terça-feira, 21 de outubro de 2025

QUANDO MOURINHO ACHAVA QUE O BENFICA TINHA UMA TAÇA A MAIS...



Hoje, José Mourinho afirma que o Benfica tem uma Taça de Portugal a menos do que devia. Em 2004, quando o FC Porto que treinava perdeu final com as águias, considerava que os encarnados tinham um troféu no museu que não deviam ter...
José Mourinho é um grande comunicador, capaz de transformar uma flash interview ou uma conferência de imprensa num espetáculo. É carismático, inteligente, mordaz e teatral, domina o poder da palavra e isso também explica a aura que o rodeia. Mas há algo curioso na forma como se esmiúçam as declarações do atual treinador do Benfica. Basta que abra a boca para se criar um consenso quase instantâneo de que tudo o que afirma no espaço público é brilhante, mesmo que não passasse de uma banalidade se fosse dita por um colega de profissão com currículo menos luminoso.
É a vantagem de ter percebido antes de todos que, no futebol moderno, os encontros começam e terminam com um microfone à frente. E nesse jogo é imbatível. Se as equipas dele jogassem com a intencionalidade com que protege os grupos que lidera, sempre exímio a provocar, a desviar atenções, a pressionar os rivais e os árbitros... Um papel que desempenha com a mestria de um vencedor dos Óscares, aplaudido de pé, inclusive quando só o carisma evita que se questione o conteúdo do discurso.
«O Benfica tem uma história fantástica com a Taça de Portugal. Tem uma Taça a menos do que as que devia ter. Todos sabemos que a Taça do ano passado devia ter sido do Benfica e não foi por motivos estranhos à essência do jogo», disse o eterno special one, na quinta-feira, na antevisão ao duelo em Chaves da terceira eliminatória da Taça de Portugal, referindo-se ao desaire ante o Sporting, no Jamor, ainda Bruno Lage estava ao leme.
Não é preciso ser um mestre na arte da dedução a honrar o legado de Sherlock Holmes para se concluir que esta declaração pretendia condicionar a arbitragem, em Trás-os-Montes e em desafios futuros — prática comum igualmente em tons de verde e azul —, além, claro, de tentar agradar aos adeptos encarnados.
Nada de novo no modus operandi do agora técnico benfiquista. Recuemos a 16 de maio de 2004, selada a primeira de três Taças de Portugal das águias — apenas três — neste século, à data numa final diante do FC Porto, cujo treinador azul e branco — um tal de José Mário dos Santos Mourinho Félix — julgava, então, que o adversário conquistara «injustamente» uma... Taça a mais.
«Questiono-me se ele tem alguma coisa contra mim. Ou será contra a instituição FC Porto? Ou será que é, simplesmente, um péssimo árbitro? É bom que se esclareça este ponto, porque posso voltar a ter um jogo em que o senhor Lucílio Baptista seja designado árbitro e tenho de saber o que se passa», eis a crítica feroz de Mourinho, em versão de dragão, ao antigo juiz de Setúbal, culpabilizado pelo facto de o Museu do Benfica ter um troféu a mais do que devia, na opinião dele: «Este árbitro já nos tinha prejudicado em vários desafios. Aceitaria a derrota se o juiz tivesse sido mesmo um juiz. Mas não foi. Isto foi uma brincadeira!»
A verdade é que Mourinho já não precisa de vencer para ganhar. É só preciso falar. Em poucos minutos, há mind games venerados e manchetes garantidas. Talvez um dia a UEFA crie uma nova competição — a Liga das Conferências de Imprensa — com vencedor antecipado e incontestado.
Certo é que, no fim, o que conta não é o que se proclama fora das quatro linhas, mas aquilo que as equipas mostram em campo. O impacto das palavras pouco vale se não for acompanhado pelos resultados.

Paulo Cunha, in a Bola 

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