O pior que pode acontecer ao Benfica é adiantar-se no marcador. Foi assim com o CSKA e no Bessa.
O Benfica, tetracampeão nacional, anda virado do avesso. Alguma vez tinha de acontecer, é certo, porque estes transes da bola não acontecem só aos outros. No entanto, quatro anos é muito tempo e quatro anos de belos sucessos desabituaram, inevitavelmente, os adeptos do Benfica de experimentar o travo amargo da inoperância formal que a sua equipa vem exibindo, sem rodeios, em casa e fora de casa. A soma de resultados medíocres, o momento periclitante de alguns setores da equipa e os arranques sem mácula dos dois principais adversários internos viraram do avesso o estatuto do campeão e a relação de confiança com a vasta multidão de público afeto. De tal modo tudo é ao contrário do que devia ser, de tal modo vive o Benfica de pernas para o ar que o simples facto – simplicíssimo, na realidade – de ter marcado um golo cedo no jogo com o Sp. Braga na Taça da Liga despertou na assistência do Estádio da Luz um estado de angústia que, francamente, não se sabe se vem dos relvado para a bancada ou se, pelo contrário, parte da bancada para o teatro das operações. O caso é bicudo. Obedece a um comportamento padrão de foros surreais e que se resume ao facto de o pior que pode acontecer a este Benfica é adiantar-se no marcador. Assim aconteceu no jogo com o CSKA e depois foi o que se viu: as infames reviravoltas dos resultados mercê de um misterioso abandono do foco na ação e de uma notória incapacidade de gerir a vantagem e, mais preocupante ainda, de a dilatar para sossego das suas gentes. Só este bizarro, bizarro porque repetitivo, comportamento da equipa de Rui Vitória explica a ansiedade que se viveu na noite de quarta-feira na Luz quando Jiménez apontou, com um remate impecável aos 10 minutos da primeira parte, o golo que adiantou o Benfica no marcador no jogo inaugural da fase de grupos da tão estimada Taça da Liga. O público, naturalmente, ergueu-se dos assentos para festejar o golo do mexicano mas quando todos se voltaram a sentar o sentimento era unânime e tudo menos otimista: agora é que vão ser elas! E foram, outra vez. Tal como o fizeram CSKA e Boavista, também o Sp. Braga encontrou alento no seu suposto desalento e, trocando a bola com grande à-vontade, foi-se aproximando com perigo da baliza do Benfica até chegar ao empate. É um facto que não chegou à vitória como moscovitas e boavisteiros chegaram, mas chegou para o susto e para confirmar a teoria de que o Benfica desliga, e desliga sempre que se vê em vantagem tangencial. Ora é a isto, precisamente, que se chama andar virado do avesso. Até quando? Visão futurista da comunicação Os puristas que representam ‘os perigos no futebol português’ Para já é apenas ficção científica mas um dia veremos um qualquer espaço informativo de uma qualquer estação de TV atribuir o estatuto de comentadores ilustrados no tema ‘os perigos no futebol português’ aos especialistas que pelas suas práticas, pelos seus graus académicos e pelos seus currículos estarão em condições de explicar à multidão o que é isso da permeabilidade do desporto-rei à pequena, à média e à grande delinquência e como é isso de combater os que afligem o bom nome da modalidade com exotismos tribais e generosidades ignóbeis. Será este o futuro brilhante que nos aguarda: o império do ‘quem sabe, sabe’, as vozes autorizadas, o respeito do público, o explodir das audiências. Haverá também quem venha a considerar que o abjecionismo tomou conta, de uma vez por todas, da tropa-fandanga da bola. São estes puristas de meia-tigela, estes descrentes no progresso que representam ‘os perigos no futebol português’. Felizmente não passam de uma minoria.
Leonor Pinhão, in Correio da Manhã
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