segunda-feira, 2 de outubro de 2017

COMO INTERPRETAR O DISCURSO DE RUI VITÓRIA?


"“É uma fase”, “vamos trabalhar”, “não vamos enterrar a cabeça na areia”, “desistir não entra no nosso dicionário” - estas são algumas das expressões que Rui Vitória tem repetido nos últimos tempos, justificando os maus resultados da equipa (...)

 quem considere que mesmo face a estatísticas objectivas, há sempre duas formas – pelo menos – de analisar o que os números nos oferecem. Mas no caso do momento actual do Benfica já é difícil não afirmar que a equipa está com um rendimento baixo e inferior ao esperado.
Perante isto, os adeptos e os interessados pelo fenómeno começaram também a analisar o discurso e as intervenções do treinador do Benfica face à incapacidade que a equipa vai demonstrando para superar os adversários e manter as muitas vantagens que foi conseguindo em vários jogos, mas que acabam por ser desfeitas.
E o que nos oferece a análise à comunicação interpessoal do Rui Vitória e da que nos é possível analisar?
Em primeiro lugar, há que fazer um ponto prévio e muito importante: Rui Vitória tem sido muito coerente relativamente aos seus discursos no Benfica. Desde da sua primeira semana de trabalho no clube que Vitória apresenta um discurso muito optimista, apaziguador face a situações complexas e às lesões, e com um enfoque quase que exclusivo na atitude dos atletas e raramente em questões naquilo a que os experts denominam do jogo em si.
Se analisarem a comunicação do treinador nos jogos, há também uma enorme coerência, dado que os gestos, e do que é possível analisar nas palavras de Rui Vitória, a sua intervenção é o que se costuma denominar: feedback na atitude e compromisso e muito raramente feedback na tarefa.
E o que é isso? Quando intervimos com o atleta, podemos fazê-lo acima de tudo de duas formas: “Passa para a esquerda, tens de defender naquela linha, fecha o espaço por fora, tens de aparecer naquela zona ali, são dois toques e não três, temos de defender naquele espaço, naquela linha, etc.” (isto é feedback direccionado para a tarefa); ou, “mantém o foco, muito bem, não perde a concentração, para a próxima sai melhor, é manter essa atitude, etc.” (feedback na atitude e compromisso). Enquanto atleta, está comprovado que existem uns que gostam de intervenções mais de uma forma e outros atletas de outra forma. Consoante a idade e o contexto competitivo. Enquanto treinador, todos temos um perfil. A ideia é equilibrar, mas percebe-se bem qual o de Vitória.
Reforço que a grande diferença do discurso de Rui entre as épocas anteriores para esta é a ansiedade ser mais notória, o que é normal, pois são os piores números apresentados desde a sua chegada. Sem nunca ser agressivo, o treinador português tem acusado a ansiedade e a incapacidade de lutar contra uma angústia que antecede momentos-chave como o jogo na Madeira.
E agora?
Considero – baseado nas teorias e trabalhos sobre a liderança de um treinador e em que não há perfis de liderança melhores que outros, mas sim perfis que casam melhor com determinados contextos - que Rui Vitória é um treinador com uma liderança mais situacional e flexível do que autêntica, ou seja, mais em prol do contexto que tem do que manter sempre o mesmo comportamento. Mais visionário e de inspiração do que intervenção na instrução na tarefa ou impor uma autoridade.
E que tem resultado – porque na verdade, goste-se ou não, no final lembramo-nos dos treinadores que vencem.
E agora?
Podemos especular por que resultou e agora parece não estar a resultar. A repetição regular de determinadas expressões que apelam à atitude e ao compromisso dos jogadores e da equipa não resulta quando as mesmas se tornam rotineiras e vazias de resultados. Perdem o cariz pontual e de alertar as tropas. E se nem tudo estava bem quando ganhava nem tudo estará mal quando não se ganha.
O próprio termo de ‘revolta’ usado três ou mais vezes na conferência de imprensa apela à reacção, mas à perda de direcção entre aquilo que é prioritário para nós e não responder aos outros face ao que dizem ou fazem. E o que se notou domingo à noite foi uma entrada com muita vontade, mas que se foi reduzindo à incapacidade de contrapor a direcção e foco do Marítimo.
Ninguém duvida que todos os atletas que entram em campo querem vencer. Que sabem que têm de trabalhar. Dizer que vamos jogar para vencer é um pressuposto. É um cliché que em determinadas alturas surte efeito. Mas que tem de ser contrabalançado outras quantas vezes com a instrução do ‘como’.
Alguns leitores podem questionar que Rui Vitória não tem de publicamente afirmar como se vai vencer ou o que vai dizer aos atletas. É certo, toda a razão. Mas já todos nós compreendemos que as conferências de imprensa, os momentos antes e pós-jogo fazem parte do jogo, da preparação mental, da ajuda que o treinador pode também dar ao atleta para orientá-lo. E Rui Vitória iria alterar o discurso só porque os resultados não têm aparecido? Mas antigamente surgiram, por isso, este ano também vão aparecer, não é?
Não, não é. Contextos distintos, intervenções distintas. Há uma parte que tem a ver com a identidade do treinador, outra parte tem a ver com o contexto. E ninguém duvida que o contexto este ano é diferente, nem que seja pela saída de quatro titulares do ano passado, que foram substituídos por jogadores que já lá estavam.
E assumo que estou surpreendido. Face ao perfil de liderança diagnosticado, esperava que Rui Vitória percebesse mais cedo que teria de alterar o discurso para algo de diferente. Mais incisivo e directivo. Mais instrutivo e menos relacional. Porque seria essa diferença a poder trazer alguma novidade e pelo menos, chamar à atenção do atleta para algo novo. O próximo passo é perceber como dizer de modo diferente o que pretendo passar na mensagem, mesmo que o conteúdo da mensagem seja similar."

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