Nem só de famílias brancas, compostas por um homem, uma mulher e respetiva prole vivem os lares do nosso país. E não, os fãs nas bancadas do futebol não são sinónimo de heteronormatividade. A nova campanha do Benfica fala-nos precisamente sobre tudo isto: diversidade racial, de género, de orientação sexual e de estrutura no seio da família. Três vivas ao clube da Luz!
Bom, confesso que nunca pensei que viesse a escrever um elogio público ao Benfica. Primeiro, porque sou sportinguista. Segundo, porque o meu interesse futebolístico se resume aos grandes derbies, aos jogos da seleção nacional e pouco mais. Terceiro, porque este é um espaço que prima pelas dissertações sobre os desafios da igualdade, e digamos que o futebol não tem sido propriamente um universo rico em bons exemplos no que respeita a estas matérias (ainda o texto de ontem se debruçava sobre isso). Mas eis que chego ao escritório e me enviam uma campanha em vídeo lançada pelo clube da Luz, que me faz ter esperança quanto ao crescimento da consciência coletiva para se participar publicamente na desconstrução dos tabus que alimentam cenários de desigualdade na nossa sociedade.
A campanha do Benfica surge sob o título “Seja a tua família como for” e tem como intuito promover o pacote “Sócio Família”, com quotas apelativas para inscrições feitas por membros do mesmo núcleo familiar. Mas se estamos habituados a ver a instituição família representada por um pai, uma mãe (e atenção que não uso as palavras homem e mulher propositadamente), com um ou mais filhos, neste vídeo as coisas não são bem assim. E ainda bem que assim é, porque a realidade das famílias portuguesas estaria muito mal representada se se tivessem limitado a essa imagem. Uma imagem com que somos amiúde bombardeados nas mais distintas plataformas – da publicidade, à televisão e ao cinema, etc -, que resume a família a casais heterossexuais, brancos e com crianças.
Porque é que isto é errado? Bom, porque como tão bem mostra esta campanha do Benfica, nem todas as famílias são assim. Brancas, negras, interraciais, famílias monoparentais, famílias que não têm crianças: estas famílias são menos dignas desse nome? Então porque é que raramente são representadas? E onde ficam os avós, os bisavós, os sogros, os tios, os sobrinhos, os padrastos e as madrastas, os enteados, os genros e as noras, por exemplo? E onde ficam também os casais do mesmo sexo? Neste vídeo, há espaço para todas estas pessoas e distintos contextos e dinâmicas familiares. Porque como diria a campanha em tom de conclusão, “seja a família como for, o importante é haver amor”. Nem mais.
Sei que muito se tem falado de apropriação de causas para efeitos de marketing, e é claro que se espremermos bem, o intuito desta campanha é angariar novos sócios e fazer dinheiro. Mas seria no mínimo redutor se só víssemos esse lado. Neste caso, prefiro focar-me na amplitude inacreditável do alcance desta campanha, não só em termos de geografia e do número de pessoas a que vai chegar (não esqueçamos que o Benfica é o clube com mais adeptos espalhados pelo país) mas também no que respeita à diversidade dos receptores finais desta mensagem. Uma mensagem poderosa, acima de tudo de inclusão e de diversidade, que tem o condão de pôr pessoas de todo o país – e não só - a pensar em realidades que ainda geram desconforto, em boa parte por causa do desconhecimento. Vindo de um clube que é uma referência nacional, este é um belíssimo exemplo de como a desconstrução de preconceitos e a responsabilidade social não só podem, como devem andar de mãos dadas com estratégias que têm objetivos financeiros. Esta não é uma equação impossível. O mesmo para a belíssima iniciativa da equipa do Vitória de Guimarães, que este mês trocou os nomes dos jogadores nas suas camisola por nomes da mulheres vítimas de situações de violência doméstica. Mais um bom exemplo de como se pode aproveitar a visibilidade mediática para pôr as massas a pensar.
Para além da diversidade dentro do seio familiar, há outras boas mensagens subliminares que a campanha do Benfica passa: por exemplo, que as mulheres e as meninas também são fãs de futebol e que os homens gay não só vão à bola, como também, pasmem-se, podem gostar e até ter jeito para jogar esta modalidade. Porque o universo do futebol, por mais que esteja associado a testosterona aos saltos nas bancadas, não é exclusivo dos homens heterossexuais. E porque felizmente a grande festa do futebol é para todos e para todas. Obrigada, Benfica!
Paula Cosme Pinto, in Tribuna Expresso
Paula Cosme Pinto, in Tribuna Expresso
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