"Não há nada mais errado e tão frequentemente repetido numa análise a um jogo ou a uma equipa do que se ignorar a oposição.
Com João Mário e Weigl quem defende é o adversário. Com João Palhinha e Matheus Nunes quem defende é o Sporting. E quem estará do outro lado, não importa? E será que para obrigar o adversário a defender, basta ser-se bom em posse?
A partida do Estádio da Luz que apurou o Benfica para os Oitavos da Champions surgiu um dia depois da publicação da Revista Scout de Novembro (aqui) onde curiosamente havia trazido um tema que tão bem assentou nas dificuldades sentidas pela equipa de Jorge Jesus nos jogos mais recentes.
“Ainda hoje quando se fala em ter a posse, tantas vezes se ignora a importância do trabalho sem bola para que tal seja possível. É como quando se analisa um jogo e parte-se e contempla-se apenas uma das equipas em disputa. Como se o outro lado fossem apenas bonecos que fazem unicamente o que outros deixam. Ter a bola o tempo todo pressupõe sempre duas condições. Não a perder. Recuperar. Porque se os meus ataques têm dez minutos de duração, mas quando perco a bola só a recupero vinte minutos depois, terei apenas 33% da bola na partida.”
Artigo na Revista Scout
Mas porquê tantas dificuldades em ter a bola e controlar o jogo, se os médios encarnados são reconhecidamente jogadores de qualidade ofensiva, capacidade em posse. Jogadores de boas decisões, gesto técnico e boa tomada de decisões?
“Ter a bola, garantir o domínio do jogo em posse, começa em primeira instância no momento defensivo, sobretudo na primeira fase defensiva – Na forma como defendemos a construção adversária. É lá que os adversários por norma respiram, é lá que mais tocam na bola (recorde que os centrais são regra geral os jogadores com mais posse e mais passes da equipa), e é lá – na construção – que se começa a desenhar o jogo ofensivo.
É portanto na competência na primeira fase defensiva que se resgata ou não a posse para nós. E só a partir daí podemos jogar.
Porque vai o Paris SG a City e com Neymar, Messi e Mbappé, fica o jogo (quase) todo a ver jogar? Porque o City pressiona, porque o City é agressivo, porque o City recupera a bola. E depois… joga, pois claro!”
Artigo na Revista Scout
As dificuldades que Weigl e João Mário encontram quando o nível sobe – E recorde que já ambos passaram por Ligas cuja intensidade competitiva é muito diferente da portuguesa e… estão ambos a jogar em Portugal – são maioritariamente defensivas. Foram expostas no Derby, mas serão vistas em qualquer jogo de nível elevado. Seja Munique ou Barcelona, onde os opositores para além de também saber jogar, também têm argumentos para pressionar e forçar ao erro garantindo a bola de volta. E são essas dificuldades em recuperar a bola, que permitem que a oposição tenha mais bola.
O que têm em comum médios tão diferentes como Kanté, Jorginho, Pedri, Barella, De Jong, Goretzka ou Kimmich? Uns com mais capacidade criativa outros com menos, mas todos com capacidade de pressão / desarme / deslocamento muito elevada. Adivinharia que Pedri e Jorginho, por exemplo, estão no top 5 da distância percorrida no último Europeu? Não, porque o que fazem com bola faz-nos esquecer quão bons são sem esta também. (Números relativos à distância não dirão nunca a qualidade, mas servem de indicador de que são capazes de ir e vir, atacar e defender. Faltará saber se os deslocamentos darão sentido à performance, que é o que mais importa). Todos para lá do que jogam com bola, têm a capacidade de não permitir que o adversário jogue.
Por estes dias viverá um dilema, o treinador Jorge Jesus. Para ter bola tem de pressionar quando não a tem. Tem de ir encaixar no opositor para o obrigar a errar. Errará mais o opositor sob a pressão encarnada quanto menor qualidade tiver. Por isso essa pressão resulta nos jogos domésticos, e sente maiores dificuldades quando os opositores mudam – Recorde os golos do Bayern na Luz, a contornar pressing algo do Benfica e a chegar à grande área com espaço porque bateu essa pressão.
Em jogos de dificuldade elevada – Contra médios de qualidade técnica – física – tática, começa a sentir-se a imprudência que é colocar Weigl e João Mário a forçar erros adversários, porque têm dificuldades a acompanhar o deslocamento do oponente. Então, ter Weigl e João Mário, que é por norma garante de bola, passa a ser sinónimo de: Não podemos ir pressionar, temos de baixar e defender juntos. E… forçar menos ao erro, roubar menos a bola, passar mais tempo a defender, a fechar espaços. Atacar menos.
Com Weigl e João Mário, com Palhinha e Matheus, ou com Vitinha e Uribe, quem terá a bola, dependerá sempre do nível da oposição. Não há como o contornar.
Fica o pensamento. Com Palhinha e Matheus a pressionar e roubar, o Dínamo teria tanta bola na Luz quanto teve contra Weigl e João Mário? A minha opinião? Impossível! Da mesma maneira que quando os dois médios encarnados têm a posse, se pode esperar bem maior fluidez do jogo com bola no momento de Organização.
O importante é perceber que o jogo é completo e se completa. Não atacas e não tens bola se não fores forte a defender, e não defendes bem se não fores forte (posicionalmente e na decisão) a atacar."
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