"Rui Vitória continua a combater descomunal vaga de infortúnios. Fez o tinha de ser feito. Sem expor carências nem vender bazófias.
A primeira conclusão a extrair do derby de anteontem, o quinto desde que Jesus se mudou para Alvalade, é simples: o aprendiz, ou «espécie de treinador», que o substituiu no Benfica está a aprender depressa e bem, como a sequência de resultados entre ambos inequivocamente demonstra. No conjunto, o mestre ganhou os primeiros três e perdeu os dois seguintes, confirmação de que o efeito surpresa, que abriu a porta a tudo e mais alguma coisa no sentido de desprimor uma das partes e elevar a outra a estatuto apenas ao alcance dos deuses, esgotou o prazo de validade.
A minha opinião é conhecida e nada tem a ver com questões pessoais mal resolvidas ou perseguições assanhadas, como o meu vizinho do lado alvitrou (a propósito, Espírito Santo está a mostrar ser capaz de levar o barco a porto seguro). Tão-somente entendo que se pretendeu fazer de um bom treinador para consumo interno uma estrela de treino à escala planetária... que em Badajoz já ninguém conhece. Pior foi ele ter-se convencido disso. Neste ponto, porém, presto-lhe homenagem, por saber valer-se de uma realidade virtual e através dela conseguir vender o seu trabalho a preços que no Benfica foram escandalosos e no Sporting são ofensivos, dada a enormidade dos números em mercado que não os suporta e em país que devia repudiá-los. No entanto, o futebol caracteriza-se por invulgaridades que lhe concedem permissão para extravagâncias que noutras actividades mereciam o repúdio geral.
Na época transacta, igualmente com treze jornadas disputadas, o Sporting liderava, com 35 pontos, e o Benfica era terceiro, com 28. Esta época, é a águia quem está na frente, isolada, e o terceiro passou a ser o leão, com cinco pontos menos. A cambalhota que isto deu, ou não deu... Depende da perspectiva com que se encarou a revolução técnica operada há pouco mais de um ano: houve que tivesse acreditado que a saída de Jesus significava o prenúncio do colapso no Benfica e, em contraposição, representava a emersão de um período de conquistas no Sporting; houve também quem acreditou que o desfecho seria o inverso do que se previa. Ou seja, uma águia com condições para voar mais alto e um leão sem espaço para se desenvolver. Falo de Luís Filipe Vieira, o qual atempadamente explicou, com a necessária clareza, que a política definida para o crescimento do futebol do clube a que preside não se compatibilizava com a continuidade de Jesus. Não percebeu quem não quis perceber...
Em seis anos de consulado jorgiano só em uma ocasião o Benfica se fixou na Liga dos Campeões, claramente por défice de conhecimento de quem orientava a equipa. Rui Vitória, de outra geração e com uma visão mais ampla, profunda e lúcida do futebol moderno e das exigências que se colocam aos grandes emblemas, vê na Champions uma prioridades, pela riqueza e prestígio que gera. Esteve lá no ano passado, até aos quartos de final, tendo sido afastado pelo Bayern, em eliminatória de relevante nível competitivo e está lá outra vez, cabendo-lhe defrontar o Borussia Dortmund, nos oitavos. Vamos esperar...
Quando os enviados do demónio de preparavam para entrar em cena, esperando pela prometida alteração na liderança do campeonato, registou-se precisamente o contrário. Se existe crise não é na Luz, de certeza. Devido ao resultado do derby, que lhe foi favorável, o Benfica voltou a distanciar-se de quem o persegue, num quadro de extrema adversidade que o tem fragilizado desde o começo da época, dada a sucessão de lesões em jogadores importantes e de prolongada recuperação. De fora mantêm-se ainda Jonas, que valeu 32 golos na última temporada, mais Jardel, à procura de ritmo, André horta, Grimaldo e Eliseu. Vitória, sem se lamentar, e às vezes até devia, viu-se privado ao mesmo tempo dos três avançados (Jonas-Mitrolgou-Jiménez). Apostou em Guedes, experimentou Pizzi, adaptou Cervi e Rafa. Enfim, fez o que tinha de ser feito. Sem expor carências nem vender bazófias.
O Benfica bateu no fundo e ninguém o vergou. Ter resistido a descomunal vaga de infortúnios é sinal de extraordinária manifestação de força e expressão de grande carácter."
Fernando Guerra, in A Bola
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