terça-feira, 15 de junho de 2021

O DESPORTO E O SERVIÇO PÚBLICO DE TELEVISÃO

 


"Discutir o serviço público de televisão é mais do que abordar a programação de uma estação de televisão. E avaliar o contributo que este deve dar no domínio da informação à sociedade está muito para além das suas competências técnicas.
E se isso é verdade para vários domínios da sociedade, também o é para o desporto.
Para alguns trata-se de um assunto que é uma espécie de reserva corporativa, excluindo ou desvalorizando aqueles que, fora do sistema que ao longo de décadas dominou os vários poderes nos quais opera o serviço público de televisão, ousam pronunciar-se. Mas é óbvio que o assunto interessa a todos os portugueses que se preocupam com a comunicação social pública e, no nosso caso particular, com o desporto.
Desde logo, começando por lembrar que gerações de portugueses acompanharam as principais vitórias de atletas e equipas portuguesas em competições internacionais e Jogos Olímpicos através do serviço público de rádio e televisão. Durante décadas este serviço público assumiu um papel de incontornável importância para o desenvolvimento desportivo nacional, pois a reconhecida qualidade técnica dos seus profissionais contribuiu para a formação desportiva das audiências, em território nacional e na diáspora.
Estas conquistas fazem parte do imaginário de milhões de portugueses. Representam um inestimável património coletivo do país e são momentos incontornáveis na afirmação da nossa identidade. Foram poderosos fatores agregadores das comunidades de língua portuguesa que, espalhadas pelo mundo, acompanharam em direto, a cada momento, o percurso até à glória dos seus desportistas culminada com a bandeira nacional içada no mais elevado mastro e os acordes do hino nacional escutados por milhões.
Nesta medida, por mais diversas que sejam as perspetivas em torno do conceito de interesse público, onde se ancora o serviço público de rádio e televisão, este acervo cultural assume um papel incontornável e inalienável, forjado ao longo de décadas na construção social da identidade desportiva nacional.
Trata-se, também por isso, de um património que se projeta muito para além do direito consagrado à informação pública, pois este direito afigura-se muito mais contingente do que os traços distintivos da história e da memória. E de um património que não pode ser apenas avaliado à luz de audiometrias de audiência ou de lógicas comerciais.
O panorama do mercado audiovisual e a sua relação com o fenómeno desportivo na emergência da sociedade das novas tecnologias de informação e comunicação tem sofrido profundas e rápidas transições que reconfiguram e colocam novos desafios à missão do serviço público de rádio e televisão em relação ao desporto.
Na recente discussão pública sobre o serviço público de televisão o Comité Olímpico de Portugal teve oportunidade de reiterar o seu entendimento sobre o que está em causa: a capacidade de o serviço público difundir e promover a dimensão social e cultural na diversidade do desporto, como retorno dos benefícios económicos e sociais que este proporciona à comunidade.
Nesse sentido, a estratégia de conteúdos desportivos numa ótica de serviço público não pode ficar refém de critérios comerciais para assegurar a sua sustentabilidade, nem o espaço público televisivo pode ser ocupado apenas por quem detém condições económicas e financeiras para garantir a produção dos seus eventos e publicitar as suas iniciativas, normalmente com custos associados consideravelmente mais elevados do que o mercado concorrencial.
Como não é aceitável uma tendência monotemática nos espaços de debate replicando a lógica da concorrência do setor privado num modelo em tudo semelhante e circunscrito ao espetáculo desportivo do futebol profissional, limitando o debate sobre os problemas do desporto a este particular.
Por outro lado, o mercado digital e a diversificação de plataformas de distribuição de conteúdos desportivos têm assumido uma dimensão cada vez mais relevante nos consumos desportivos da população e na comercialização dos direitos de transmissão, os quais representam um pilar fundamental na sustentabilidade do tecido desportivo europeu.
É já hoje uma tendência precipitada pela revolução digital os organizadores das competições desportivas que não conseguem espaço no mercado televisivo tradicional assumirem a condição de produtores de transmissões dos seus próprios eventos via plataformas de streaming ou nas redes sociais, substituindo-se aos grandes operadores e criando audiências específicas.
Este fenómeno abre uma discussão em torno do papel - e do futuro - que os canais tradicionais devem assumir perante uma audiência que despertou para novos produtos e formas de consumo. O que representa igualmente uma oportunidade para criar um serviço público mais consentâneo com a capacidade de responder às exigências da audiência nacional.
É nosso entendimento que sem uma opção mais clara e incisiva por parte do serviço público de televisão, o desporto continuará refém da pouca atenção que lhe é concedida, das dificuldades que a esmagadora maioria das modalidades têm em conseguir um espaço, mesmo custeando as respetivas transmissões, e de uma situação de profundo desequilíbrio na grelha de programação em relação a outros setores, desde logo pelas prioridades assumidas no contrato de concessão agora em discussão.
Este é, portanto, o momento decisivo para projetar o futuro ajustando as orientações do serviço público à transição célere e profunda que o panorama audiovisual desportivo tem vivido e aos desafios iminentes que se colocam ao desenvolvimento do desporto português."

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