No Editorial da revista Brotéria, de Novembro de 2017, acerca do tema “Pobres sempre os tereis convosco”, escreve o diretor desta revista, de que há muitos anos sou assinante (com grande proveito meu, acrescente-se): “Pobres sempre os tereis convosco… Com estas palavras desconcertantes, Jesus responde a Judas, quando este se escandaliza com o frasco de perfume de alto valor que uma mulher de Betânia derramou sobre a sua cabeça”. Segundo o editorialista, “a certeza é uma: o problema da pobreza não se resolve apenas, pela via económica. A constatação de que pobres sempre os teremos connosco é a de que, no mundo em que nos é dado viver, enquanto houver injustiça, sempre haverá vítimas de estruturas injustas”. E continua o diretor da Brotéria: “Madre Teresa de Calcutá dizia que, quando encontrava um homem com fome, dava-lhe de comer, saciava a sua fome mas, quando encontrava um homem sozinho, a sua pobreza era muito maior”. Aliás, a própria Madre Teresa de Calcutá sentenciara, noutra ocasião: “Não ser desejado, não ser amado, não ser cuidado por alguém, ser esquecido por todos, penso que é uma fome maior, uma pobreza maior do que a pessoa que não tem nada para comer”. No mesmo número desta revista, a Profª. Manuela Silva, catedrática jubilada do ISEG, com palavras onde se descobre o enlace do amor e da justiça, refere: “Os pobres são pessoas e cidadãos como os demais. Todavia, sofrem privação de um direito humano fundamental: o direito a uma vida digna, com oportunidades de conforto, segurança e participação, expectáveis numa dada sociedade”. Parece-me oportuno declarar que, no mundo de hoje, o objetivo da erradicação da pobreza tornou-se perfeitamente possível, pois já se atingiram níveis de crescimento económico e financeiro e científico e político, que permitem combater, com sucesso, a pobreza e a exclusão social. Só que ainda há muita gente que se encontra longe dos excluídos, que foge dos excluídos…
Assenta a cultura ocidental em quatro grandes pilares: a filosofia grega, o espírito jurídico latino, a mensagem judaico-cristã e a Crítica que desponta no Humanismo e atravessa a Europa do século XV até ao século XVIII. Galileu (1564-1616), Descartes (1596-1650) e Shakespeare (1564-1642) são os que melhor corporizam o nascimento da modernidade. O cineasta António-Pedro de Vasconcelos (um cineasta diferente de tantos, um intelectual servidor das grandes causas) é autor de um opúsculo, O Futuro da Ficção (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012) que deverá ler-se como uma síntese magistral da História da Arte. Nele recolhi o seguinte: “É Shakespeare, e mais nenhum outro, quem abre o caminho irreversível aos tempos modernos. Os grandes artistas, os que estabeleceram o Cânone, são os que, como ele, se libertaram das suas influências e se tornaram os seus próprios criadores. Como Napoleão, retirando a tiara das mãos do Papa Pio VII, coroam-se a si próprios, num gesto de soberba, que nos faz perceber que eles têm consciência da sua grandeza e reclamam a sua própria paternidade. Demiurgos, sabem que rivalizam com Deus e o desafiam, como Prometeu, ao tornarem-se eles próprios origem de um mundo criado pelo seu génio. Como disse Gorki, a propósito de Tolstoi, que ele visitou no fim da vida: as suas relações com Deus fazem-me pensar nas relações de dois ursos, na mesma caverna. Poderíamos dizer o mesmo de Dante, de Miguel Ângelo, de Velázquez, de Balzac, de Beethoven, ou de Orson Welles” (p. 20). António-Pedro Vasconcelos declina apresentações. Mas ignorá-lo é sinal de redonda ignorância. Ele aprofundou, na obra que acima citei, o que eu queria dizer, quando lembrei o século XV e os três séculos subsequentes.
A mensagem cristã diz-nos que, diante de Deus, todos somos iguais, todos somos filhos do mesmo Pai. Na impossibilidade de resumir a mensagem de Jesus de Nazaré, julgo que ela se concretiza no esforço de encontrarmos um Irmão, em qualquer ser humano. A nota dominante, a qualidade primeira do cristão reside, se bem penso, na solidariedade, na fraternidade, na caridade (não, na “caridadezinha”). O individualismo, a exploração, a indiferença perante o sofrimento alheio representam, segundo Jesus Cristo, o que de mais abominável existe nas relações humanas. O grande sinal de uma humanidade plena manifesta-se quando cumprimos o primeiro de todos os mandamentos: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos”. Aliás, este mandamento ressoa na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, que a Revolução Francesa (1789) proclamou. Vejamos os dois primeiros artigos desta Declaração: “1. Os homens nascem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. 2. A finalidade de toda a ação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”. O primeiro de todos os mandamentos ressoa também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas, em 1948/12/10, como é visível logo no início do Preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo…”. Enfim, sempre que se assume conscientemente o cristianismo e o realizamos corajosamente o amor a Deus e ao próximo é o alfa e o ómega de tudo o que fazemos.
