Os mercados do Benfica neste mandato de Rui Costa podiam resumir-se numa frase: «Se não gostar das minhas convicções, tenho aqui outras.» Um exemplo disso é a nossa atração por esta ideia magnífica da reabilitação de jogadores, tentada várias vezes e falhada com estrondo até agora. Depois de Bernat, Draxler e Renato Sanches, que aterraram em Lisboa lesionados e lesionados continuaram, o Benfica parece agora apostado em reafirmar a sua função caritativa com a contratação de Andrea Belotti, um avançado italiano que já foi um dos melhores do seu futebol, mas entrou em crise de golos há alguns anos.
Belotti chega a Lisboa numa fase descendente da sua carreira, com a responsabilidade de ajudar a colmatar as lacunas evidenciadas por opções muito dispendiosas que integram o atual plantel, uma das quais — Arthur Cabral — aparentemente sem mercado que permita recuperar o avultado investimento realizado no passe do jogador, sem contar com o peso na folha salarial. O dicionário da língua portuguesa tem um termo para jogadores como Belotti: fezada. É um termo que não poderia constar de uma descrição do aparente projeto desportivo do Benfica. Há um problema com estas palavras usadas abundantemente no dia a dia do Benfica: muito se fala de projetos e estruturas no clube, termos excessivamente pomposos para definir aquilo que tem acontecido. Isto não é bem um projeto ou uma estrutura. É uma coisa que vai acontecendo. O entendimento da coisa requer uma capacidade de abstração e compreensão inalcançáveis pela esmagadora maioria dos seres humanos, mas os benfiquistas não desistem de tentar. Aqui chegados, não me resta outra opção senão esperar que a fezada resulte e que tenhamos aquele Belotti avistado no Torino em meados da década passada.
Mas isso é só o fim da história. A trama adensa-se quando olhamos para a contratação de Bruma, um extremo com bons números no SC Braga, mas igualmente conhecido por um tipo de carreira ziguezagueante que define cada vez mais jogadores portugueses: de clube em clube, sem nunca confirmar verdadeiramente a sua promessa. Não tendo a certeza sobre a justiça do valor de aquisição acertado com o SC Braga, fica a esperança de que Bruma consiga prosseguir uma das melhores épocas da carreira, estatisticamente falando. Falta agora perceber o que vieram Prestianni e Rollheiser fazer ao Benfica, apresentados numa entrevista recente do presidente Rui Costa como duas apostas seguras para o futuro, que estariam a ser trabalhadas num laboratório até se aperfeiçoar o código genético para a prática da modalidade. Rollheiser teria chegado para precaver o envelhecimento do melhor jogador do plantel, Di María, mas entretanto foi substituído na rotação por Akturkoglu, isto sem ter chegado a mostrar se valia ou não os largos milhões gastos na sua contratação.
Prestianni, outra contratação que dá a entender que o Benfica tem condições e competência para gerir um plantel de futebol sénior como quem gere um portfólio de ações, passeia o seu futebol na equipa B — talvez a ideia seja também colocar Tiago Gouveia na segunda equipa quando este regressar de lesão, já que não temos mais espaço no banco de suplentes. Poderia também falar de João Rego, mas já se percebeu a ideia. Antes de todos estes, tivemos Neres, um atleta brasileiro que alguém decretou como incompatível com a ideia de jogo do Benfica, seja lá qual for. Aparentemente, a ideia de jogo e o projeto desportivo excluem talentos capazes de brilhar numa das melhores equipas da Serie A. Em boa hora nos livrámos desse problema antes que marcasse mais golos ou fizesse mais assistências, não fosse alguém sentir-se indisposto com a alegria provocada.
Pode parecer que tudo isto resulta de um tortuoso processo de tentativa e erro com custos financeiros e desportivos para o Benfica — e resulta. Seria mais fácil de aceitar se o resultado líquido fosse positivo. Enquanto se fala sobre fortunas gastas de forma pouco acertada, assegurando que a brincadeira não representa um risco e que a sustentabilidade financeira se encontra assegurada, falta o resto, que é mesmo o mais importante: a sustentabilidade desportiva, esse pormenor que consubstancia a identidade do clube. Antes que o leitor se assuste, não sou indiferente aos riscos financeiros inerentes a acumular ativos sem capacidade de os valorizar, mas devo ser sincero. Fico muito mais preocupado quando olho para a contabilidade emocional resultante do exercício financeiro. É que o passivo suplanta em muito o ativo. Por passivo, leia-se angústia, tristeza, apreensão, aquela ansiedade de quem quer que outubro chegue. Nada disto demove a fé de milhões de adeptos, que a cada novo mercado participam na romaria metafórica na esperança de ver chegar novos ídolos. Não sabemos viver isto de outra forma. A culpa não é nossa. É do Benfica. Já a expectativa, essa, tem saído quase sempre frustrada.
É um facto que nem sempre quem perde fez tudo mal, e nem sempre quem ganha fez tudo bem. Mas qualquer adepto que veja o seu clube perder mais vezes do que ganha, especialmente quando esse clube o habituou a ganhar muito, começará a desconfiar da existência de algum problema nas decisões tomadas. Enquanto não se volta a culpar Bruno Lage, vale a pena aproveitar o oxigénio para questionar quem está acima dele e há anos faz do Benfica um entreposto, no qual as transferências parecem ser os troféus mais disputados. Desengane-se quem acha que tudo isto acontece porque não há verdadeiramente um plano ou um projeto. O projeto desportivo do Benfica parece inspirar-se nas palavras imortais de Samuel Beckett, neste caso o poeta e não um lateral irlandês a caminho de ser emprestado por seis meses: «Nunca tentado. Nunca falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor. E, já agora, eleger uma nova direção em outubro. Viva o Benfica!
Vasco Mendonça, in a Bola
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