sexta-feira, 19 de abril de 2013

COM O ESTUDO QUE ANDA A FAZER NINGUÉM VAI SEGURAR O JESUS


Ao convidá-lo para dar aula de sapiência na Universidade de São Paulo, o ministro dos Desportos do Brasil considerou Manuel Sérgio o «maior pensador da lusofonia em área desportiva». Faz amanhã 80 anos - e no próximo mês vai dar cinco aulas que podem tornar-se imortais. A BOLA mostra-lhe porquê, num encanto sem fim...

Antes de António Damásio o fazer, fê-lo o professor: falou do erro de Descartes, da falta de sentido da Educação Física, de como não basta pensar para ser, de como não nem faz sentido separar o corpo do espírito - e essa foi a sua grande revolução, a revolução da motricidade humana...


- Antes de mim outros falaram do erro de Descartes. No século XIX a fenomenologia já era anti-cartesiana. O que admito é que no desporto sim, fiz esse corte, vai para 40 anos. Aliás, deixe-me contar-lhe: em 1979, em Espinho, num congresso de medicina desportiva, fui um dos oradores. Entre a assistência estava José Maria Pedroto. Tinha a curiosidade dos sábios, o saber que não sabia - e, no final, pediu-me que lhe explicasse mais detalhadamente os defeitos que encontrava na educação física e no treino desportivo. Fi-lo, criticando o dualismo antropológico cartesiano, explicando-lhe que não concordava com a Educação Física porque a Educação Física era, ela mesma, produto do erro de Descartes, que nascera da convicção de que o ser humano é um ser dividido em duas substâncias diferentes. A partir daí, fomos conversando várias vezes, muito, - e, no fundo, o que passei ao sr. Pedroto foi essa ideia de que o desporto não é só uma atividade física, é uma atividade humana, onde o físico se encontra integral mas superado. E que, para mim, o paradigma científico no futebol é o ser humano no movimento intencional da transcendência. Em equipa, sem a visão tradicional do treino que é cartesiana, que vê os jogadores como coleção de elementos, de objetos, subvalorizando as interações, as relações, o todo...

- Achando-se Jorge Jesus como se achava: o Mestre da Tática, como é que o convenceu a aceitar que no futebol não se pode viver só da tática nas suas mestrias?


- Porque no futebol nos encontramos no âmbito do humano em toda a sua complexidade, Jesus entendeu que não bastava a periodização tática, é precisa a periodização antropológica e tática. O que quero dizer com isso? Que antes de cada treino, o treinador deve levantar a si mesmo a questão: qual o tipo de pessoa que eu quero que nasça do treino que vou liderar? Porque é com pessoas argutas, inteligentes, generosas, que a tática pode resultar. O treinador tem, pois, de ser especialista em humanidade, sabendo ver e ver-se, analisar e analisar-se, compreender e compreender-se. E saber que fazer diferente não significa tanto fazer o oposto, significa fazer melhor porque se pensou diferente, se pensou melhor. E é isso, também, que vou tratar nas conferências: mostrar a importância da `prática científica` para o treinador, o ele agir e pensar como um especialista em ciência humana. Porque é o homem que se é que triunfa no treinador que se pode ser.

- E isso é o que Jorge Jesus é hoje, um treinador melhor porque o prof. o ensinou a compreender melhor o homem que está à sua volta e joga o jogo que ele quer?

- Acredito que possa ter contribuído alguma coisa para isso. Ao fim de tantas horas a conversarmos os dois. Se eu não servisse para nada, também chateava, não é? Uma certeza tenho: as conversas que tivemos fizeram-lhe bem a ele mas sobretudo a mim. Quem ensina também aprende e eu tenho aprendido muito com ele. É um treinador pragmático, com grande leitura de jogo, um treinador excecional, com um desejo irrestrito de conhecer, de saber. Uma vez, ele estava muito satisfeito com uma vitória do Benfica e eu disse-lhe aquela grande frase do Ernst Bloch: na vitória ou na derrota o que é não pode ser - para lhe dizer que não se esquecesse de que ainda teria muito que emendar, muito que transformar o que já sabia. E ele aceitou que esse era o caminho. Porque é inteligentíssimo. E além disso, tem formação notável, os pais do Jesus eram gente de uma ética admirável. Olhe, no dossier que leva para os treinos tem a fotografia de uma senhora. Eu pensava: quem será? Até que um dia perguntei-lhe. Disse-me que era a sua musa. E a musa era a mãe, a senhora do retrato que o acompanha para todo o lado. No fundo, é mais uma boa metáfora do que o Pascal diria: que no futebol as «razões da razão» e as «razões do coração» são inteiramente necessárias para se ser o que se é. Uma ave não voa com uma só asa. E para se ganhar é preciso juntar a cabeça e o coração, o sentimento e o pensamento. E essa é a razão porque lhe digo que o Benfica tem um treinador extraordinário que vai ser muito melhor treinador no futuro - e com o estudo que anda a fazer ninguém o há de segurar. Ah! Não podia deixar de referi-lo: este Benfica está a viver o que está a viver por ter o treinador que tem e o presidente que tem, tudo isso se deve também ao trabalho inteligente e generoso do sr. Luís Filipe Vieira...

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