Paul Feyerabend tem uma tese central, no seu livro “Adeus à Razão” que eu li em tradução francesa da Seuil (Paris, 1989): toda a verdade é relativa, tanto a científica como a moral. De facto, existirá um critério universal que nos permita concluir que um sistema de normas e de valores é melhor do que os outros? A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, proclama os direitos fundamentais “em nome de todos os povos e de todas as nações”. Mas poderá ver-se nesta Declaração o ato fundador de um direito único, respeitado em todo o planeta? Julgo que não. Ela foi alvejada com um sem número de críticas, acusando-a de uma “declaração etnocêntrica”, ou seja, manifestando uma ostensiva predominância da cultura ocidental e surgindo portanto como um novo imperialismo. No entanto, foi nesta mesma Declaração, importa não esquecê-lo, que a descolonização e as lutas contra todas as discriminações encontraram arrimo teórico e prático. Ela não é um texto de direito positivo, não tem valor coercitivo. Mas diz coisas que é preciso dizer. Não escondo, porém, que o paradigma dos paradigmas do desenvolvimento atual, baseado na ideologia neoliberal, levanta sérias dificuldades a uma “cultura do encontro” (Papa Francisco). É preciso reconhecer que a ideologia de um progresso quantitativo indefinido, de uma constante alta competição, de um cego individualismo, do enriquecimento desmedido de alguns à custa da pobreza imerecida de muitos, a indiferença perante o sofrimento alheio – é preciso reconhecer que também, no Ocidente, ainda é necessário reafirmar princípios elementares, porque a ausência de Verdade, de Justiça, de Solidariedade, de Liberdade, de Generosidade é causa de muita incompreensão, de muito sofrimento, de muitas ideias falsas e, não raro, caricaturais do nosso semelhante (e aqui eu relembro os emigrantes e os refugiados). É a “cultura do encontro” que pode construir um mundo melhor. E até um futebol melhor, embora em Portugal alguns galhofeiros insultadores, alguns truculentos dirigentes o não saibam, ou… não queiram saber!
Paul Feyerabend tem uma tese central, no seu livro “Adeus à Razão” que eu li em tradução francesa da Seuil (Paris, 1989): toda a verdade é relativa, tanto a científica como a moral. De facto, existirá um critério universal que nos permita concluir que um sistema de normas e de valores é melhor do que os outros? A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, proclama os direitos fundamentais “em nome de todos os povos e de todas as nações”. Mas poderá ver-se nesta Declaração o ato fundador de um direito único, respeitado em todo o planeta? Julgo que não. Ela foi alvejada com um sem número de críticas, acusando-a de uma “declaração etnocêntrica”, ou seja, manifestando uma ostensiva predominância da cultura ocidental e surgindo portanto como um novo imperialismo. No entanto, foi nesta mesma Declaração, importa não esquecê-lo, que a descolonização e as lutas contra todas as discriminações encontraram arrimo teórico e prático. Ela não é um texto de direito positivo, não tem valor coercitivo. Mas diz coisas que é preciso dizer. Não escondo, porém, que o paradigma dos paradigmas do desenvolvimento atual, baseado na ideologia neoliberal, levanta sérias dificuldades a uma “cultura do encontro” (Papa Francisco). É preciso reconhecer que a ideologia de um progresso quantitativo indefinido, de uma constante alta competição, de um cego individualismo, do enriquecimento desmedido de alguns à custa da pobreza imerecida de muitos, a indiferença perante o sofrimento alheio – é preciso reconhecer que também, no Ocidente, ainda é necessário reafirmar princípios elementares, porque a ausência de Verdade, de Justiça, de Solidariedade, de Liberdade, de Generosidade é causa de muita incompreensão, de muito sofrimento, de muitas ideias falsas e, não raro, caricaturais do nosso semelhante (e aqui eu relembro os emigrantes e os refugiados). É a “cultura do encontro” que pode construir um mundo melhor. E até um futebol melhor, embora em Portugal alguns galhofeiros insultadores, alguns truculentos dirigentes o não saibam, ou… não queiram saber!
Manuel Sérgio, in a Bola
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