quinta-feira, 24 de julho de 2014

CRÓNICA DE LEONOR PINHÃO


Título:
Valha-nos San Gría (e um insulto aos feijões)
Texto:
Tal como eu vejo as coisas não há jogos a feijões entre Benfica e Sporting seja em que modalidade for. Considero até tal pressuposto um intolerável insulto aos feijões.
Bem me lembro como fiquei feliz numa matinée carnavalesca no antigo cinema Monumental com a vitória do Benfica numa partida de futebol disputada no palco entre cãezinhos equipados a rigor com os jerseys dos dois emblemas rivais. Eu era uma criança, pois era. E há muitas coisas que mudam com o andar dos anos. Hoje só a ideia de animais em espectáculos circenses me causa náuseas e revolta. Mas a ideia de ganhar ao Sporting, essa não.
Vem isto a propósito do jogo da final da Taça de Honra da AFL entre, precisamente, os dois rivais históricos.
Ganhou o Sporting. Olha que chatice. Era um jogo sem grande importância, apenas mais uns noventa minutos de preparação para a temporada que se avizinha, assim teimaram em defini-lo os responsáveis e os jogadores das duas equipas, desvalorizando o resultado. Isto tanto do lado dos vencidos como do lado dos vencedores.
Muito bonito, sem dúvida, tanta espiritualidade e tanto fair-play dos dois lados da Segunda Circular entre vencedores e vencidos. Mas para mim, não, não faz sentido tanto desprendimento da matéria.
A final da Taça de Honra foi transmitida pela Benfica TV. Há coisas estranhas. Tal como a organização do Tour legitimou o inglês como a língua oficial da Volta a França – ah, como eu gostaria de conversar sobre estas novidades linguistas com Carlos Miranda, extraordinário repórter desta casa que durante anos a fio acompanhou o Tour… -, também a língua inglesa é a oficial na Benfica TV.
É verdade que os comentadores se expressam em português. Mas os gráficos inseridos, as informações escritas são em inglês. Assim ficámos a saber que o “referee” se chamava Rui Rodrigues, que o “coach” do Benfica e o “coach” do Sporting se chamam, respectivamente, Jorge Jesus e Marco Silva e que o “goal” da vitória do rival foi obtido por André Martins.
Modernices…
Quanto ao jogo, propriamente dito, o Benfica dominou toda a primeira parte e acabou por sofrer a poucos minutos do descanso. Na “second half” não houve “goals” e ainda bem porque o Sporting esteve sempre mais perto de marcar do que o Benfica. Aliás, fazendo um inútil esforço de memória não me consigo lembrar de nenhuma defesa protagonizada pelo guarda-redes do Sporting no jogo todo. E isto já é dizer muito.
O guarda-redes do Sporting não foi Rui Patrício, ainda em gozo de férias, mas sim Marcelo Boeck que teve uma noite santa ou uma “saint night”, como preferirem. Certamente que foi a ausência de Rui Patrício a explicação mais plausível para a veemente improdutividade do nosso Óscar Cardozo, o falha-pénaltis mais querido do mundo, ou o caça-osgas, como alguns de nós, mais assanhados gostam de o tratar. Com Patrício na baliza, Cardozo é sempre outra música. Esta é uma grande verdade.
Talisca, que jogara bem e marcara o golo da vitória sobre o Belenenses, jogou poucochinho contra o Sporting. Não é para admirar depois de quarenta e oito horas de elogios e de primeiras páginas nos jornais.
Mesmo assim o brasileiro ganhou o troféu concedido ao melhor jogador da Taça de Honra 2014. Decisão, no entanto, bastante menos discutível do que o troféu para o melhor jogador do Mundial atribuído a Lionel Messi. Politiquices.
*
De volta às politiquices. E ao Mundial. E às notícias sobre o assunto que ainda se vão lendo nos jornais especializados e não só. Como esta:
O nosso compatriota Pedro Proença acusou directamente Vítor Pereira, o presidente do Conselho de Arbitragem, de não ter mexido uma palha para que fosse ele, o árbitro português, e não um árbitro italiano a dirigir a final do Maracanã, tal como veio a suceder.
Que desilusão. E o pessoal a acreditar que era o mérito que comandava nestas nomeações operativas ao mais altíssimo nível. Não, não é. São os “lobbies” e o seu arrasto de tráfego de influências. O que nos vale é que em Portugal não se passa nada destas coisas.
*
Conheci em tempos uma pessoa estrangeira e bastante aluada que julgava ser sangria um espanholíssimo Santo de altar e não uma bebida de Verão, muito menos um exaurimento sanguíneo.
San Gría, julgava ele errada e maravilhosamente.
Basicamente, era um engraçado.
Sangria pode ser, na verdade, imensas coisas. E até imensas coisas ao mesmo tempo. Por exemplo, e no que diz respeito ao Benfica, a ineludível sangria da equipa do triplete é um exaurimento que se pode vir a revelar abençoado.
Como? Pois não sei se já terão reparado que a pressão da renovação do título – apanágio dos campeões – desvaneceu-se por completo. Basta ler a imprensa especializada. Ninguém acredita que o Benfica consiga reunir, em 2014/2015, uma equipa capaz de conquistar o segundo campeonato consecutivo, coisa que não acontece há décadas. Nem os próprios benfiquistas tendem a acreditar nisso. O campeão que corre por fora, ora aí está a novidade.
É esta a tendência do Verão de 2014. O FC Porto será campeão com uma equipa recheada de nomes feitos e de contratações sonantes dirigida por um treinador especialista em jovens. O Sporting será também campeão da verdade desportiva e não só. Quanto ao Benfica, népia. Ninguém lhe exija nada porque metade da equipa maravilhosa já bateu asas e voou.
Valha-nos, portanto, nesta temporada o nosso San Gría, o santo que vela pelos trambolhões montanha a abaixo que sempre se sucedem à lindíssima escalada montanha acima.
*
Nuno Espírito Santo vai ter no seu Valência uma plêiade de jogadores muito, mas mesmo muito acima da média. As maiores felicidades para este jovem treinador português, é o que se deseja. Meteram-lhe um Ferrari nas mãos. Boa viagem, mister Santo. Estamos em maré de santos, não há nada a fazer.
*
Com o Marselha também não há jogos a feijões. Não tem a ver com o Olympique. Tal como, francamente, não tinha a ver com o Sporting na noite de domingo. Tem a ver com o Benfica. Com o Benfica não há jogos a feijões, ponto final.
Ontem assisti ao jogo numa esplanada repleta de benfiquistas saídos da praia. Desejavam, naturalmente, a vitória das nossas cores. Isto até ao jogo começar. Quando Gaitan fez o 1-0 mais se reforçou essa vontade de vencer. Depois, com o andar da carruagem e do resultado, acabaram todos por ficar felizes por razões estritamente políticas:
- Nesta altura, meus amigos, quanto pior, melhor – diziam.
Eu percebo-os. E dou-lhes razão. Politicamente, em Julho, quanto pior, melhor.

TEXTO DE LEONOR PINHÃO

Sem comentários:

Enviar um comentário