segunda-feira, 12 de junho de 2017

SEGURAR LOUCOS OU EMPURRAR ELEFANTES?


Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.
Este é o nome de um livro de Rui Nascimento Alves que reúne um conjunto de entrevistas a gestores de várias áreas, da Indústria às Tecnologias de Informação, passando pela Restauração ou Comunicação Social, sobre aquilo que é comum a todos estes setores de atividade: as pessoas. Também no futebol, e sobre o mesmo tema, Fernando Santos reforçou já várias vezes: “Muito mais importante que os números são as pessoas.”
Neste livro, assente num conjunto de entrevistas aos gestores dessas empresas, captou-me grande atenção a do Chef José Avillez que, a certo momento, e quando questionado sobre a sua visão de gestão de pessoas, refere: “Não procuro pessoas tecnicamente perfeitas, que sejam umas máquinas e saibam tudo. Procuro pessoas para muitas áreas diferentes, que têm de ter certos perfis.”
A ideia acima, revelada pelo Chef, encaixa como uma luva na fase da época em que estamos: seja momento de balanço, de transição ou de mudança, é também um momento de escolher pessoas.
Uma das maiores preocupações na gestão de equipas desportivas é a constituição ou renovação dos plantéis. Para quem gere uma equipa, a época nunca acaba, apenas termina a competição. A constituição ou renovação do plantel é um trabalho dinâmico e interminável. Neste domínio, é difícil medir concretamente quando termina uma época ou começa a seguinte. Porque durante a época em curso já se tomam decisões, já se fazem escolhas, já se experimentam alternativas, já se observam reforços, pensando a médio-prazo e não no resultado imediato. E quando a nova época começa, podem ser aproveitados processos previamente testados, podem ser consolidadas mudanças já implementadas ou podem ser potenciados desempenhos com base em mudanças de comportamento que transitaram de uma época para a outra.
Este processo, sensível e muitas vezes desvalorizado, requer uma base de competência e experiência muito acima das questões tático-técnicas: é preciso perceber de pessoas. Porque, como ensina o Prof. Manuel Sérgio, “quem só sabe de futebol nem de futebol sabe” e “para conhecer o jogador, precisa-se conhecer antes a pessoa que joga”. Ou seja, há que entender bem o contexto, a realidade do clube, o seu passado, a sua cultura, os seus adeptos. No fundo, entender as suas pessoas. Depois, projetar devidamente as competições a disputar e os seus objetivos. Por fim, encaixar tudo isto no seu modelo de jogo, de equipa e de jogador. O seu modelo de pessoas, não à sua imagem e semelhança mas sim na procura da diversidade que a equipa vai precisar. É aqui que se começam a ganhar (e a perder) jogos.
A nível desportivo, artístico ou profissional, os modelos de equipa assentam cada vez mais no princípio da complementaridade, em lugar do princípio da igualdade. Isto significa que, cada vez mais, as melhores equipas assentam em jogadores, perdão… pessoas diferentes e complementares, e portanto mais ricas pela diversidade do que pela igualdade. Acontece isto em termos funcionais, obrigatoriamente pelas posições no campo, mas também pelos papéis comportamentais que os jogadores, perdão… as pessoas, desempenham na equipa. Os tais perfis que o Chef referia. Assim, é preciso saber onde estão esses perfis comportamentais que encaixam no modelo de equipa definido, análise sem a qual se corre o grande risco de descurar os “espaços” e “papéis” de cada um e de todos, dentro e fora do campo.
Há algumas categorias de perfis que devem estar presentes em todas as equipas, em maior ou menor número, e que ao longo da época vão assumindo maior ou menor importância, em virtude de múltiplos fatores. Destaco alguns:
Jogadores de equipa – aqueles que se preocupam predominantemente com o coletivo, mais do que consigo próprios. São a cola que une as peças, o nó entre as pontas soltas, sanando subtilmente as divisões e fomentando a coesão;
Individualidades – os talentos “loucos” e indomáveis, imprevisíveis e irregulares que tantas dores de cabeça dão a quem lidera. Simultaneamente, são normalmente também quem tem maior capacidade de resolver em benefício da equipa quando tudo parece bloqueado;
Líderes – pelo exemplo e pela competência, impõe-se naturalmente no seio da equipa e, pelo seu comportamento e comunicação, indicam o caminho; são os maiores aliados dos treinadores e podem até nem ser os capitães dentro do campo;
Especialistas – ocupam posições cirúrgicas ou desempenham excecionalmente algumas tarefas de detalhe. Podem ter pouco volume de jogo mas são decisivos em momentos muito concretos, de maior tensão e especificidade;
Carregadores de Piano – trabalham sem brilhar, são fundamentais sem se dar por eles. Dedicados, preferem as tarefas mais árduas, poucas vezes valorizadas mas importantes em qualquer equipa, mantendo-se discretos e longe dos holofotes;
Históricos – trazem em si mesmos a cultura do clube, a experiência e a tradição. Sabem como foi o passado porque estavam lá. Têm um decisivo capital de experiência e transmitem isso aos novos elementos e aos mais jovens;
Palhaços – têm sempre uma nova partida para pregar aos colegas ou uma praxe para os recém-chegados. Têm alcunhas para todos e não perdoam uma oportunidade de pôr toda agente a rir. São particularmente importantes para ajudar a levantar o ânimo e a sair de momentos menos bons.
Caçulas – são os jovens de potencial para o futuro, precisam de ser cuidados, estimulados, ensinados. Trazem nova vitalidade e renovação às equipas, um novo fôlego que permite olhar para a frente com otimismo.
A construção de uma equipa requer um elevado conhecimento tático-técnico, que perspetive como “arrumar as peças do xadrez” em função de um modelo de jogo. Contudo, requer também a escolha das pessoas certas para essa equipa. O lado humano indissociável do lado tático-técnico, e vice-versa.
Para quem gere equipas, há sempre que equilibrar renovação e tradição, hábitos e mudanças, diversidade e complementaridade, o que cada um dá e tira à equipa. Para construir a melhor equipa, há que segurar alguns “loucos”, por muito difíceis que sejam de lidar, e há que empurrar alguns “elefantes”, por muita paciência que seja precisa. Este jogo de escolhas, de segurar e empurrar, assenta na questão basilar que o líder deve fazer a si mesmo: de que pessoas quero que a minha equipa seja feita?
Pedro Silva, in zero.zero

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