sábado, 23 de dezembro de 2023

AS ASSISTÊNCIAS NA LUZ SÃO UM FENÓMENO

 


"O Benfica jogou para a Taça da Liga numa quinta-feira à noite contra uma equipa da segunda divisão (mais uma aberração do futebol moderno, chamado AVS. O que é um AVS?) e teve naturalmente a pior assistência da época 23/24. Dito desta forma, poder-se-ia pensar em quinze ou vinte mil pessoas. Vou deixar uns dados da Taça da Liga, antes de prosseguir com a ideia:
Benfica-2 V. Guimarães-1 08/09: 13.600 espetadores
Benfica-2 P. Ferreira-0 16/17 17.200 espetadores
Benfica-0 V. Guimarães-0 19/20: 37.500 espetadores
Benfica-4 AVS SAD-1 23/24: 48.900 espetadores
Sporting-4 Farense-2 23/24: 22.800 espetadores
Porto-4 Vizela-0 22/23: 21.900 espetadores
No último clássico Sporting - FC Porto estiveram em Alvalade 44.300 espetadores. No tal jogo do Benfica para a Taça da Liga a um dia de semana, contra uma equipa da segunda divisão, estiveram mais adeptos. E essa foi a pior assistência do ano no Estádio da Luz! Dir-se-á: cá está a dimensão social gigantesca do Benfica! Mas é por isso que destaco as assistências que o mesmo Benfica tinha para a Taça da Liga há 10 anos. Em jogos de fase de grupos rondava os 15.000 espetadores (embora com um ascendente constante: em 2019 já tinha 37.000 pessoas). Ganhou assim o Benfica tantos adeptos em 10 anos? E por que o Sporting e Porto mantêm as lotações de 20.000 nestes jogos?
Há um fenómeno de estádio a acontecer no Benfica que merece ser estudado. Porque nunca aconteceu esta consistência de assistências no clube, nem isto é normal no futebol Português. Como se chegou a esta situação, em que faça chuva ou faça sol, seja o Sporting ou o AVS, seja sábado ou quinta-feira, o Benfica tem sempre o estádio bem composto e quase sempre a rondar a lotação máxima? Numa Liga onde vemos os estádios quase sempre vazios e onde os dois maiores rivais Sporting e FC Porto também têm um aumento de assistências nos últimos anos (excluindo os anos do Covid, como é óbvio), mas nada que se assemelhe ao Benfica? (o líder e entusiasmado Sporting teve apenas 33.000 espetadores no último jogo para o campeonato, antes do clássico)
Penso haver várias razões, que passo a explanar:
- A mais óbvia e não vou dizer nada que qualquer pessoa em Portugal já não saiba: o Benfica é o clube mais popular do país. Fala-se no mito dos 6 milhões, que é obviamente inflacionado (da ideia de que 60% dos portugueses apoia o clube e se somos 10 milhões no país, surgiu os 6 milhões), é preciso descontar bebés e pessoas que não ligam a futebol e mesmo a teoria dos 60% será exagero. Estudos mais aprofundados apontam para 4.5 milhões de Benfiquistas em Portugal, um número ainda assim bem acima de Porto e Sporting. E portanto, tudo o que os outros clubes conseguem, o Benfica consegue num nível superior. Por isso tem um estádio maior, por isso tem naturalmente maiores assistências.
- O bom trabalho feito pelas direções de Vieira e Rui Costa: Primeiro no aumento do número de sócios (muito se gozava com o Kit Sócio, mas agora o clube tem mais de 300.000 sócios) e depois na venda dos RedPass. São 50.000 vendidos anualmente (e 65.000 seriam se o clube quisesse) e já com uma fila de espera de vários milhares. Em boa hora se alastrou o Red Pass também aos jogos das Taças (e isso contribuiu para que os jogos da Taça da Liga e de Portugal não tenham uma queda abrupta na assistência) e é notório o esforço que o clube faz para que não fique nenhum lugar vazio. Se o detentor do Red Pass não pode ir a um jogo, o clube incentiva ao máximo a partilha do lugar ou a revenda no mercado secundário. Chega a enviar SMS no dia do jogo a avisar dessa situação e a pedir ao detentor que não deixe o lugar vazio. Mas talvez um dia deva avançar até para uma solução ainda mais extrema: detentor do Red Pass que não ocupa o seu lugar em mais de 70 ou 75% dos jogos (seja de que maneira for: indo, partilhando ou revendendo), deve perder esse direito para a longa lista de espera de sócios que desejam esse privilégio.
