"Na Amoreira, o Benfica venceu o Estoril por 7-0. Arsénio marcou seis golos! Um dos mais fantásticos avançados que envergaram a camisola com a águia sobre o coração. Natural do Barreiro. Tinha um fascínio infantil pelo madeirense Pinga.
Arsénio: devíamos falar mais vezes de Arsénio. Arsénio Trindade Duarte, natural da outra banda, do Barreiro, nascido em Outubro de 1925.
Em miúdo chamavam-lhe o Pinga. Ele tinha um fascínio pelo Pinga, o outro Pinga, rapaz do Funchal, que depois de brilhar no Marítimo explodiu no Porto por entre estrelas.
Estreou-se no Barreirense, num jogo amigável, contra o Sporting.
Quem o viu nesse dia percebeu logo. Topou-lhe a pinta.
Não era difícil. Pelo contrário: era facílimo. Arsénio não enganava um olho experimentado. Aliás, Arsénio não enganava ninguém. Era craque.
Aprendiz de serralheiro, chegou a estar a caminho do Vitória de Setúbal, mas o Benfica apanhou-o a tempo.
Era um rapaz entroncado, de um poder físico impressionante. Não gosto de estatística. É a ciência que diz que, se eu comer um frango inteiro e o meu vizinho do lado não comer nenhum, comemos ambos meio frango.
Mas há uma estatística de Arsénio que não é possível ignorar: marcou 350 golos em 446 jogos com a camisola da águia sobre o coração.
Furacão Arsénio!
No dia 18 de Fevereiro de 1951, Arsénio teve um dia especial. E, por ter sido especial, vamos trazê-lo aqui à memória de todos.
O Benfica foi ao Estoril à Amoreira.
Belíssima a linha avançada do Benfica!
Ora vejam: Corona, Arsénio, Águas, Rogério e Rosário.
Todos com ponto de exclamação.
Sebastião era o guarda-redes do Estoril. Pobre Sebastião!
O jogo foi disputado a uma velocidade incrível. Sobretudo por parte dos encarnados.
O vento soprava forte. Sopra sempre forte no alto da Amoreira.
Logo no primeiro minuto, Rogério foi para ali fora a fintar adversários e ia fazendo um golo do quilé!
Águas, de cabeça, a sua especialidade, autor do 1-0.4 minutos somente!
Ninguém podia adivinhar o que estava para acontecer. Nem o próprio Arsénio, convenhamos.
Estamos no passar da meia hora: Rosário tem um centro primoroso; Sebastião estica-se e desvia a bola, mas Arsénio está à coca - empurra-a para a baliza.
Seria uma tarde inesquecível para ele.
Dez minutos mais tarde, um canto apontado por Corona faz a bola cair numa molhada de jogadores. Entre eles estava Arsénio. Saltou com um vigor muito dele e cabeceou para o golo. Antes do intervalo, dois golos do homem do Barreiro.
O público encarnado rejubilava.
Recomeça a partida.
Sebastião vê-se grego. O ataque do Benfica cria problemas atrás de problemas aos seus defesas, Gato, Graciano, Elói e Fragateiro.
É um vê se te avias!
Arsénio parecia abençoado.
Corona outra vez; Arsénio outra vez. O primeiro centra, o segundo conclui.
A goleada é uma realidade. Mas Arsénio está esfomeado. A sua dinâmica é imparável. Massacra os adversários com o seu poder físico. Remata e remata e remata.
É fascinante a sua vontade, a sua gana.
O público benfiquista empurra a equipa para mais golos.
Arsénio sente esse chamado arder-lhe no peito.
Estamos com oito minutos do segundo tempo. Aparece o 0-5. Águas ganha uma bola e toca para o seu companheiro: Arsénio está à entrada da área, dispara forte e colocado. Lindo!
Ninguém tem dúvidas de que o resultado será ainda mais gordo.
Águas e Rosário combinam bem numa tabelinha perfeita. No meio deles, Arsénio aproveita o espaço e chuta com violência. É o seu quinto golo. Impressionante!
Mas mais impressionante ainda é a forma como não descansa enquanto não faz o sexto. E Águas que lho oferece num passe perfeito.
Sebastião leva as mãos à cabeça. Não está desesperado. Está desolado.
Arsénio estica os braços ao céu. Agradece à divindade em que acredita. A tarde da Amoreira foi sua por inteiro.
Arsénio.Golos e golos e golos. Arsénio era mesmo assim! Devíamos falar mais dele.
Falaremos. Está prometido desde já."
Afonso de Melo, in O Benfica
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