"Bandalheira! Eis uma palavra pronunciada por um presidente de clube que parece saber muito sobre a matéria! E, por isso, vale a pena ler algumas escritas pela juíza de instrução do Processo Apito Dourado.
No dia 3 de Dezembro de 2004, António Araújo e Jorge Nuno Pinto da Costa estavam detidos. A Comunicação Social transformava o facto num caso nacional: eram dois homens no centro da 'tempestade', mas sobretudo Pinto da Costa, como é fácil de imaginar.
Nunca um presidente de um grande clube português se vira colocado em posição idêntica.
A inquirição do presidente do FC Porto só teria lugar, no entanto, no dia 7 de Dezembro.
António Araújo estava indiciado pela prática de cinco crimes de corrupção desportiva activa, correspondendo a cada um uma pena de prisão até 4 anos, havendo ainda a suspeita de mais outro.
Recorde-se os jogos em que António Araújo estaria alegadamente envolvido: FC Porto - Estrela Amadora; Sporting - Moreirense; Nacional - Benfica e Beira-Mar - FC Porto. As fortes suspeitas recaíam sobre o Beira-Mar - Leixões (juniores A).
Em relação aos actos do presidente do FC Porto resultavam fortes indícios da prática de três crimes de corrupção desportiva activa, correspondendo a cada um uma pena de prisão até 4 anos (jogos FC Porto - Estrela Amadora, Nacional - Benfica e Beira-Mar - FC Porto); um crime de falsificação de documentos agravado, sob forma de cumplicidade (manobras de classificação do árbitro que apitou o jogo da final da Taça de Portugal entre a U. Leiria e o FC Porto), a que corresponde uma pena de um mês a três anos e quatro meses de prisão; três crimes de tráfico de influência activa (casos Deco, Maniche e Mourinho), a que corresponde uma pena de prisão até três anos; três crimes de abuso de poder sob forma de instigação (jogos FC Porto - Maia, Braga - FC Porto e FC Porto - U. Leiria, para a Supertaça), a que corresponde uma pena de prisão até três anos.
Nota a juíza no despacho: 'Pinto da Costa, depois de conhecedor dos factos que lhe eram imputados e elemento de prova que os suportam, dispôs-se a prestar declarações perante este tribunal, diga-se que de forma muito pronta.
De tal modo que, baseados na nossa experiência em interrogatórios judiciais e na forma como este arguido se apresentou a depor, somos levados a concluir que Jorge Nuno Pinto da Costa vinha com a sua defesa, em muitos pontos, previamente estudada e preparada ao pormenor.
Assim se explica, em nosso entender, que sem grande surpresa ou embaraço (precisamente ao contrário do seu interlocutor António Araújo face a idêntica confrontação), tenha encontrado uma forma de dar sentido à conversação telefónica porventura mais comprometedora de todas as que se registaram em relação à sua pessoa - tentando obviar o seu envolvimento na oferta de um 'presente' a um árbitro, que da mesma parece resultar'. (Apenso XIII fls 46 e segs)
E conclui: 'Não logrou, no entanto, convencer-nos'.
Não logrou convencer a juíza
Pessoalmente, eu consideria isso uma bandalheira. Mas é apenas a minha opinião.
E mais adiante, entrando nos pormenores de um dos episódios mais folclóricos do futebol português, pode ler-se no despacho: 'Diz o arguido que o pedido de 'fruta', pelo menos foi assim que começou por o interpretar, queria dizer pedido de dinheiro por parte de Araújo, para pagamento de dívidas do FC Porto àquele mesmo'.
'Mas como lhe pode ter dado tal interpretação inicialmente quando Araújo inicia a conversa dizendo: «Ó senhor presidente... eu... eu..., ligaram para mim, a pedir-me... a pedir-me fruta para logo à noite. Posso... posso levar fruta à vontade?»'
'Ora, quem está, na tese de Pinto da Costa, a pedir o que lhe devem, ou seja, dinheiro para pagamento de um crédito que lhe é devido, o que aquele admite ser designando de 'fruta' por Araújo, não começa a conversa perguntando se pode 'levar fruta à vontade'. Qual o sentido?'
'Menos sentido fará ainda que o arguido responda nesse pressuposto dizendo: «Não é preciso, que já está... já foi mandada»'.
'A acreditar no arguido Jorge Nuno Pinto da Costa - e não acreditamos pelas razões de falta de consciência e credibilidade que ora lhe apontamos - esta seria tudo menos uma conversa entre duas pessoas dotadas de sanidade mental, e não nos pareceu, bem pelo contrário, que em algum momento ela pudesse ser posta em causa relativamente a qualquer dos arguidos interlocutores'.
Noutra tirada do mesmo despacho, podemos ler em relação a outro dos casos que abalaram os alicerces de credibilidade do futebol português, a visita do árbitro Augusto Duarte a casa do presidente do FC Porto dois dias antes de dirigir um jogo daquele clube: 'Do mesmo modo, não nos parece digna de crédito a versão dos factos aqui apresentada pelo arguido no tocante à deslocação de Augusto Duarte à sua residência pessoal'.
'As conversas telefónicas registadas a propósito da combinação deste encontro entre Augusto Duarte e Araújo e entre este e Pinto da Costa, sendo que este agora diz não se lembrar destas, são elucidativas e dispensam outras considerações, desmentindo em toda a linha o ora alegado desinteresse nessa tal visita e dando suporte à versão apresentada pelo próprio Augusto Duarte durante o seu interrogatório e a este propósito.
(...) Não nos parece desde logo que Pinto da Costa, pela personalidade e forma de estar que lhe são publicamente conhecidas, seja homem para fazer 'fretes' a um indivíduo como Araújo, que para si, e sempre por apelo aos factos indiciados, não terá passado de uma 'longa manus', sempre ao dispor para o 'trabalho sujo' de intermediação para os contactos com os árbitros a aliciar, mas não mais do que isso.
'Não se percebe ainda por que razão um árbitro com quem Pinto da Costa nunca teve qualquer convívio pessoal, de repente, na antevéspera de um jogo a contar para o campeonato nacional, se haja lembrando e insistido em o ir visitar a sua casa, onde diz raramente receber pessoas ligadas ao futebol, só para um cafezinho e uma conversa sobre 'nada'.'
O cafezinho entrava de vez no léxico do futebol em Portugal!
Mais uma bandalheira? Eu diria que sim, mas não passa da minha opinião. Tenho uma ideia muito própria sobre bandalhos..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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