"Dos 'bibelots' que tinham de esconder em casa aos 260 quilómetros para o treino; Do Pestinhas ao PJE (em vão)
1. Carla, a mãe, revelou-o: que, com ele pequenino, ao perguntar-lhe o que queria ser quando fosse grande, a resposta soltava-se-lhe, invariada: «Jogador de futebol» - e juntou-lhe: «Costumamos dizer que começou primeiro a jogar à bola e só depois a andar. Mesmo em bebé, era apenas bolas que queria, outros brinquedos não. Os bibelots tiveram de ser todos retirados lá de casa, nada podia haver à vista que se partisse - porque ele e o irmão passavam o tempo todo a jogar lá dentro...»
2. Tal como a mãe, o pai dava aulas de educação física em Viseu (onde ele nasceu). Carlos Sequeira era mais, porém, jogava futebol (a carreira fê-la por clubes da região, nos distritais) - e ele próprio o contou: «Percebendo-lhe empatia especial com a bola, a partir dos quatro anos comecei a levá-lo para os meus treinos. Para os jogos também e, ao intervalo, era certo: corria para o campo, a dar toques na bola» - e, meio palmo de gente, encantava quem via, pelo jeito, o dom.
3. Ao deixar de jogar, a Carlos Sequeira chamaram-no a preparador físico do Tondela - e a treinador de uma escolinha de futebol chamada Os Pestinhas. Para Os Pestinhas também foi ele, o filho. Não, não andou por lá muito tempo - aos oito anos, o deslumbre que causava fez com o que FC Porto o puxasse para lá.
4. Nos primeiros tempos, eram o pai ou a mãe (ou ambos) que o levavam, de Viseu ao Porto, aos três treinos semanais. Passando a ser quatro (e tendo jogo ao domingo) apenas à segunda-feira não tinham de fazer de carro os 260 quilómetros de viagem (regressando a casa à borda da meia-noite). Para se retirarem da estafa, aos 12 anos, decidiu-se pô-lo a viver na Casa do Dragão, ali para as Antas.
5. Apesar de magricela continuar, a cada dia que passava mais ele mostrava os pés em flor numa equipa em que também estavam Diogo Dalot, Diogo Queirós, Diogo Costa (e o capitão era ele). Miguel Lopes, seu treinador no FC Porto, já lhe percebera o destino num fogacho (que já era o que prometia ser ainda melhor): «Extremamente inteligente, muito instintivo, sempre capaz de tirar um coelho da cartola, de fazer aquela jogada que ninguém espera, aquele golo que ninguém imagina».
6. Natural foi, pois, que sucedesse o que sucedeu: escolheram-no para o projecto PJE (Potencial Jogador de Elite) - que integrava os melhores jogadores do FC Porto de cada escalão da formação em treino especial sob a responsabilidade de Pepijn Lijinders. Estranho foi, contudo, acontecer o que aconteceu - quando ia a caminho dos 15 anos deixou de ser utilizado como antes era, pouco jogando pelo Padroense.
7. Não foi há muito que Rodolfo Reis pôs a estupefacção num virote: «Era pegar num pau e dar na cabeça de quem o deixou sair do FC Porto». Sim, correra o rumor de que os portistas o escorraçaram de lá por acreditarem que a sua franzinice acabaria por impedir que ele fosse o jogador fabuloso que já percebeu que (já) é - mas, para Carlos e para Carla, os pais, o FC Porto não o pôs na rua.
8. Apercebendo-se de que a sua pouca utilização no Padroense o deixara em desolação, emissário benfiquista lembrou ao pai o que se passara com André Gomes - e foi o click que o atirou para o Seixal. Continuava a ter Kaká a iluminá-lo - e, mal lá chegou, voltou, fulgurante, ao seu futuro (e, com mais ginásio e mais corpo ficou, num ápice, ainda mais perto do paraíso).
9. Com 16 anos e 10 meses tornou-se o mais jovem jogador do Benfica na sua equipa B (e não tardou a fazer golo histórico ao Académico de Viseu). Os recordes não se ficaram por aí - Rui Vitória chamou-o à equipa principal e aos 18 anos, 9 meses e 16 dias saltou do banco e marcou golo no seu primeiro jogo contra o Sporting. (Ao Sporting, com menor idade de que ele, só tinham feito Guilherme Espírito Santo e Fernando Chalana).
10. De pé elegante e técnica fabulosa, de cabeça solta e carácter empolgado - anda cada vez mais de boca a boca como se tivesse dentro de si um Rui Costa ou um Bernardo Silva (ou com o futuro a ameaçar ter os dois em si ainda mais refinados) - e o Benfica já o tem com uma cláusula de rescisão de 120 milhões de euros."
António Simões, in A Bola

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