R – Quando ganhou a Taça de Portugal, uma das imagens que fica é o Rui Vitória a olhar para o céu…
RV – E espero que possa perdurar durante toda a minha carreira.
R – Foi um obrigado aos seus pais?
RV – Foi. Ainda bem que alguém teve a atenção de apanhar aquela imagem. Foi logo após o jogo terminar. Há uma altura em que os pensamentos se colam, e aquele foi um deles. Os pensamentos dos meus pais e os meus uniram-se. Foi um clique.
R – E uniram-se agora outra vez quando assinou pelo Benfica?
RV – Eles têm estado sempre comigo. Fui um azarado, mas sou um privilegiado. Porque depois de eles falecerem a minha carreira tem sido sempre em progressão. E tenho a certeza que eles estão sempre próximos. Sei que os tenho por perto, estou sempre a trabalhar para eles e lembro-me sempre deles. Há muitas coincidências. Nunca me viram a treinar e a minha carreira tem sido sempre a subir. Cada passo que dou estou sempre com eles.
R – Fale-nos um pouco sobre os treinadores que o acompanharam nesta viagem de Guimarães para Lisboa. O que é que cada um faz e quais as suas reais tarefas dentro da estrutura?
RV – O Arnaldo Teixeira tem sido o meu braço-direito desde que fomos orientar o Fátima. Tivemos sempre uma boa relação do ponto de vista pessoal e ele tem várias missões, que agora também não quero aprofundar. É o meu apoio, mas até numa área mais particular. Conhece-me perfeitamente, sabe quando eu estou a olhar para a mosca, como ele diz. Sabe sempre o que estou a pensar. O Sérgio Botelho foi meu jogador em Fátima e resolvemos puxá-lo para a equipa técnica. É muito bom e começou a especializar-se na análise da nossa equipa e do adversário. Faz o trabalho mais de vídeo, mas sempre analisando do ponto de vista qualitativo. Sabe quais são as minhas ideias e filtra-me aquilo que fizemos bem ou menos bem. O Paulo Mourão é um fisiologista por excelência. Está sempre a coordenar, do ponto de vista fisiológico, aquilo que é o meu processo de treino. Depois temos o Pietra que tem uma função específica e que também não queria estar a revelar. O Hugo Oliveira trabalha com os guarda-redes, como se sabe. Depois há ainda o Bruno Mendes, que faz a ponte entre a equipa técnica e aquilo que se faz no Benfica LAB, e o Marco Pedroso, que é responsável pela análise e observação e que nos reporta essa informação. É uma subequipa que trabalha para nós.
R – Vai abdicar do seu sistema de jogo preferencial, que tem sido o 4x3x3, ou vai moldá-lo ao 4x4x2, sabendo nós que no futebol não há um sistema estanque…
RV – Seria redutor se dissesse que uso só um sistema e já houve treinadores no futebol português que pensaram assim e, se calhar, tiveram problemas. Às vezes somos levados a ter de adotar outra estratégia. A minha equipa tem mecanismos de trabalho para podermos trabalhar com qualquer um dos sistemas. Ninguém vai chegar ao pé de mim e perguntar o que há de fazer quando tiver a bola, seja qual for o sistema. Falar em 4x3x3 apenas seria redutor, e quando houvesse uma necessidade de alternância seria mais complicado trabalhar. A única coisa que sei é que é preciso olhar para o contexto. Há hábitos que estão enraizados e que não se mudam de um dia para o outro. Hoje em dia ninguém pode dizer que os sistemas A ou B são modernos, ou que se ganha mais de uma forma do que de outra. Vamos olhar para o que foi feito, olhar de cima, como se estivesse no topo de uma floresta, e decidir qual a melhor estratégia a implementar. O modelo é muito mais do que o sistema, que no fundo é a disposição tática, mas há mais coisas que uma equipa tem de ter como suporte. O meu Benfica vai ter umas particularidades diferentes, mas não quero ser taxativo. Se utilizei mais vezes o 4x3x3, foi porque muitas vezes pensei que era o que mais se adaptava, mas se analisarem um pouco o Vitória de Guimarães vão reparar que houve alternâncias táticas significativas e momentos em que o 4x3x3 não era assim tão claro.
