Erros e medo
1. Quando, há várias décadas um editorial do Pravda, jornal oficial do regime estalinista, aparecia com erros de gramática ou de ortografia todos sabiam que tinham sido escritos pelo próprio Estaline. De facto, ninguém tinha coragem para assinalar os erros do grande chefe. Assinalar uma falta de concordância numa frase escrita por Estaline seria decretar provavelmente a própria sentença de morte. Os editoriais que todos seguiriam sem hesitar seriam, portanto, os que teriam erros de linguagem.
A violência da autoridade entra assim no limite da paródia.
Uma ordem escrita de forma errada seria cumprida com esmero e dedicação máxima.
Levando isto ao extremo: e se uma ordem falada ou escrita por um qualquer chefe tivesse tantos erros gramaticais que se tornasse ilegível ou, bem mais terrível: se se entendesse o oposto daquilo que o comandante queria ordenar?
Pensar num exército completamente atabalhoado porque as ordens que recebeu, e que cumpre à risca, foram expressas numa língua cheia de erros ortográficos e de sintaxe.
Um exército que estivesse a invadir um país errado.
Assaltante desastrado
2. Há uma cena no filme Inimigo Público de Woody Allen, em que o protagonista, Virgil Starkwell, interpretado pelo próprio Allen, prepara tudo para assaltar um banco e, para ser mais discreto, leva um papel escrito que entrega ao caixa do banco, em que se pode ler algo do género: Isto é um assalto, tenho uma arma. Não reaja e entregue-me o dinheiro.
A questão é que o bilhete, escrito à mão pelo próprio ladrão desastrado, estava cheio de erros e o caixa do banco não entendeu o que ele queria.
O caixa e o assaltante discreto - mas com má gramática e caligrafia - discutiram depois um pouco sobre se ali, no papel, estava escrito uma letra ou outra. A seguir, o caixa chama outros funcionários do banco para discutirem a caligrafia, ortografia e gramática. Gera-se um grande burburinho em redor do bilhete escrito e dos erros gramaticais.
De facto, o assaltante era um desastrado na língua. Terminou preso.
Expressões populares
3. Expressão muito utilizada no muito desportivo - pôr tudo a limpo.
- Pôr tudo a limpo, tirar a limpo: «esclarecer, desfazer dúvidas, apurar a verdade».
- Pôr tudo a limpo. Ou seja, eliminar a sujidade.
- A sujidade é aquilo que tapa, que não deixa ver.
- Não deixa ver o quê?
- A verdade.
- Tirar a limpo, pôr a limpo: usar o pano do pó, um pano do pó simbólico, um pano do pó verbal.
- Em redor disto, a palavra esclarecer: tornar claro, passar o pano pelo obscuro e tornar claro.
- Esclarecer: é um acto de limpeza.
- É tirar o pó de cima daquilo que merece estar à vista.
- O pó é a ambiguidade, é aquilo que tapa.
- Tirar o pó de cima da verdade.
Maioria
4. Qualquer eleição de presidentes ou dirigentes desportivos, políticos ou associativos, é antecedida de grande discussões, ansiedade e expectativas.
Conta-se que, algumas décadas atrás, um candidato às eleições para Presidente de uma importante país foi abordado por uma senhora entusiasmada pela sua candidatura e que lhe disse:
- Todas as pessoas que pensam votarão em si!
- Minha senhora, assim não dá - respondeu o candidato. - Preciso de uma maioria."
Gonçalo M. Tavares, in A Bola
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