Com 39 pontos ainda por disputar na I Liga, nada é irreversível. Mas entrámos na fase em que as águas se dividem e irá prevalecer quem conviver melhor com a pressão.
Para aqueles que gostam de olhar para o futebol como uma ciência exata – e logo aí se percebe que de futebol nada sabem – as lesões de Bah e Manu Silva, ambas gravíssimas, uma e outra ocorridas na mesma zona do relvado, com escassos minutos de intervalo, devem servir de motivo de reflexão. Por mais que os treinadores preparem os jogos à exaustão, por mais que estejam avisados para as caraterísticas dos adversários, por mais que conheçam ao pormenor o estado físico dos seus jogadores, nunca podem esquecer as variáveis infinitas e os imponderáveis imensos que estão associados à natureza do jogo. Sim, embora haja muita gente que não o perceba, o futebol é um jogo, que não se desenrola num ecrã de televisão comandado por um joystick de Playstation, mas num relvado de 105 por 67 metros, onde a bola que bate na trave e entra, ou bate na trave e sai, faz toda a diferença. Desde 1864, ano em que, reza a história, se jogou pela primeira vez, até aos dias de hoje, muitas frases refletem a importância da sorte e do azar nos desfechos das partidas: «dá muito trabalho ter sorte»; «a sorte procura-se»; «a sorte estava de costas»; «a sorte não quis nada connosco». E radica nesta circunstância altamente aleatória que envolve o jogo, a superstição que lhe está associada, e que se manifesta, entre jogadores e adeptos, das mais variadas formas. Haverá algum benfiquista, por exemplo, que não ache que aquela porção de relvado do estádio da Luz não estava, naqueles minutos, sob influência do mau olhado?
A verdade é o Benfica fez um grande esforço, no mercado de inverno, para reforçar o meio-campo com Manu (e parecia que tinha acertado na ‘mouche’) e vê-se agora na necessidade de regressar à casa de partida; e Bah era titular numa posição em que a falta de profundidade do plantel mais se faz sentir. Seria alguma destas circunstâncias aziagas previsíveis? Claro que não. Mas que ninguém duvide de que irão ter influência no que acontecerá até ao fim da época.
Aqui chegados, duas conclusões podem ser tiradas de tudo o que foi dito: o futebol não é uma ciência exata; e o Benfica teve azar na forma como perdeu dois titulares. E então? Será que cobrança sobre Bruno Lage e Rui Costa vai amainar em função destes contratempos? Haverá alguma compreensão, perante o que aconteceu, acompanhada de uma tolerância suplementar? Obviamente, não, e que fique muito claro que se esta situação se verificasse com outro clube, o caminho das coisas seria rigorosamente igual, porque o estado de alma que só se apazigua com sucessos, faz parte da natureza do adepto, e da paixão que acompanha o jogo.
Com 39 pontos ainda por disputar, nada é irreversível: o SC Braga e o FC Porto, a quatro pontos, podem apanhar o Benfica, o Benfica, a quatro pontos, pode apanhar o Sporting, sendo menos provável que arsenalistas e dragões cheguem ao topo. É nesta altura que normalmente as águas se separam, e se conhece a forma como as equipas lidam com a pressão, na certeza de que, com mais sorte ou mais azar, só um será campeão. E a sensação que dá é que ainda há quem não tenha percebido esta inevitabilidade...
José Manuel Delgado, in a Bola
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