"Agarrem-me, que eu sou um émulo compulsivo dos lugares-comuns da linguagem da bola e recuso-me a repetir aquele chavão que todos conhecem, inventado após a agónica meia-final de Turim, em 1990, por Gary Lineker, um excepcional jogador que se tornou ainda melhor jornalista.
Não vou dizer a tal frase que o mundo repetiu triliões de vezes nas últimas horas porque até desconfio que os alemães nem sequer têm, desta vez, os onze jogadores que são precisos para concretizar a profecia do inglês.
Quando vi as substituições de Herr Flick, não consegui reprimir um “Allô”, primeiro pelo Fullkrüg, que só me faz lembrar o tempo dos “panzers” mas não chega aos calcanhares do Hrubesch bom gigante, seguido de outro “Allô” quando entrou o Mário Goetze, cheio de remendos e em final de prazo para consumo, como uma prova de que até os calculistas alemães, quando estão à rasca, acreditam em milagres de velhos heróis providenciais.
Atenção, que vou dizer isto só uma vez: pobre Musiala, que só tem 19 anos e caiu nas entrelinhas da menos fecunda geração de que me lembro, apesar da dimensão de Gündogan, da experiência de Neuer, Kimmich e Muller e dos fogachos de Gnabry e Havertz.
Bem podem esconder a cara porque aqueles últimos 20 minutos sem o jovem prodígio foram caóticos e de impotência perante as “blitzkrieg” dos japoneses, a varrerem a extrema defesa germânica com a mesma rapidez, coordenação, trabalho de equipa e eficiência com que os seus adeptos deixam as bancadas limpas e arrumadas no final de cada jogo.
A Alemanha do futebol, onde pontificam o excepcional Kamada e os marcadores dos golos, Doan e Asano, já devia saber que o Japão do futebol é hoje muito mais do que aquele grupo de corredores “kamikaze” que provocavam alvoroço nas defesas contrárias mas acabavam invariavelmente abatidos pelas anti-aéreas, em batalhas passadas, incluindo as de Yokohama em 2002. Não é à toa que os baptizaram de Brasil do Extremo Oriente, venerando e agradecendo à influência de Zico, Miura e de centenas e centenas de jogadores e treinadores brasileiros que tornaram o futebol nipónico mais do que uma potência regional.
O Japão joga incomparavelmente mais e melhor do que a Arábia Saudita, que os mestres do lugar-comum também já chamam de Brasil do Médio Oriente, e, por isso, a Alemanha ficou numa situação mais apreensiva do que a Argentina, condenada a uma final antecipada com a Espanha debaixo de um alarme permanente de bombardeio.
Logo após o jogo, alguns amigos soltaram nestas redes sociais, tão escancaradas ao exagero como a baliza da Costa Rica, uma “vendetta” jornalística contra a classe dominante dos comentadores televisivos, classificada pomposamente de “malta das entrelinhas”. O Japão, cordato, respeitador e tradicional, tornava-se porta-bandeira do futebol clássico, puro e duro, sem baias tácticas nem preconceitos estratégicos, como um exército de soldadinhos Nemtiki e Nemtaka, contra o jogo formatado. Só faltou ao fim do dia a merecida vitória do Canadá sobre a Bélgica para algum destes proscritos na reforma soltar o mais profético bordão do “freitaslobês”, que Mark Twain teria seguramente achado tão exagerado como a “morte” da Alemanha: “depois disto, não há mais nada”.
A coragem dos jogadores alemães em afrontar a FIFA pela melhor razão do Mundial reduziu a dimensão e o impacto das críticas ao colapso físico e táctico dos oficiais do senhor Flick. Ou por isso ou porque muitos, como eu (confesso!), a vaticinaram para vencedora de mais este campeonato, e que, mesmo com menos de onze craques e sempre contra mais do que onze adversários de qualidade, japoneses ou espanhóis, no fim, pelo menos frente aos costa-riquenhos, ganha a “Mannschaft”. Pronto, não disse! Arigato!"
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