"A crítica e os críticos ora revelam benevolência e tolerância com uns ora, nas mesmas circunstâncias, nem sequer dão tempo a outros para dizerem bom-dia.
À segunda vitória na Liga dos Campeões, Zinedine Zidane adquiriu estatuto como treinador, apesar de o mundo ter sido alertado para o perigo da sua pouca experiência quando no dealbar do ano passado foi escolhido para substituir Rafael Benítez.
A crítica e os críticos ora revelam benevolência e tolerância com uns, aplainando-lhes o terreno para uma progressão sem escolhos, ora, nas mesmas circunstâncias, nem sequer dão tempo a outros para dizerem bom dia. Colocam-lhes logo o laço ao pescoço para uma asfixia que vão apresando ou retardando de acordo com os seus caprichos.
Zidane jamais reclamou tratamento especial pela sua carreira futebolística, por saber que uma coisa é jogar e outra é treinar. Em face da sua simplicidade, foi logo colocado no grupo dos duvidosos, dos que se olham de viés por não de se descortinarem neles aptidões para bom desempenho na complexa do treino.
Situação muito semelhante, quase tirada a papel químico, se observou com Rui Vitória, agravada pelo facto de, enquanto praticamente, imensamente distante do virtuosismo da estrela francesa, ter sido mais um a integrar a multidão de candidatos a outro modo de vida.
Em Espanha, Zidane impôs-se com trabalho e competência, sem recurso a maquilhagens, nem a outros artifícios em voga, que geram mordomias, que até podem colocar um treinador em capas de revistas sociais, mas não o ensinam a ganhar jogos ou a conquistar títulos. Em Portugal, Rui Vitória é exemplo fiel disso. De ignorante e sem jeito, além de outras alarvices que traduzem o perfil dos seus autores, de tudo se disse um pouco para o achincalhar, ora com direito a palmas de prosélitos fiéis, ora perante o silêncio cúmplice de quem, discordando, optou por anódino encolher de ombros.
Tal como o francês, e salvaguardadas as diferenças entre os cenários, também em apenas dois anos Vitória respondeu com dois Campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Taça da Liga e uma Supertaça, além de ter levado o Benfica à Liga dos Campeões (quartos de final com o Bayern e oitavos com o Dortmund). Sem conquistas, sim, mas assentando-lhe bem a ousadia de admitir que o caminho certo é o do Real. Para já, é o que há. Suficiente, porém, para o treinador da águia deixar quantos o inundaram de defeitos e lhe desejaram má sorte a falar entre si nos botecos da má língua. Até por respeito a um princípio simples e genuíno a que repetidas vezes recorreu para tornear algumas questões que lhe suscitaram desconfiança: cada qual segue a sua vida...
Escreveu o professor Manuel Sérgio em A Bola Online que os adeptos do Benfica devem estar agradecidos à estrutura que soube escolher Rui Vitória e a este porque soube liderar, com mestria, os jogadores que a estrutura lhe concedeu.
No tetra está, portanto, a estrutura, o treinador e os jogadores. E, de todos, qual terá sido o mais decisivo? Pergunta pertinente sem resposta devidamente suportada, «embora, no tapete verde de relva, durante os jogos, jogadores sejam sempre os mais decisivos».
Claro que são eles, os jogadores, e é esse reconhecimento que aproxima Vitória e Zidane, por ambos perceberem que na escala de prioridades a valorização humana se situa acima de todas as outras, principalmente quando se tem o melhor do Mundo, Cristiano Ronaldo.
Para haver futebol sem tácticas, mas não há futebol sem jogadores. Portanto, um treinador só é verdadeiramente grande quando, nas vitórias e nas derrotas, recolher o apreço e a disciplina dos jogadores com quem diariamente convive, sem precisar de qualquer declaração pública ouvir ou ler avulsos elogios por indicação de modernas estratégias de comunicação que, em rigor, pouco empolgam e nenhuma eficácia produzem.
No primeiro mês do ano transacto, o Real Madrid procurava substituto para Benitez e o FC Porto para Lopetegui. Florentino Pérez marcou golo ao acertar em Zidane, por convicção ou por mero acaso não sabemos, enquanto Pinto da Costa chutou a bola para bancada e... atingiu Peseiro. Logo nessa altura, escrevi neste espaço semanal que Sérgio Conceição seria a melhor solução, por ver nele um homem sério, lutador e firme (19 de Janeiro de 2016, pág. 37). E acrescentei:
«Revela uma personalidade vincada e uma coragem que não o inibe, por exemplo, se for esse o seu entendimento em benefício do grupo, se sentar o intocável Casillas no banco e devolver a titularidade a Helton. Creio que é um homem com esta garra e esta extraordinária vontade de triunfar de que o dragão precisa para devolver o entusiasmo e a confiança aos jogadores e fazer-lhes ver que no FC Porto não se desiste a meio».
Não é minha intenção louvar o provável futuro treinador do dragão. Ele não precisa e não quero agitar sumidades, porventura atarefadas na engendração de um tratado técnico-científico para justificar este atraso de ano e meio que vai obrigar Conceição a muitas horas extraordinárias para reparar o erro e tentar recuperar o tempo que se esbanjou. Só deixo este alerta."
Fernando Guerra, in a bola
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