quarta-feira, 2 de agosto de 2017

NOVA VIDA, SEGUNDO VITÓRIA


"Há estratégia que Vieira não abdica: um Benfica financeiramente autossustentável e desportivamente forte. Não dependente de um resultado, de um jogo, de um campeonato.

Os treinadores não se cansam de dizer que interessa mais como acaba do que como começa, tentando, com esta argumentação, adiar até onde as circunstâncias permitem a assunção de fracassos anunciados.
É claro que em cada época, longa, difícil e sujeita a factores vários que se podem prever mas não se conseguem eliminar por antecipação, o sucesso costuma colar-se à regularidade dos que não se gabam nos momentos bons nem dramatizam nos maus. Dá preferência a quem, estando acima ou abaixo, mantém inabalável a força de acreditar sem jamais pôr em causa o valor dos adversários, o que nada tem a ver com a pretensão de ser melhor do que eles.
São situações absolutamente distintas, embora à mercê de interpretações dúbias, sobretudo no nosso país futebolístico, em que modernas técnicas comunicacionais que o bom senso não recomenda teimam em difundir: tudo vale para se alcançar um fim. Não é verdade, mas é assim, sendo desejo de quem gosta do futebol a sério que, de uma vez por todas, só haja espaço no palco para os artistas: primeiro os praticantes, porque sem eles não há espectáculo, depois os treinadores, que os orientam e valorizam, e os árbitros, a quem cabe zelar pelo cumprimento das dezassete leis de jogo.
Dizem ainda os treinadores que não há campeões de pré-época, porque se houvesse o FC Porto teria sido vencedor, o Sporting segundo e o Benfica terceiro. Olhando somente para o deve e haver dos resultados obtidos pelos três é esta a conclusão que se retira. Que reflexos no futuro próximo? Boa pergunta. Todos os anos se coloca e todos fica sem resposta. Nesta altura, apenas se dão palpites, uma imensidão deles. É o período se de exercitar a imaginação e de se arquitectarem soluções que correspondam aos anseios de quem se predispõe a óbvia perda de tempo.

O povo benfiquista confia em Rui Vitória e sente-se confortado pelo apelo à tranquilidade que o treinador tem feito: a seguir ao encontro com Hull City e em Londres, após duas derrotas que, independentemente da expressão e do significado, pensaram e provocaram dor no estado de espírito dos adeptos.
Cinco golos sofridos diante do Young Boys seriam inadmissíveis mesmo que fosse utilizada a equipa B, quando mais frente ao que se classifica de segundas linhas do plante principal, e este fim de semana mais cinco do Arsenal e mais dois com o Leipzig, embora aqui o foco problemático se tivesse localizado em notória incapacidade atacante.
Convém referir que será imprudente, e até injusto, apontar o dedo aos mais novos.
O que se viu na capital londrina foi gente aburguesada a esconder-se. Sabe-se que com Jonas e Fejsa se ergue um cenário, sem eles outro muito diferente, para pior. Também não tem relação com o tamanho dos artistas, porque Cervi foi enorme em disponibilidade e valentia. Dos restantes, há lugares no plantel que me parecem mal preenchidos: por falta de classe e/ou falta de vontade de quem os ocupa.
«Sabemos o que estamos a fazer», afirmou Rui Vitória.
Os adeptos do emblema da águia gostam do que ouvem, mas será aconselhável que tenham a noção de que este Benfica apresenta condições para se bater pela conquista do penta, não muito mais..
«A partir de agora segue-se nova vida, a vida do nosso clube, do nosso campeonato», sublinhou o treinador, respaldado na segurança de manter no plantel maioria dos artífices do seu primeiro título de campeão no Benfica, casos de Júlio César, Jardel, Luisão, Lisandro, Fejsa, Samaris, Salvio, André Almeida, Jonas ou Pizzi. Quase uma equipa completa, que tranquiliza, mas com mais dois/três anos,que inquieta.
Dos formados no Seixal saíram Ederson, Gonçalo Guedes, Lindelof, Nélson Semedo, Renato Sanches, além de mais uns tantos que sem oportunidade para reclamarem lugar no plantel principal foram colocados nos mercados europeus e trouxeram riqueza para o clube, exemplos de Cancelo, Bernardo Silva ou André Gomes.

Há uma estratégia em execução de que Luís Filipe Vieira não abdica: fazer do Benfica instituição financeiramente autossustentável e desportivamente muito forte. Não dependente de um resultado, de um jogo, de um campeonato.
As estruturas vão ser ampliadas e melhoradas, com a construção de mais instalações desde espaços desportivos e de acolhimento a um colégio para receber 800 alunos, como ontem foi revelado. Sem deixar cair no esquecimento, acrescento eu, a sublime ideia da casa do jogador, ou o que se lhe queira chamar: uma forma muito nobre de expressar gratidão pelos que representaram o emblema com dedicação e a vida não lhes correu de feição.
Vitória sabe que merece a confiança da administração. Não se sente prisioneiro dos resultados, tão pouco se admite a sua condenação por causa deles. Prometer o que não há para dar, navegar à vista da costa, construir e destruir ou recomeçar todos os anos, cada um dos rivais escolha o caminho que entender porque a tudo isso o presidente do Benfica atribui pouca/nenhuma relevância. O que verdadeiramente lhe importa é a solidez do seu projecto. O presente e a ponte que o vai ligar ao futuro: grandiosa empreitada em curso com a assinatura de Luís Filipe Vieira."

Fernando Guerra, in A Bola

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