"Desde há mais de uma década que acompanho academicamente as questões relativas ao desenvolvimento do desporto em Portugal. Ao mesmo tempo fui sempre tendo acesso ao que sobre a mesma temática se ia passando no Reino Unido, por facilidade de acesso e porque havia inúmera documentação sistematicamente publicada por diversas fontes governamentais e fontes administrativas.
Durante todo este tempo nunca em Portugal foi produzido e publicitado nenhum documento de origem governamental que reflectisse sobre o estado de desenvolvimento do desporto e que sobre esse diagnóstico de situação definisse linhas gerais e específicas de orientação para uma melhoria organizacional, sistémica e estratégica. Nunca existiram objectivos definidos para alcançar, quadros de financiamento associados, atribuição de responsabilidades pelas suas concretizações. Em bom rigor o desporto nacional tem vogado ao sabor da indefinição, da incoerência, da demissão do estado pela sua indispensável governação.
Enquanto isso sucedia por cá, no Reino Unido desde 2003 que os sucessivos governos definiram adequadamente o que queriam do desporto, até que níveis de realização queriam chegar, através de documentação especialmente concebida com quadros orientadores e estratégias consequentes. O sucesso do desporto no Reino Unido pode hoje ver-se em inúmeras situações, sendo uma das mais expressivas e também sempre assumida a dos resultados nas grandes competições internacionais e, especialmente, nos Jogos Olímpicos. Nestes, o Reino Unido acabou de se tornar em 2016, no Rio de Janeiro, na terceira potência mundial em termos de pontuação das medalhas conquistadas. O actual governo português estabeleceu no seu programa de governo o compromisso de definir “uma nova agenda para o desporto”. Passado mais de ano e meio da sua posse e início de funções nada se conhece desse propósito, não há uma linha de um único documento a esse respeito, nem uma qualquer referência de um dos membros do governo com responsabilidades na área do desporto sobre o que entendem vir a fazer sobre aquela promessa executiva. Não tenho, aliás, ideia de que o próprio primeiro-ministro, como principal responsável do governo, se tenha pronunciado sequer sobre quais são os principais objectivos do governo para o desporto durante todo o mandato em curso.
Enquanto assim vive o desporto por cá, no Reino Unido, em Dezembro de 2015, o governo publicou um novo documento com a sua estratégia de desenvolvimento do desporto e que apropriadamente intitulou de “Sporting Future: A New Strategy for an Active Nation”. Só o título já diz praticamente tudo sobre a forma de o governo de Sua Majestade entender o seu papel de orientador do desporto nacional. Trata do futuro do desporto, através da definição de uma nova estratégia que concretize uma nação activa fisicamente.
Mas todo o documento em referência é um manancial de exemplaridade. Desde logo, porque na sua introdução há dois prefácios, o primeiro subscrito pelo próprio primeiro-ministro, então David Cameron, e o segundo pelo ministro do desporto (como tutela directa do sector). E a abertura substantiva do documento abre com um capítulo que discorre sobre o próprio papel do governo no sector do desporto, continuando com a ambição do aumento da participação populacional no desporto, a referência devida e enquadrada da actividade física, a selecção das crianças e jovens como alvos preferenciais da política pública desportiva, e ainda a expansão e valia do voluntariado para o fomento da prática desportiva.
Um outro capítulo do documento reporta ao sucesso desportivo nacional e internacional e ao impacto dos grandes eventos desportivos, porque esses têm sido desde 2003 dois dos principais vectores da estratégia de desenvolvimento desportivo do Reino Unido. E tem sido por isso que têm sido alcançados duradouramente níveis de resultados internacionais cada vez melhores, por um lado, e a conquista da organização de inúmeros eventos desportivos internacionais, que tiveram a máxima expressão na edição de 2012 dos Jogos Olímpicos em Londres.
Já o capítulo seguinte do documento detalha o modo como o sector do desporto se pode tornar mais produtivo, sustentável e responsável. E aqui são tratados os temas da sustentabilidade financeira, das infra-estruturas, da integridade no desporto, da governação, da liderança e administração e da segurança e bem-estar. Esta sequência ilustra as preocupações com o modo como as organizações e o sistema desportivo podem vir a assegurar com eficiência e eficácia os objectivos estratégicos projectados, intervindo e interferindo cada um nos demais, começando na sustentabilidade financeira, passando pela governação e acabando na própria segurança e bem-estar das práticas desportivas.
Claro que no Reino Unido também existem agências governamentais e para-governamentais com grandes capacidades de intervenção nos diferentes níveis do desporto. Destaco aqui duas delas: o “Sport England”, dedicado ao desporto em geral e escolar em particular, e o “UK Sport” dedicado ao desporto de alta competição, entre o qual está todo aquele que se inclui nas competições dos Jogos Olímpicos. E é possível ver em qualquer destas agências inúmera documentação com definição de estratégias, quadros de financiamento, elementos de prospectiva, ou programas especiais de melhoria e fomento.
Por cá, se abrirmos a página da secretaria de estado do desporto, nada de relevante se encontra, nem um simples discurso do membro responsável pela tutela indicando o que pensa vir a fazer no decurso do tempo de mandato que ainda resta. Mas mais, se abrirmos o sítio do Instituto do Desporto também não existe uma única referência documental à estratégia de desenvolvimento do desporto, apenas notícias que mal se conseguem ler porque o tamanho da letra em que estão editadas é minúsculo, apenas existem estatísticas do desporto para o período de 1996 a 2009, e se abrirmos a ligação para o Programa Nacional de Marcha e Corrida recebemos a indicação de que a página já não existe no sítio. Há anos que venho defendendo e escrevendo que o Reino Unido podia constituir para Portugal um modelo de estudo comparado sobre as políticas públicas desportivas, ressalvando necessariamente as devidas proporções e condicionamentos respeitáveis. Nem sequer seria preciso fazer um investimento vultuoso para tal empreendimento, bastando usar capacidades científicas existentes na universidade, nomeadamente no domínio da gestão do desporto, e associar a tal pessoas do sistema desportivo com mérito intelectual e experiência, combinando-os num ente organizacional adequado e possivelmente radicado no contexto da universidade. Será isso algum dia possível em Portugal? O panorama do nosso desporto, quando se compara internacionalmente em alguns dos grandes eventos internacionais, bem como o nível muito baixo da prática desportiva regular, a tal exigiriam. Vamos ver se algum dia existe vontade política para dar esse novo impulso organizacional e estratégico ao desporto nacional."
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