"Em Janeiro de 1986, eu tinha quase 12 anos e a consciência cívica típica de alguém que cresceu numa família comunista portuguesa. Discussões políticas à mesa, participações em manifestações e colagens de cartazes, tudo fez parte da minha educação. Por isso, quando chegou o momento da segunda volta das eleições presidenciais desse ano, lembro-me bem da angústia que se sentia lá por casa. De um lado estava o concorrente da direita (Diogo Freitas do Amaral), do outro, o da esquerda (Mário Soares). No limbo estava o eleitorado comunista, colocado perante um dilema: não votar em Soares e garantir uma vitória para a esquerda. Recorda que só tinham passado 12 anos desde a Revolução dos Cravos, e o fantasma do Estado Novo podia perfeitamente voltar a pairar.
«Era só o que me faltava votar no 'Bochechas'», lembro-me de ouvir a minha avó dizer. Parecíamos todos de acordo quanto a isso, até que veio a indicação partidária para os comunistas votarem em Mário Soares. Um mal menor por um bem maior. A sugestão era: com uma mão tapar a foto no boletim de voto e com a outra fazer a cruz em Soares. 'Engolir o sapo' tornou-se uma expressão bastante comum, naqueles tempos. E engolimo-lo. Não eu, porque não tinha idade para votar, mas acabei por partilhar aquele digestão difícil de familiares e amigos.
Hoje, 2020, volto a recorrer aos sais de frutos por um bem maior - o Sport Lisboa e Benfica. Se não deixei de apoiar o Glorioso quando Toni foi despedido e Artur Jorge chegou para destruir uma equipa vencedora, não será agora que me vão ver, ouvir ou ler a dizer mal de um treinador do SLB. O Benfica é maior do que a soma de todos os egos."
Ricardo Santos, in O Benfica
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