- Toda a envolvência à volta do jogo: ir à Luz em dia de jogo é ver dezenas de roulotes e balcões de comida, bebida e animação espalhados pelo recinto do Estádio. O que faz com que muitos já não vão só pelo jogo, vão pelo convívio. Se nos anos 90 eu ia à Luz e só via homens de 40 a 70 anos, agora vão mulheres, crianças e adolescentes. É um público cada vez mais jovem que vê na ida ao Benfica o mesmo que um jantar de amigos ou a uma ida a um bar ou discoteca. É um evento social. E os jogos do Benfica tornaram-se no maior evento social em Lisboa. Nesse dia, nessa hora, é onde todos querem estar. E cada vez é mais fácil chegar lá. Os bilhetes compram-se online e entre carro, metro, autocarros e ubers há muita facilidade de acesso ao estádio. Embora deva também deixar aqui um destaque (e elogio) aos muitos milhares de benfiquistas do restante país que fazem centenas de quilómetros e onde essa "facilidade" é mais esbatida. Mas estão lá. Muitos, sempre.
- Vivemos num mundo das redes sociais. E quantos likes gera uma foto do Estádio da Luz cheio e uma descrição a dizer "Presente no Estádio da Luz #vivaobenfica" ou algo do género? É como nos festivais, muitos não vão pela música ou pelas bandas, vão pelo convívio e pela vontade de dizer "Eu estive lá". E o clube também trabalha bem estes tempos modernos, com o voo da águia ou o jogo de luzes antes do encontro. Tudo feito para as fotos e vídeos dos telemóveis tiraram imagens espetaculares e cheias de cor, que vão gerar imensas interações (e puxar pela inveja da pessoa que vê e pensa "também quero estar ali").
Em contraponto a este fenómeno social a acontecer à volta das idas ao Estádio da Luz, é preciso reconhecer que quantidade não tem sido qualidade. O ambiente de apoio à equipa no Estádio é muitas vezes vocalmente fraco. Falham as claques e falha esta "Geração Instagram" que ocupa mais as mãos com o telemóvel do que em bater palmas à equipa. Nesse aspeto há muito a melhorar nos próximos anos. Mas isso daria outra crónica...
Duas notas finais: muitos dirão que este pico no Benfica e vazio nos outros clubes acontece devido às extremas assimetrias do futebol português, em que 90% da população apoia 3 clubes, deixando os outros ao abandono de uns quantos resistentes. É verdade. É muita verdade. O Tugão seria mais equilibrado se não estivessem 60 mil na Luz e 2 mil nos outros estádios. Mas disso o Benfica não tem culpa. Nem os benfiquistas. O clube faz a sua parte pela promoção do desporto e tem obrigação que no tema da centralização dos direitos desportivos faça valer a sua força social, mesmo sabendo que se se vai puxar o cobertor para baixo, ele vai destapar em cima. E a nota final é que continuando o clube neste ascendente (e falta o teste do algodão: se numa temporada má as assistências mantêm-se lá em cima) chegará um momento em que terá que começar a pensar na possibilidade de aumentar a lotação do seu estádio. Seja avançando para o "safe standing" no piso zero da bancada Sagres ou mesmo com obras no recinto. Mas isto é um debate para o médio/longo prazo e que também daria para outra crónica...
Que o Benfica siga em força, como tem estado nos últimos jogos e sempre com a sua onda vermelha atrás.
"Chove? Faz frio? Está calor? Que importa.
Nem que o jogo seja no fim do mundo, entre as neves da serra ou no meio das chamas do inferno,
Por terra, por mar, ou pelo ar, aí vão eles, os adeptos do Benfica, atrás da equipa.
Grande, incomparável, extraordinária massa associativa!"
Béla Gutmmann"

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