sexta-feira, 3 de julho de 2020

A JANELA


"Hoje é um dia diferente. A noite, passou-a mal dormida, e os ponteiros do relógio pareciam movidos a vapor. Não tinha como esperar pelo toque irritante do despertador, que tardava em chegar apesar do volteio nos lençóis. Margarida, chamemos este pseudónimo a esta jovem real do projecto 'Para ti Se Não faltares!', levantou-se num salto quando, finalmente, o sol raiou pela janela iluminando o quarto que divide com duas irmãs. A mais velha, que passou há anos pelo projecto, candidata-se neste ano à universidade e acredita que vai entrar. A mais nova sonha-se maior e quer entrar no projecto quando passar para o 5.º ano, habituada a invejar as irmãs por tudo o que o projecto lhe dá e a celebrar as suas conquistas pessoais e o prestígio no bairro. Margarida é, no entanto, a estrela que mais brilha hoje ali no quarto e antecipa o momento da recolha do seu merecido prémio. Média de 4, a caminho de 5, quando há apenas dois anos acumulava negativas e acenava que não à matemática convencendo-se de que não nascera para estudar, ou, pior, ainda, de que não era lá muito inteligente. Hoje, Margarida fez um caminho, que segue por diante, acredita em si mesma e sonha como nunca antes. Como nunca antes, também, corre atrás do sonho com a voracidade dos campeões, paga o sucesso em esforço e colhe-o saborosamente a cada momento de celebração. Irmãs, família, colegas e professores orgulham-se da pessoa que ela mostra ser à medida que cresce e celebram com ela os sucessos alcançados, da mesma forma que lhe deitam palavras de incentivo quando, como todos nós, tropeça ou fraqueja na dureza do caminho. Longe vão os tempos de má memória em que pouco parecia valer para os outros e, portanto, de forma magoada e triste, também, cada vez mais, para si mesma. Hoje, todos acreditam na Margarida, pedem-lhe ajuda e conselho, os mais novos perguntam-lhe como fez e procuram seguir o seu exemplo. Margarida também acredita em si verdadeiramente nunca tinha deixado de o fazer, mas ia-se deixando ir numa dormência que lhe tirava a reacção e lhe tolhia a atitude. Que, pouco a pouco, lhe diminuía o sonho. Esse sobrevinha-lhe à noite, assomada à janela, de olhar posto da imensidão das estrelas, numa nostálgica própria de quem se sente perdido, que ia tomando conta de si sem que entendesse porquê. Hoje aquela janela abre-se de igual forma, mas as estrelas brilham mais, e Margarida vibra como nunca antes; aprendeu a abrir tantas e tantas janelas, a sonhar tantos e tantos sonhos, que quer conquistar um por um e sente-se capaz disso!
Por isso, quando no regresso fugaz à escola, dali a pouco, receber pela janela, das mãos da professora, o seu prémio de desempenho, nada terá um valor mais simbólico que essa janela."



Jorge Miranda, in O Benfica

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