"Benfica empatou esta noite contra o PSG (1-1), no Estádio da Luz, com golos de Lionel Messi e Danilo na própria baliza. Os guarda-redes brilharam e, no final de contas, dividiram-se os pontos que se traduzem na liderança partilhada do grupo
Às vezes a coragem anda na ponta da língua, outras debaixo da pele ou dentro das botas. Os rapazes fardados de vermelho fecharam a boca e meteram as fichas todas em cada duelo. A Luz celebrava cada pequena vitória, denunciando a grandeza dos que vinham de longe. Mas não faltou futebol. O Benfica travou esta noite o PSG de Messi, Neymar e Mbappe. Se vencesse, não chocaria ninguém…
É que a equipa de Roger Schmidt investiu no desconforto alheio. Pressão alta, trocas de bola, ora curtas ora longas (defesa do PSG muito subida). Durante mais de 20 minutos, os da casa até pareciam os futebolistas mais serenos. Gonçalo Ramos, servido quase milagrosamente por António Silva, um rapaz que tinha 14 anos quando Mbappe foi campeão do mundo, surgiu isolado. A perna de Donnarumma fechou a porta da alegria ao avançado, que fez mais uma exibição importante, com a generosidade no olhar e nos atos. A Luz levitava. E voltou a levitar quando David Neres (discreto durante o jogo) obrigou o italiano novamente a encher a baliza. O remate, apesar de tudo, não saiu forte.
Lionel Messi demorou quase cinco minutos para tocar na bola. Ia caminhando pelo campo, à procura da linha de passe perfeita. A geometria conta, o timing ainda mais. Neymar fazia o mesmo. Procuravam as costas dos hercúleos Florentino Luís (tremenda exibição do recuperador de bolas) e Enzo Fernández (acabou de rastos), para depois fazerem mossa. O canhoto argentino assinaria realmente uma exibição admirável. Quase sempre que tocava na bola fazia algo. Uma aceleração. Um passe com aquele pé que parece uma mola a fazer a bola andar mais rápido. Uma ideia que não ocorreu a ninguém. Uma mudança de direção. Passes, tantos passes que gritam vontades e certezas. E dribles, como dribla este mago. É uma espécie de céu na relva.
E seria mesmo Messi a quebrar a coragem que levavam na boca e no grito os adeptos. Combinação por dentro com Neymar e Mbappe. Messi, com a bola a pedir uma viagem com uma rota especial em linha curva, obedeceu-lhe e meteu um golaço no poste mais distante. Seria, apesar de tanto trabalho, o único golo sofrido por Vlachodimos esta noite. E foram várias as defesas de alto gabarito. Mas Messi foi Messi. Ouviram-se umas tímidas palmas.
A Luz arrefeceu, quase se ouviu o vento. Foram mais ou menos 20 minutos em que o Benfica desligou, esqueceu-se de escrever à coragem. E o carrossel parisiense, que circula a velocidades diferentes e com manobras quase inverossímeis, foi inaugurado (ninguém cortou fitas, fizeram apenas a bola suar por um nervosismo gostoso). Vitinha, fino fino e confortável naquele contexto galático, aproximou-se de Marco Verratti. Marquinhos é um tratado, escapando da defesa para funcionar como o líbero de antigamente, dando soluções mais à frente. É também um polícia sinaleiro, indicando rotas e caminhos. Nuno Mendes, genial a usar o corpo, foi aparecendo. Neymar mostrava os dotes que lhe permitem entrar no jardim de Messi. Mbappe, mais discreto, ia enfrentando um António Silva que certamente há uns meses ainda só via esta gente na Playstation. E o menino, que vai beneficiando da companhia do experiente e certinho Otamendi, teve ações importantes, com a personalidade (coragem?) que já o caracteriza. Quase empatou, mas não bateu na bola da melhor maneira e Donnarumma voltou a defender. A Luz despertou de um sono profundo.
E o marcador dançou mesmo, aos 41'. Cruzamento de Enzo e Danilo, o internacional português que está confortável numa linha de cinco, teve a infelicidade de desviar para a baliza. Era o resultado mais justo se por acaso houver alguma justiça no futebol. O Benfica criou durante a primeira parte, teve a ousadia de morder à frente, tentou jogar e jogou. E também se encolheu. Acontece entre homens que têm um certo futuro abstracto à frente.
Neymar trocou de botas no intervalo e, pouco depois do descanso, atirou uma bola ao ferro, num quase pontapé de bicicleta. Havia muito menos ritmo. O PSG parecia querer congelar mais a bola, o Benfica estava na expectativa.
Vlachodimos continuou a encher a baliza. Desta vez foi Hakimi, que entrou bem pela direita, depois de Messi atrair o mundo inteiro e tocar para ele. O que é bizarro nos génios, nos grandíssimos futebolistas, é que uma má receção é uma boa receção. Não só a bola lhes concede esse perdão e lhes dá uma segunda oportunidade, como os rivais dão um espaço que não vamos chamar medo mas que podia ser.
Mbappe, com uma frescura incomprensível quase, ia tentando de longe. Messi, a quem Paulo Futre pediu um autógrafo antes do jogo (só pedira a Maradona, contou), continuava a driblar, a acelerar, a fazer de tontos os pés dos adversários. Rafa, que chegou a fazer trocas de posição com o bom e sereno João Mário, foi crescendo ao longo do jogo e já ganhara o seu espaço, com aquela zona perto de Vitinha e Verratti a tornar-se bela e espaçosa. Grimaldo e Bah iam cumprindo, não sofrendo demasiado com as rajadas de vento que vinham do outro lado.
Foi Rafa, aliás, quem teve a felicidade quase eterna no pé. Pegou na bola, enganou Sergio Ramos e depois Marquinhos. O corpo frágil agigantou-se. A apatia de que é acusado foi engolida pela ambição de ser feliz. O guarda-redes do PSG voltou a crescer e a tapar a glória. Mas Rafa não desistia, e é assim que vai alimentando o seu amor ao jogo. De alguns chutões fazia passes perigosos, demonstrando a qualidade que não é pouca.
Schmidt meteu no relvado Draxler, Aursnes e Rodrigo Pinho. Messi, que desceu à terra numa má receção quando ficaria isolado, saiu por Sarabia. Nesta altura já a Juventus celebrava o 3-1 contra o Maccabi Haifa, em Turim. O tempo de compensação viu apenas um remate fortíssimo saído da canhota de Fabián Ruiz, numa altura em que era o PSG a tentar algo mais. A resistência, mais atrás, foi mais um exercício em que o Benfica demonstrou preparação.
Os 62 mil espectadores na Luz acabaram em delírio. Um derradeiro livre fez salivar esta gente, o pensamento imaginava um final feliz, quase irreal, quase impossível. Mas a bola aterrou nas luvas de Donnarumma e assim acabou: 1-1. A coragem, o fogo maior que aquece os que amam um clube ou um jogo, foi a moeda de troca entre os grandes futebolistas que estiveram olhos nos olhos esta noite. Que venha Paris…"
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