R – Além do futebol, segue alguma outra modalidade com atenção?
RV – Não sigo nenhuma com muita atenção, embora esteja atento ao fenómeno desportivo. Às vezes falo com colegas e não gosto de quem se mete
no futebol e não tem apetência para isso. Da mesma forma que eu também não vou treinar hóquei patins ou basquetebol. Sei as regras, mas não tenho a sensibilidade para a modalidade. Vejo, mas não aprofundo. O futebol consome-me a maioria do tempo.
no futebol e não tem apetência para isso. Da mesma forma que eu também não vou treinar hóquei patins ou basquetebol. Sei as regras, mas não tenho a sensibilidade para a modalidade. Vejo, mas não aprofundo. O futebol consome-me a maioria do tempo.
R – Já foi professor, escreveu um livro, é treinador e até toca bateria. Há mais alguma coisa que ainda queira fazer?
RV – Fiz isso porque é o que sei fazer. O meu irmão era muito versátil, eu não. Estudava e jogava futebol. Depois fui dar aulas e treinar. A bateria é um hobby e aparece aqui como uma brincadeira.
R – Nas entrevistas não tem mencionado as referências que tem na profissão…
RV – Não me parece correto estar a dizer nomes de treinadores conhecidos, quando tive técnicos desconhecidos que me ensinaram muito. Tudo aquilo que faço é com base em dois pressupostos: o primeiro é prático, com base na minha vivência; e há outro teórico, que vem da formação académica que tive. Ao longo da minha carreira acabo por virar-me mais para a parte prática. Tive treinadores que trabalhavam mais de forma empírica, com instinto, e outros que adotavam bases mais académicas. Não tive só uma referência. Atualmente, claro que olho para outros treinadores para perceber o que fazem. Não vou dizer que tenho uma referência, porque seria injusto para outros. Alguns deles vocês até nem conhecem.
R – Pode referir alguns dos treinadores que ajudaram à sua aprendizagem?
RV – Mário Wilson, João Amorim, Alberto Bastos Lopes, António Medeiros, António Baguinho, Valdemar Moreira, José Augusto, João Santos, que agora trabalha na estrutura e que foi meu professor; e Rafael Gomes, que também ainda está no Benfica. Armando Gonçalves e José Carlos foram outras duas pessoas importantes.
R – O Benfica vai estar quase 20 dias fora de Portugal nesta pré-temporada.Qual é a sua opinião?
RV – As grandes equipas são convidadas para os grandes torneios, e cada vez mais o futebol moderno passa por estes torneios de início ou fim de temporada. Fico feliz por Benfica ter sido convidado, significa que é um clube de dimensão mundial, e isso deve deixar-nos orgulhosos.Vamos ter oportunidade de estar junto das nossas comunidades de emigrantes, nomeadamente em Toronto e Newark, e isso também é importante para nós. Às vezes desgastamo-nos com algumas coisas de forma inútil. Vejo sempre estas coisas pelo lado positivo: será um tempo em que vamos estar mais tempo próximos uns dos outros.
R – Tem 10 jogos na Liga Europa e este ano vai estrear-se na Liga dos Campeões. A curta experiência europeia que tem pode condicioná-lo?
RV – Não acredito. E por uma razão simples. Já estudei a Liga dos Campeões de alto a baixo. Já estudei o Benfica na Liga dos Campeões nas últimas épocas. Já tenho uma equipa para estudar as outras equipas da Champions e a nossa própria equipa. Tudo está a ser trabalhado, tentando antecipar cenários. É uma competição de grande nível europeu, mas quando joguei na Liga Europa parecia que já lá estava há muito tempo.
