"O jogo de Guimarães pode representar um marco para o Benfica, na medida em que o motivou a dar o passo que tardava - e tanto tardou que se calhar já comprometeu a época.
Estava a transformar-se em teimosia obstinada a recusa de Rui Vitória em aceitar que a ideia de jogo herdada do antecessor e que o ajudou a ganhar dois Campeonatos há muito dava evidentes sinais de saturação.
Quando foi contratado pelo Benfica, agiu com prudência e argúcia ao evitar rupturas bruscas e desnecessárias. Fez uma auscultação cuidada, verificou o que lhe agradava e seguiu em frente, sem sobressaltos. Além disto, os deuses acompanharam-no no período mais complicado da transição de Guimarães para a Luz, em que valeu quase tudo para o prejudicar e dar dele uma imagem de incapacidade face às exigências de um emblema de grande dimensão.
Venceu essa dura batalha e conseguiu silenciar a turba detractora pela seriedade e competência. Acomodou-se, porém. Não? Então facilitou, não tomando atenção que ao menor indicio de crise de exibições e resultados iria ser questionado precisamente por essa imprevidência de ao terceiro ano continuar a trabalhar sobre os alicerces de um edifício que não fora por si projectado. Não percebeu, ou não quis perceber, que falências estruturais visíveis a olho nu na sua área de intervenção reclamavam inadiáveis alterações no sentido de apresentar à nação benfiquista um projecto com a sua assinatura, e tradutor de mais ambicioso ciclo de conquistas desportivas.
Desconheço por que razão não o fez e intriga-me mais a sua aparente indiferença em esbanjar créditos que tanto lhe custaram amealhar com inatacável merecimento.
Admito que esteja a ser excessivo, mas, sinceramente, interrogo-me se a mudança há tanto reclamada e agora executada terá sido elevada à prática de Filipe Augusto não estivesse lesionado? Nada me move contra o jogador, mas, confesso, ainda não fui capaz de lhe descortinar nem metade dos atributos que Vitória lhe reconhece, nem eu, nem a maioria dos adeptos. E a falha nem será do treinador, talvez seja mais do jogador, o qual, se é assim tão prendado, pouco se tem esforçado para mostrar as suas amplas qualidades futebolísticas.
A questão central não tem a ver, obviamente, com Filipe Augusto, mas sim com o peso que é obrigado a carregar a partir do momento em que a sua utilização, e o que ela representa em termos de condicionalismos vários, passa a ser prejudicial à saúde anímica do próprio grupo. Porquê? Por gerar desigualdades de tratamento e de oportunidades de tratamento e de oportunidades, além de suscitar a discussão sobre as escolhas e, principalmente, sobre a estranha insistência de repetir equipa que fraqueja no jogo seguinte.
Trata-se de uma decisão bizarra que sólida argumentação técnica certamente suporta, embora castradora do entusiasmo dos que ficam de fora e querem entrar. Constitui também um convite à deterioração do espírito de convivência que se pretende salutar e forte num plantel de modo a manter no limite máximo os níveis competitivos de todos os atletas.
No entanto, depois de algumas tentativas recentes, parece ter sido dado ao voo da águia liberdade para mudar de rumo, não significando isso que Rui Vitória de repente abdica do modelo x para usar o modelo y. Aliás, não aplaudo tais rigores, nascidos e criados em velha escola lusa ainda com considerável falange de seguidores. Fico desconfiado quando um treinador se gaba de impor a sua táctica aos seus praticantes e oiço gente sábia recomendar o inverso.
O jogo de Guimarães pode representar um marco para o Benfica, na medida em que o motivou a dar o passo que tardava - e tanto tardou que se calhar já comprometeu a época. Veremos o que nos vai dizer o próximo FC Porto-Benfica, no primeiro dia de Dezembro.
Finalmente, julgo ter-se feito o funeral dessa falsidade que, mesmo sem meio de prova, se habituou a condenar Jonas ao desterro de cada vez que se sugeriam as correcções tácticas que qualquer treinador com curso de fim de semana seria capaz de pôr em marcha.
Transformar o melhor jogador em problema irresolúvel a ver nele o grilhão que prende a equipa a equívocos e a conceitos desajustados não tem nem nunca teve o menor cabimento. É um erro. Melhor, era um erro! E é isso que incomoda: o tempo que se demorou a reflectir e a concluir que o caminho não era por ali... Se é que a situação ficou devidamente esclarecida. Se não, faça-se outro retiro...
Nenhuma estratégia justifica a exclusão de Jonas das equipas titulares nos jogos com o Manchester United. Os grandes jogadores fazem falta nos grandes palcos, mas Rui Vitória não teve isso em conta. Foi pena, não pensou como grande treinador. Como não tem pensado, aliás, nesta cruel participação na Liga dos Campeões: quatro jogos, quatro derrotas, zero pontos e a iminência de nem sequer fica na Liga Europa. Para um clube cabeça de série é frustrante; e a culpa tem nome, é claro."
Fernando Guerra, in A Bola
Sem comentários:
Enviar um comentário