"Mau feitio ou talvez apenas má vontade, quando Leauty decide agarrar-se à bola e fazer golo de belo efeito à passagem do minuto 35, longos dias de apreciações e estudos acerca da estabilidade defensiva do SL Benfica caíram por terra e expuseram realidade que nos permite distinguir, com toda a certeza, muitos dos fatores que comprometeram os resultados desta temporada ao insucesso.
Ainda assim, os 715 minutos que Helton Leite conservou a invencibilidade são registo digno de destaque na secção dos recordes do Museu Cosme Damião, colocando o nome ao lado de Bento, Júlio César ou Ederson – e esta fase, que durou praticamente mês e meio, será o único apontamento positivo duma época condenada ao fracasso desde agosto.
Numa tentativa de tentar conhecer melhor qual a dimensão dos feitos defensivos dos encarnados, enumeramos cinco das mais memoráveis retaguardas do clube da Luz, quartetos ou quintetos que permitiram açambarcar condições ideais para as linhas atacantes puxarem a si a fama das mais gloriosas noites .
Entendível num clube que formatou a sua abordagem tática ao culto do golo e de correntes estéticas mais atrevidas, encarando o jogo como espaço de entretenimento supremo e a obtenção da vitória com recurso ao 5-4 em vez do 1-0 – filosofia bem explícita na famosa frase de Bella Gutmann: «Não me desgosta nada que o adversário marque três ou quatro golos desde que a minha equipa marque quatro ou cinco… Primeiro, marcar golos. Depois, tentar não os sofrer. Eis a filosofia do meu futebol».
Nestes pressupostos, elegem-se cinco conjuntos de operários prontos ao sacrifício da fama em prol dos objetivos coletivos, apoiando na estatística o critério das escolhas.
1. 1961/63 – Costa Pereira, Mário João, Germano, Ângelo, Neto e Cruz – Na primeira final, em teoria o FC Barcelona obrigava a esforços redobrados na planificação de resultado positivo. O jogo confirmou essa ideia, em hora e meia de cerco à baliza de Costa Pereira.
Em Wankdorf, o SL Benfica ainda não era em 4-2-4 como foi durante o resto da década, de forma a acomodar Eusébio e Simões na última linha. O primeiro a ter sucesso, o de 60/61, apresentava-se ainda no já ultrapassado WM, e os cinco magníficos que aguentaram as investidas de Suárez, Kocsis, Kubala, Czibor e Evaristo gravaram a letras garrafais o seu nome pela coragem e sentido prático demonstrados, posicionados em dois + três: Mário João e Ângelo, direita e esquerda, Germano como pêndulo que, ora equilibrava atrás, ora saía a jogar e fazia linha mais à frente com Neto e Cruz.
Na final do ano seguinte, a transição já se dera entretanto para o novo sistema, e Neto sairia das opções iniciais, permitindo a Germano e Ângelo comporem a primeira grande parelha de centrais encarnada.
2. Época 1977/78 – Bento, Alberto Bastos Lopes, Humberto Coelho, Eurico e Alberto – Um SL Benfica treinado por John Mortimore mantém-se invicto num campeonato a 30 jogos, mas o exagero de empates (nove) são fator crucial para desempatar o título. O FC Porto acaba com os mesmos pontos (51), mas com maior diferença de golos. A média de 0,36 golos sofridos por jogo são a segunda melhor média nacional de sempre – a seguir ao FC Porto de 1979-80 que sofreu apenas nove golos no mesmo numero de jogos -, e refletem o assombroso impacto de 20 clean sheets!, estatística que revela bem o rigor defensivo de uma turma encarnada que só encontrou verdadeiro opositor num Liverpool FC cheio de estrelas – campeões europeus em título, Bob Paisley comandou Dalglish e companhia com perícia na construção de um resultado agregado de 6-2 (o descalabro benfiquista veio em Inglaterra, 4-1), avançando rumo às meias-finais e posteriormente a nova vitória na competição.
3. Época 1988/89 – Silvino, Veloso, Ricardo Gomes, Mozer e Álvaro/Fonseca – A época começou sobressaltada. O FC Porto, com sede de vingança pela derrota no caso Ademir, esquece o pacto de cavalheiros entre os dois clubes e vai à Luz roubar Dito e Rui Águas. Toni mantinha-se no banco e para remendar a equipa atravessa o Atlântico – vai a Porto Alegre convencer os responsáveis do Grémio a vender a sua jóia, de nome Valdo, e arranca para o Rio de Janeiro, onde reuniria com os responsáveis do “Flu” para acertar contas em relação à compra do passe de Ricardo Gomes, que chegado à Luz trata de se conciliar imediatamente com Mozer.
Resultado: 15 golos sofridos em todo o Campeonato Nacional. Se aos dias de hoje já é registo assinalável, atentemos que à época competiam 20 equipas, totalizando 38 jornadas. Os 0,39 golos sofridos por encontro imortalizaram principalmente a dupla de centrais, que marcaram uma época no SL Benfica e eram titulares na seleção canarinha. Contudo, não esquecer a presença do capitão Veloso e da intermitência de Álvaro Magalhães à esquerda, que permitiu a ascensão de um jovem Fonseca. O sucesso no campeonato não se transmitiu para o resto das competições, com eliminação precoce na Europa (aos pés do Standard Liége) e derrota na final da Taça de Portugal, frente ao CF Belenenses de Marinho Peres.
4. Época 1987/88 – Silvino, Veloso, Dito, Mozer e Álvaro – Entra aqui a linha defensiva da equipa que regressou às finais continentais pós-década de 60, exatamente pelo registo defensivo notável na prova – um único golo sofrido no caminho até á final. Partizan de Tirana, Aarhus, Steaua de Bucareste e PSV foram incapazes de importunar as redes encarnadas, só o RSC Anderlecht, em Bruxelas, conseguiu saborear um golo marcado à defesa de betão. Proeza que exigiu muito método e concentração, como se pode atestar pelo vídeo. O autor? Um tal de Arnór Gudjohsen. Sim, o apelido e o talento não enganam: é o pai de Eidur Gudjohsen, ex-jogador de Chelsea FC e FC Barcelona.
5. Época 2013/14 – Oblak; Maxi Pereira, Luisão, Garay e Siqueira – Se seria justo referir o impressionante registo de 2014-15 (16 golos sofridos em 34 jornadas)? Sim, mas como fugir dos fabulosos seis meses de Jan Oblak de águia ao peito? Como ignorar alguém capaz de 21 clean sheets em 26 jogos? De alguém que nesse período tenha apenas sofrido seis golos?
A desenvoltura do esloveno a trancar a baliza a sete-chaves – que exibição portentosa em Turim! – foi a base da enorme capacidade de sofrimento daquele SL Benfica. Quando a qualidade é deste calibre, todos os jogos parecem fáceis. Como eram muitas vezes as suas defesas, as quais tornavam remates perigosos em bolas aparentemente inofensivas. O momento da lesão de Artur, a meio de dezembro de 2013 num jogo frente ao SC Olhanense foi ponto de viragem na vingança dos fatídicos momentos de 2012-13."
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