenas será exigido que se registem numa federação nacional sem que tenham que submeter-se a exame dos conhecimentos mínimos necessários para o exercício da atividade, contratar seguro de responsabilidade civil ou prestar garantia.

O cenário aparenta ser de verdadeira “desregulação”, prejudicando os atuais agentes licenciados que deixarão de estar relativamente protegidos de concorrência na sua atividade, mas também e eventualmente jogadores e clubes que arriscarão mais ao contratar profissionais possivelmente menos interessados na gestão a prazo dos interesses dos seus clientes mas mais na realização rápida de ganhos próprios.

A FIFA alega em favor da necessidade desta “revolução” que apenas 25 a 30 % das transferências internacionais atuais são conduzidas por agentes licenciados, ficando as restantes fora do seu controlo, comprovando-se assim a ineficácia do sistema de licenciamento. Defende então que, com estas novas regras, lhe será possível controlar de forma mais eficaz a atuação de todo o tipo de intermediários.

Mas resulta claro das novas regras que este não é o seu único propósito, já que delas transparece o objetivo de diminuir o poder negocial dos atuais agentes licenciados perante os seus clientes para além daquele que decorrerá do esperado acréscimo de concorrência, nomeadamente ao “recomendar” um limite máximo mais baixo das remunerações, deixar de dar cobertura a contratos com cláusulas com exclusividade, proibir pagamentos no âmbito de transferências de menores ou proibir pagamentos entre clubes através de agentes.

O que sucederá de facto, se o explodir da concorrência selvagem ou o maior controlo dos intermediários assim como dos seus custos com a consequente melhor defesa dos interesses de jogadores e clubes, só se saberá a seu tempo.

Mas é interessante notar que a própria dimensão desta “revolução” ainda não está clarificada e vai depender muito do tipo de transposição que vier a ser feito pelas federações nacionais.
Com efeito, de forma que nos parece algo surpreendente tendo em conta os propósitos políticos anunciados, a FIFA acaba por transferir para as federações nacionais a responsabilidade maior na regulação da atividade.

Será a estas que competirá, designadamente, instituir os sistemas de registo de intermediários, garantir o cumprimento das regras do regulamento, e definir e impor as sanções pelo seu incumprimento.

E tudo isto com alguma margem de discricionariedade, que lhe é conferida pelo próprio regulamento que explicitamente as autoriza a “ir além” do que ele próprio estabelece nas suas normas e requisitos mínimos.

Embora não nos pareça que este “ir além” possa comprometer os objetivos do regulamento, que incluem “abordar convenientemente as realidades em mudança das relações entre jogadores e clubes e de contratos de transferência”, designadamente através da manutenção de sistemas de licenciamento ao nível nacional ou fixação de limites máximos das comissões em valores mais elevados do que os que constam no regulamento (3% do valor do contrato no caso de jogadores e 3% do valor da transferência no caso de clubes).
Poderão ainda no entanto e por exemplo, configurar sistemas de registo de intermediários com exigências de qualificação superiores às que constam do regulamento, adotar sanções por incumprimento mais ou menos persuasivas ou dar sentidos diferentes a expressões chave do regulamento como o “devido cuidado” que jogadores e clubes terão que ter na contratação de intermediários” ou a “reputação irrepreensível” que terá que ser demonstrada pelos intermediários que se queiram registar.

A transposição deste regulamento por partes das federações nacionais poderá pois conduzir a um estado de maior partição regulatória nacional, com eventual prejuízo para uma atividade com uma elevada componente internacional.

A este propósito é interessante também notar que os intermediários virão provavelmente a ter menor liberdade no que toca à escolha de federação de registo, que passará a ter necessariamente que ser feito no país de registo do contrato do jogador ou do clube de origem do jogador nos casos de transferência. 

Isto poderá significar que a sua qualificação deixará de ser feita unicamente feita pela federação do país da sua nacionalidade, mas por cada federação em separado, em cada transação que nela tenha de ser registada. No limite, para um intermediário de topo com negócios nos principais mercados, isto poderá significar que ficará sujeito ao controlo prévio direto de todas as federações envolvidas.

Em suma, a anunciada “revolução” da atividade de agente / intermediário desportivo iniciada pela FIFA ainda está no seu começo, sendo determinante para conhecer a sua verdadeira extensão a forma como as federações nacionais irão atuar quanto à respetiva transposição e aplicação, relativamente às quais lhes é conferida significativa margem de discricionariedade.

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