domingo, 17 de janeiro de 2021

OLHOS DE VER



 "E o tanto que joga Podence? Claro que é mais fácil reparar em Pedro Neto, como antes em Diogo Jota - mesmo se este nunca foi devidamente valorizado antes de Liverpool – porque são muito rápidos, explosivos mesmo, e estamos naquela fase em que uma certa maioria, de analistas a adeptos, acredita que os melhores são, antes de todos, os que levantam relva em cada arrancada. Só que não. No Wolverhampton, por exemplo, bem podem uns quantos espantar-se com a potência de Adama Traoré, supondo que é quem faz mais a diferença, quando explode em capo aberto, mas é um engano. Pedro Neto supera-o claramente, porque à velocidade pura acrescenta criatividade nas soluções e qualidade nas decisões. Chama-se talento ao que faz a diferença. E se todas as comparações são odiosas, sobretudo perante génios, devo dizer que Neto me surge aos olhos como um Futre de guedelhas aparadas, seja na coragem com que assume um drible após o outro ou na convicção com que acelera, como se ninguém pudesse alcançá-lo.

Devo assumir, todavia, que por estes dias poucos me entusiasmam tanto como Daniel Podence, porque num tempo em que a tática roubou espaço ao jogo, ele é feliz como poucos em terrenos exíguos e sinuosos, que é onde as melhores equipas mais precisam de qualidade. As outras, as mais frágeis, fizeram-se especialistas em recuos e agrupamentos. O distanciamento social há muito que desapareceu do jogo, sobretudo em Portugal, onde fez caminho a ideia de que as equipas se constroem de trás e que toda a ideia de segurança é defensiva, como se não fosse mais seguro ter a bola, que é precisamente quando o opositor não pode agredir. Valoriza-se recorrentemente mais o que uma equipa faz sem bola do que o que faz com ela. E tantas vezes o maior elogio às ditas equipas pequenas é o de serem organizadas, como se só pudessem aspirar organizadamente ao jogo defensivo. E como esta mentalidade quanto às equipas se estende também aos atletas – no clássico “tem talento mas falta-lhe capacidade defensiva” – não duvido de que contribui para que a qualidade de jogo em Portugal não seja mais que sofrível, demasiadas vezes.
Uma equipa que despreza o momento com bola, desvaloriza os artistas, que são os que sabem melhor o que fazer com ela. Por exemplo, um avançado dito “profundo” – sempre o rápido ou poderoso – pode atrair a atenção mais depressa mas não pode ser preferido ao mais talentoso. Não sei se Rodrigo Pinho triunfará no Benfica, mas é hoje evidente que chega atrasado o reconhecimento da qualidade e não faz sentido que tenha sido preterido tantas vezes no Braga e – para cúmulo - suplente durante tanto tempo no Marítimo. Taremi, que era uma evidência de qualidade, sendo mais rápido e robusto, despertou a atenção mais depressa. Mas nem assim foi unânime, que o Benfica desperdiçou o que o Porto aproveitou. Da mesma maneira que Nuno Santos, o do Sporting, andava por aí parecendo perdido e Pedro Gonçalves foi uma pechincha – hoje indiscutível – nos 3 milhões por metade do passe. Mas há por aí novos Pinhos, Taremis e Potes. Um caso flagrante parece-me ser o de Ricardo Horta, craque seguro, mas escondido entre a aceleração vertiginosa de Galeno e a combatividade goleadora de Paulinho. Na plenitude dos 26 anos, o mais velho dos manos Horta tem velocidade quanto baste e sabe utilizá-la, mas sobretudo uma qualidade rara tanto para ligar jogo como para finalizar, que o transforma num avançado de recursos amplos. E é de uma inteligência a movimentar-se, entre os corredores e o eixo, entre a criação e a definição, mesmo muito rara de encontrar. Ou muito me engano ou descobriremos em breve que mais um craque de topo estava aqui à mão de semear. Como Diogo Jota ou Daniel Podence, até que alguém olhe com olhos de ver."

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