Tem perfeito cabimento citar Luís de Camões a propósito da maneira como o Benfica perdeu na Luz com o Barcelona, e hipotecou uma parte substancial das hipóteses que tinha de chegar aos quartos-de-final da Champions: «Erros meus, má Fortuna, Amor ardente, em minha perdição se conjuraram.»
Errar aconteceu em mais um lance infantil de António Silva, novamente com um passe suicida da ala para o meio, em zona mais do que proibida, que Raphinha aproveitou para marcar; má Fortuna, nas inúmeras oportunidades criadas para faturar na baliza do inspiradíssimo Szczesny, que saiu da reforma depois da lesão de Ter Stegen, e mostrou que velhos são os trapos; e Amor ardente, das bancadas, que nunca deixaram de empurrar os encarnados – que não regatearam esforços - para um resultado positivo.
INÍCIO FRENÉTICO
Enquanto as equipas tiveram onze jogadores em campo cada uma, o Benfica esteve muito perto de marcar por Akturkoglu aos 18 segundos, mas Szczesny fez uma parada incrível; no minuto dois, Leandro Barreiro e Frenkie de Jong dispararam muito perto das redes de Barça e Benfica; aos 12 minutos Trubin teve o momento de uma vida ao defender, na mesma jogada, três remates para golo, um de Dani Olmo, outro de Lewandowski e ainda mais um de Lamal; aos 16, foi Pavlidis, em boa posição, a rematar por cima.
Até à expulsão de Cubarsí (22 minutos), o Benfica com um 4x3x3 que tinha de baixar linhas para aguentar a melhor circulação de bola do Barcelona a meio-campo, jogava olhos nos olhos com os 'culés’ que Flick armou numa base de 4x3x3 que muito rapidamente se transformava em 4x2x3x1 ou mesmo em 4x5x1. Quando Cubarsi viu o cartão vermelho, tudo mudou: Hansi Flick tirou Dani Olmo e recompôs a defesa com Ronald Araujo, passando a um 4x4x1 que permitiu ao Benfica maior à vontade nas saídas de bola e assenhorear-se do controlo da partida. Com Lewandowski a mostrar-se de extrema utilidade nas bolas paradas defensivas, os ‘blaugrana’ deixaram de ser uma equipa de posse (até à expulsão andaram pelos 70 por cento) e viraram-se para o contra ataque, mas sempre com muitas cautelas para evitarem desposicionamentos. Mesmo assim, a classe de Frenkie de Jong e Pedri causou calafrios na Luz, e obrigou a que Akturkoglu e Schjelderup nunca descurassem o papel defensivo.
Mas a noite era do Benfica, que carregava, às vezes mais em quantidade do que em qualidade e viu Szczesny, aos 43 minutos, fazer um tremenda defesa a remate de cabeça de Akturkoglu que levava selo de golo. Por via de dúvidas, ainda antes do intervalo, o contra-ataque do Barça deu sinal de vida, com Carreras a cortar um cruzamento rasteiro perigoso de Raphinha. No descanso, quem consultasse os jornais de Barcelona podia ler que o resultado era muito lisonjeiro para os ‘culés’, que tinham de preparar-se para sofrer na segunda parte.
A metade complementar começou por ser um monólogo atacante do Benfica, que criou oportunidades para ganhar folgadamente, mas quase nunca foi assertivo na finalização; e quando o foi, Szczesny vestiu a capa de super-herói e disse não a hipóteses claras de golo de Kokçu (47) e Aursnes (51).
Foi então que começou a dança dos bancos, com Flick a mexer primeiro, com Ferran Torres no lugar de Yamal (56), para dar mais agressividade à equipa, respondendo Lage com Dahl no lugar de Tomás Araújo (57). E se foi surpresa o jogador emprestado pela Roma não ter sido titular no lugar de Schjelderup, ver um esquerdino a lateral direito, primeiro estranhou-se e depois entranhou-se, ou seja, o sueco deu boa conta do recado.
À passagem da hora de jogo, sem nenhuma mudança tática no Benfica, a equipa da Luz mandava no jogo e a preocupação quase exclusiva do Barça era sobreviver à avalanche atacante dos encarnados. Mas a equipa da Cidade Condal não disse que não à oferta de António Silva (61) e Raphinha, com a bola ainda a raspar no ‘centenário’ (na Champions) Otamendi, bateu Trubin, sem que nada o fizesse prever. Pois é: a este nível não há espaço para erros infantis e quem os comete paga o preço.
A 20 minutos do fim, Bruno Lage passou a um claro 4x4x2, com Belotti ao lado de Pavlidis, João Rego na direita e Akturkoglu na esquerda. Respondeu de imediato Flick, abdicando de Lewandowski e De Jong, passando Ferran Torres para ponta de lança e Baldé para médio esquerdo.
Mais tarde, aos 84 minutos, o treinador do Benfica ainda foi buscar Renato Sanches e Artur Cabral, apertando a asfixia do Barcelona, que se defendia com unhas e dentes. Os 13 cantos a favor dos encarnados provam-no cabalmente, assim como um corte de Baldé a tirar o pão da boca a João Rego (88), uma defesa prodigiosa de Szczesny (90+4) a remate de Renato Sanches e um penálti contra o Barça assinalado por Felix Zwayer, por falta de Szczesny sobreBelotti, anulado pelo VAR por offside milimétrico do italiano.
