sábado, 22 de fevereiro de 2020

RACISMO OU CLUBISMO?


"Marega foi atacado por ser negro ou por se ter passado para o ‘inimigo’?

Os insultos ao futebolista Marega no jogo Vitória de Guimarães-FC Porto levantaram uma onda de indignação no país inteiro, que me pareceu não só exagerada como contraproducente.
Com o devido respeito a quase todos os comentadores que falaram ou escreveram sobre o assunto, não perceberam bem o que se passou nem reagiram da melhor forma.
Relativamente ao que se passou, pergunto: os insultos a Marega tiveram uma origem ‘racista’ ou ‘clubista’? Ou seja, Marega foi atacado pelo facto de ser negro ou por ter, segundo aqueles adeptos do Guimarães, ‘traído’ o seu clube, transferindo-se para um rival? Os ataques a Marega deveram-se à ‘cor da pele’ ou ao facto de se ter passado para o campo do ‘inimigo’?
Se fosse um fenómeno racista, isto é, de ódio ao negro por ser negro, Marega também teria sido molestado quando jogava em Guimarães. Os sócios não o teriam querido no clube. O racismo é isto. Ora, em Guimarães, Marega era aplaudido e até endeusado. Assim, o que está em causa não é ser ‘negro’ – é ser ‘infiel’.
A cor da pele não foi o ‘fim’ do insulto – foi apenas o ‘meio’ usado para insultar o jogador.
Os ataques a Marega foram equivalentes aos dos adeptos que chamam «filho de p…» ao árbitro (e que não estão nada preocupados com a honradez ou falta dela da progenitora do senhor). Ou dos sportinguistas que chamam todos os nomes a Frederico Varandas, porque ele é o homem a abater. Ou dos portistas que gritam no Estádio do Dragão «SLB, FdP…», referindo-se ao Benfica.
Se Marega, por absurdo, regressasse ao Guimarães, os mesmos que o atacaram no domingo voltariam a aplaudi-lo.
Vamos agora à reacção dos comentadores. A esmagadora maioria aplaudiu a atitude de Marega ao sair do campo. Porquê? Porque obrigou toda a gente a falar do assunto. Mas eu pergunto: será melhor falar ou não falar? Falar muito de racismo é bom ou é mau? Falar de racismo a propósito de tudo e de nada é bom ou é mau?
Recordo apenas que os episódios racistas têm aumentado exponencialmente desde 2012. Até aí, eram negligenciáveis; a partir daí têm crescido a pique. Porquê? Porque se tornaram um ‘rebuçado’ para os media. Os media adoram falar de racismo. Dá audiências.
Quando liam as notícias sobre Marega, os jornalistas das televisões acentuavam a palavra, davam-lhe ênfase, diziam «insultos racistas»
Só que, quanto mais se fala de racismo mais se banaliza o racismo e mais se fomenta o racismo. Tal como acontece nos incêndios florestais, quanto mais os jornalistas falam deles, mais incendiários há. E com os suicídios sucede o mesmo: sempre que há um suicídio muito mediatizado, verifica-se a seguir uma onda de suicídios.
As pessoas que estiveram melhor a falar deste assunto foram António Costa, Pinto da Costa e Pacheco Pereira.
O primeiro-ministro apelou aos presidentes dos clubes para conterem a violência no futebol; Pinto da Costa disse que o caso Marega, «mais do que racismo, foi estupidez». E Pacheco Pereira adiantou que o racismo foi um instrumento e não a raiz do problema – que, para ele, também é a violência no mundo do futebol.
A reacção de Marega, sendo espontânea (e por isso não criticável), não foi a melhor. A melhor maneira de reagir a estes ataques é não lhes ligar. Como a melhor maneira de desfazer um insulto é ignorá-lo. Reagir de modo indignado é dar importância ao agressor. É mostrar que este atingiu o seu objectivo: magoar, ferir.
Como Vítor Rainho escreveu no i, a reacção mais inteligente neste campo foi a de um jogador brasileiro do Barcelona, Daniel Alves, a quem atiraram uma banana para a relva – e que, impávido e sereno, pegou nela, descascou-a e comeu-a. Isto sim, humilha quem pretende agredir. A reacção de Marega teve o efeito contrário.
E com os comentadores passou-se o mesmo: insurgiram-se, indignaram-se (com sinceridade ou não), exigiram a prisão dos desordeiros, apelaram à repressão da Polícia. Ora o que deviam é ter explicado ao ‘povo’ que o melhor nestes casos é não ligar, ignorar, fingir que não se percebe. Assobiar para o lado. Ao fim de algum tempo, após ataques sem consequências, os agressores cansam-se, veem que as ofensas não tiveram efeito e buscam outra forma de insultar. Inversamente, neste caso, como os insultos produziram efeito, a tendência é para repetirem a dose.
O ataque a Marega foi um episódio equivalente a tantos outros de violência no desporto. E há que pensar bem na melhor forma de lidar com este fenómeno. O futebol para muita gente é um tubo de escape. As pessoas gritam, insultam, e saem do campo mais aliviadas. Menos agressivas do que entraram, depois de deitarem a agressividade cá para fora.
Assim, a solução inteligente será reprimir esses impulsos primários ou deixar as pessoas desabafarem?
A bancada dos sócios de um clube é uma panela de pressão em tamanho gigante. Perante isto, o que será preferível: permitir que o gás se liberte um pouco ou obrigá-lo a ficar preso lá dentro? Deixo isto à consideração do leitor.
Caso diferente é o das claques, em relação às quais seria necessário tomar medidas duríssimas. Essas não vão ao futebol para ‘desabafar’. Como se viu em Alcochete, são grupos organizados que podem transformar-se em seitas perigosas. Mas aí ninguém quer agir. Os presidentes dos clubes têm medo. Frederico Varandas tem feito de D. Quixote, enfrentando quase sozinho a claque do seu clube.
Mas um homem sozinho não consegue vencer forças tão poderosas."

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