sexta-feira, 4 de setembro de 2015

PORQUE É QUE OS INGLESES GASTAM TANTO? PORQUE PODEM.


A Premier League não é rica - é riquíssima. Direitos televisivos, merchandising e sponsors fazem deste campeonato o mais rentável do planeta, a muitos anos-luz dos outros.


Wayne Rooney já foi grande, grande o suficiente para que o Manchester United lhe renovasse o contrato com uma cláusula que lhe permitia ser ouvido, tido e achado nas contratações do clube. Foram as circunstâncias que o chutaram para cima: Rooney subiu na vida com David Moyes (2013-14), o treinador que precisava dele como o Dr. Curtis Connors do Homem-Aranha precisa de um braço - exatamente por isso, para ter um braço direito. Dois anos depois, Rooney continua intocável no campo mas viu o seu poder descontinuado fora dele por Louis van Gaal, galo de um só poleiro, e isso pô-lo num lugar ingrato, o daquele que sabia tudo e deixou de saber o que anda ali a fazer. Hoje, Rooney é o capitão da equipa de um clube que comprou um miúdo de 19 anos ao Mónaco por muitos milhões ... e não faz a mínima ideia quem ele seja. "Quem é o Martial?", perguntou Rooney a um jornalista.
É uma boa pergunta.
Anthony Martial é 'a' contratação do verão. O negócio foi feito numa base de €50 milhões, sobre a qual se põem variáveis para chegar a um bolo total de €80 milhões. Mais pozinho, menos pozinho, Martial é o futebolista mais caro da época. O problema são os números, que são pobres para aquilo que custou: 35 jogos na Ligue 1, 19 deles a titular (substituído em 16), 9 golos e 4 assistências.
Quem paga faz um investimento no futuro e o ManU terá olhado para Martial e visto aquilo que dele se diz: que pode ser ainda mais rápido e potente, que tem golo, que é bom nas diagonais, e que é o novo Thierry Henry. Um pormenor: em 1999, o Arsenal contratou Henry por €16 milhões; e Henry jogava na Juventus. Obviamente, o Manchester United está a dar mais do que devia.
O valor de Martial é excêntrico, e ele não tem culpa disso; excêntrico é o feitio de van Gaal, e ele não arranja desculpas para isso. E as excentricidades têm um preço que só a Inglaterra pode pagar, e os culpados disso são todos aqueles que gostam de futebol.

DE ONDE VEM O DINHEIRO?


CÁ VAI DISTO. O valor de De Bruyne (de verde) disparou o mercado de transferências para outra esfera: €74 milhões, do Wolfsburgo para o City

CÁ VAI DISTO. O valor de De Bruyne (de verde) disparou o mercado de transferências para outra esfera: €74 milhões, do Wolfsburgo para o City

São estes os números:
Esta é a lista das ligas de futebol mais gastadoras: Premier League, 1,47 mil milhões de euros; Serie A (Itália), €576 milhões; La Liga (Espanha), €573 milhões; Bundesliga (Alemanha), €411 milhões; Ligue 1 (França), €309 milhões. E no top-10 das transferências mais caras deste mercado, seis são de clubes ingleses: Kevin de Bruyne, €74 milhões (Wolfsburgo para o Manchester City); Sterling, €62 milhões (do Liverpool para o City); Martial, €50 milhões (Mónaco para o Manchester United); Benteke, €46 milhões (Aston Villa para o Liverpool); Otamendi, €44,6 milhões (Valencia para o City); e Firmino, €41,6 milhões (Hoffenheim para o Liverpool). O Manchester City despejou €203 milhões no mercado, o Manchester United, €140 milhões, o Liverpool, €111 milhões, e o Chelsea, €82 milhões. Houve 7 guarda-redes, 37 defesas, 38 médios e 31 avançados em trânsito para e por Inglaterra.


Porque é que a Premier League gasta tanto dinheiro? Porque pode. E porque é que pode? Porque toda a gente a vê. E para vê-la, claro, é preciso pagar por ela.

Os direitos de transmissão televisivos são negociados a preços incríveis, dentro e fora de Inglaterra. Comecemos pelos últimos: o resto do mundo pagou €3 mil milhões (em Portugal, na BTV) para ver o campeonato inglês entre 2013 e 2016 e esse dinheiro é distribuído em fatias iguais por todos (sim, todos) os clubes da Premier League. Isto quer dizer que cada um, do primeiro ao último classificado, recebe €37 milhões/época. Simpático, no mínimo.
Vamos às contas que saem à casa. Em 2014-15, a Premier League repartiu os quase mil milhões de euros dos direitos televisivos domésticos pelos clubes desta forma: 50% do total por todos, 25% pelo mérito (classificação) e os restantes 25% pelo número de jogos televisionados.
Tudo somado, com os dinheiros britânicos e do estrangeiro, o Chelsea, que foi campeão, arrebatou €134 milhões e o Queens Park Rangers desceu de divisão... com €80 milhões no bolso. É a democracia a funcionar num capitalismo desenfreado.
Agora, a melhor parte: em 2016 (e até 2019), entra em vigor o novo acordo, que representa uma subida de 71% face ao anterior. São quase €7 mil milhões para serem partidos no mesmo modelo (50, 25, 25). Por outro lado, os especialistas ouvidos pela BBC defendem que, nas próximas negociações, em 2016, a Premier League conseguirá abichar mais 30% do que agora recebe das operadoras estrangeiras. Ora, quanto é que isto dá? Simplifiquemos: o campeão de 2016-17 poderá receber €200 milhões só dos direitos televisivos; e o último classificado, €132 milhões.
A partir daí, deixa de haver limites para o futebol inglês, sobretudo para os grandes que se tornarão gigantes e por isso imparáveis. Porque a TV não é tudo.
Em 2014-15, o Manchester United não participou em qualquer prova europeia (obrigadinho, David Moyes) e, ainda assim, acabou a temporada como o segundo clube no mundo que mais receitas gerou: €518 milhões, atrás do Real Madrid, com €549 milhões. Como foi isto possível? Com isto: €129 milhões de match day (bilhética e comes e bebes no dia de jogo). E mais isto: €226 milhões em merchandising e sponsors. Digamos que a Chevrolet, por exemplo, paga €71 milhões/época para ter o seu logo na camisola dos reds, e que a Adidas dá €100 milhões por cada ano durante os próximos dez para equipá-los.
Já ninguém se lembra de Anthony Martial.

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