R – Vamos olhar para os rivais. Como é que analisa esta revolução que está a acontecer no FC Porto e a forma como o Sporting tem preparado a próxima época?
RV – Cada clube tem a sua realidade. Estou convencido que estão num quadro mais complicado, porque quer um quer outro não têm tido sucesso no que diz respeito a títulos. Vai ser um campeonato muito disputado e até pode ser bom para o Benfica, para que os adeptos possam estar ainda mais ligados e não pensarem que tudo se vai processar em velocidade de cruzeiro. Em conjunto temos de fazer mais. Já estamos a trabalhar bem, mas os adversários vão obrigar-nos a trabalhar ainda mais.
R – Afinal, os oitos anos de Maxi Pereira no Benfica parecem não ter pesado...
RV – Sei que ainda não respondeu à proposta e não quero dizer muito mais. Sempre pensei, sinceramente, que os oito anos teriam impacto na decisão. É a vida. O Benfica é grande de mais e se ele não vier teremos soluções para estar a competir ao mais alto nível. Se ficar, é um dos nossos. Se não ficar, deixa de ser problema nosso.
R – Luís Filipe Vieira diz-lhe amanhã que se vai sentar no banco. Autoriza?
RV – (risos) Estamos perfeitamente à vontade um com o outro. Eu faço o meu papel e ele faz o seu. Não há problema por isso.
R – Mas não é uma coisa que se coloca?
RV – Não acredito. O nosso presidente quer é estar tranquilo a observar os jogos, a fazer o seu papel, e nós estamos cá para trabalhar.
R – Mas não via qualquer inconveniente?
RV – Não, nenhum, mas acredito que isso não lhe está a passar pela cabeça.
R – Se pudesse mudar alguma das leis do jogo, o que alterava?
RV – Neste momento mudava muitas. O futebol é das modalidades que tem mais aversão à mudança. As outras modalidades vão mudando para aumentar a competitividade. Não sei qual, mas fazia várias mudanças. Nos treinadores, nas substituições, nas paragens. Fazia uma reformulação bem grande naquilo que é futebol atualmente.
R – É adepto das novas tecnologias no futebol?
RV – Numa indústria como esta, em que tantos milhões estão em causa e em que alguma decisão importante pode ser tomada em 10 ou 15 segundos, não vejo por que não se possam adotar as novas tecnologias. Sou a favor. Há quem diga que o árbitro é que tem de decidir, mas pode perder-se um título devido a algo que se pode resolver de forma fácil. É um crime não se aproveitar.
R – Sorteio dos árbitros. É a favor?
RV – A mim não faz muita diferença. Temos de acreditar que um árbitro está lá para fazer o seu trabalho, como eu, treinador, também estou. Se estou na 1.ª Liga é porque tenho qualidade e acredito que os árbitros também devem ter. Parece-me é que alguém que conhece o perfil de um árbitro pode dizer para que jogo é mais adequado. Não tem a ver com o medo ou não. Tem a ver com o perfil para lidar com determinada equipa ou ambiente. Da mesma forma que não sorteio a minha equipa. A escolha obedece a algum critério. Por isso sou mais apologista da nomeação, mas em tudo. Mas se as pessoas decidirem pelo sorteio, respeito.
R – Quem é o melhor treinador do Mundo?
RV – É difícil de responder. O José Mourinho tem uma grande qualidade. Não estou a falar do ponto de vista estético. Não se deve fazer uma análise tão redutora. Quem ganha em Portugal, Espanha, Itália e Inglaterra tem de ter muita qualidade. Porque conseguiu olhar para os contextos e ver o que era melhor fazer. E nós somos uns privilegiados. Porque a maioria dos treinadores por essa Europa fora são formatados. O treinador português tem versatilidade para se adaptar aos vários contextos. E nesse aspeto o José Mourinho tem sido o melhor.
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