Em resumo, o Benfica fez por merecer mais, mas pagou caro o erro que cometeu, e acabou por desperdiçar uma grande oportunidade, contra dez desde o minuto 22, de construir um resultado que lhe permitisse uma visita ao Estádio Olímpico de Montjuic com vista para os quartos. Assim...
DESTAQUES:
Trubin (7)
Primeiro, algumas bolas (quase) mortas para aquecer, depois, aos 12’, tripla intervenção de altíssimo nível, defendendo, em dois ou três segundos, remates perigosíssimos de Olmo, Lewandowski e Yamal. O remate de Raphinha no golo saiu demasiado perto do poste para que o ucraniano tivesse possibilidades elevadas de o desviar.
António Silva (4) - 22J/2g. Teve alguns cortes preciosos e um grande lançamento perto da meia hora para a entrada de Schjeldrup. Fica, porém, marcado pelo golo do Barcelona, num passe demasiado curto na direção de Carreras, com Raphinha a antecipar-se e a fazer golo.
Otamendi (6) - 100j/2g. Algumas dificuldades iniciais para colocar ordem na defesa encarnada no período mais volumoso de ataque do Barcelona. Pós-expulsão de Cubarsí, esteve menos em jogo, mas mostrou-se sempre muito atento e precioso na forma como foi ordenando o quarteto mais recuado. Subiu, como de costume, diversas vezes à área catalã para tentar o golo de cabeça, mas o guarda-redes blaugrana foi sempre imperial.
Carreras (6) - 10j/0g. Antevia-se, de novo, vida difícil perante Lamal e assim foi, mas, não o metendo no bolso como no jogo da fase de liga desta Champions, esteve seguro frente ao jovem prodígio. Terá respirado fundo quando Flick, aos 56, tirou Lamal (embora passasse a ter Raphinha por perto) e soltou-se bem mais a partir daí, tentando raides pela esquerda, um dos quais lhe permitiu um passe soberbo para a entrada de Pavlidis, mas o remate deste saiu para o céu. Não chegou a tempo de evitar que o passe demasiado curto de António Silva chegasse a Raphinha no solitário golo.
Aursnes (6) - 83j/4g. O maratonista do Benfica (116 km nos dez jogos iniciais da Champions) foi o médio mais recuado e aquele que, por isso, foi obrigado a maior contenção em campo. Apareceu mais quando o jogo entrou no último terço e teve algumas tentativas de golo, mas nenhuma suficientemente enquadrada para criar verdadeiro perigo, sobretudo quando recebeu bola açucarada de Schjeldrup à entrada da área.
Kokçu (6) - 16j/4g. Tiraço de livre para defesa de Szczesny após a expulsão de Cubarsí e, ao longo do jogo, o homem mais rematador de longa distância. Mas com a mira ligeiramente desafinada.
Leandro Barreiro (5) - 8j/0g. A águia menos ativa em todo o jogo. Estava destinado a ser o médio mais adiantado, mas nunca conseguiu criar perigo.
Akturkoglu (4) - 27j/7g. Pergunta para um milhão de euros: onde está o turco que encantou os adeptos do Benfica nos primeiros dois meses da época? Em cima do intervalo, não teve a serenidade necessária para desviar de cabeça, da melhor forma, permitindo defesa a Szczesny. Mais em jogo na segunda parte, mas sempre demasiado displicente para criar o perigo que criou em agosto, setembro e outubro do ano passado.
Pavlidis (7) - 11j/7g. Momentos houve, a abrir o jogo, em que foi a única águia a mais de 30 metros da baliza de Trubin. Começou por ter remate muito defeituoso a fechar o primeiro quarto de hora e, pouco depois, pareceu um furacão a entrar pelo meio da defesa do Barcelona, forçando e quase se isolando, obrigando a que Cubarsí cometesse falta à entrada da área e visse o cartão vermelho. Teve um outro remate defeituoso na segunda parte, após passe de Carreras, mas mostrou-se sempre voluntarioso na procura de incomodar a defesa catalã.
Schjelderup (6) - 7j/0g. Teve um tiraço para grande defesa de Szczesny, pena que Barreiro estivesse fora de jogo. Melhorou, embora não muito, durante a segunda parte. Não está também na forma que demonstrou em janeiro, quando Bruno Lage lhe entregou a titularidade.
Dahl (6) - 2j/0g. Entrou para lateral-direito, aos 57', saindo Tomás Araújo. A ideia de Bruno Lage seria que o sueco fosse uma espécie de ala para entrar da direita para a esquerda, rematando com o pé canhoto. Mexeu um pouco com o jogo, mas não de forma marcante.
João Rego (6) - 2j/0g. Pouco tempo em campo e muitas intervenções. Esteve perto do golo por duas vezes e, pelo menos, mostrou-se a Bruno Lage e aos benfiquistas.
Belotti (5) - 2j/0g. Boa arrancada aos 82' sobre Iñigo Martínez, ultrapassando-o e caindo após contacto com Szczesny, mas estava fora de jogo. Boa iniciativa, mas única.
Arthur Cabral (4) - 9j/2g. Pouco tempo em campo e poucas bolas para tentar marcar.
Renato Sanches (5) - 33j/1g. Igualmente poucos minutos em campo, mas duas ou três boas tentativas de incomodar Szczesny com remates de longe. Muito ativo, apesar do longo tempo de paragem.
Sem comentários:
Enviar um comentário