"O dia não podia ter sido menos favorável. A hecatombe dos homens em pleno Dragão, à noite, surripiou as atenções e reclamou exclusividade emocional no universo benfiquista e nacional. É natural; normal até, perante a distribuição histórica, mediática e - lá está - emocional nada equitativa quando o paralelismo se traça entre o futebol masculino e feminino.
Aceitando essa realidade, parece-me justo um separar de sentimentos para que o nome de Kika Nazareth possa prevalecer "por si" na memória desse dia 3 de março de 2024. Na verdade, é sobre grandeza e dimensão que versa este texto, que nasce de um "escorpião" perfeito em Albergaria-a-Velha mas que fortalece uma ideia bem mais global e anterior.
A internacional portuguesa, de 21 anos, esteve dois meses "encostada" devido a uma lesão. Para muitas mulheres, inseridas num futebol com menos suporte, um travão desta dimensão significa, não raras vezes, um atraso quase irrecuperável na carreira. Mas para Kika Nazareth, as leis assumem contornos atenuantes e refazem-se à sua medida.
O golo "galáctico", assinado pouco depois do meio-dia do dia 3 de março de 2024, é o atestado futebolístico da qualidade suprema da «dez» do Benfica; o selo irrefutável de um talento geracional e o motivo para recuperar uma afirmação que fiz no podcast do zerozero "Primeiro as Senhoras", em dezembro de 2023.
«Neste ano [2023], Kika Nazareth transformou-se na 'nossa' Alex Morgan.» A frase é arrojada e, no presente, desmedida. Mas é o potencial que me interessa; e a chamada de atenção para não o desperdiçarmos.
Aquilo que Morgan fez pela "explosão" do futebol jogado por mulheres em termos mundiais é inegável e foi alicerçado em dois pilares sólidos: talento futebolístico e dimensão mediática. A superestrela norte-americana soube potenciar aquilo que fazia dentro de campo para, em paralelo, fazer nascer um fenómeno global irresistível e apelativo para o público.
Qualidades essas que, na minha opinião, estão presentes em Kika. Para lá do rendimento desportivo (a base), a estrela do Benfica e da seleção possui o «magnetismo» próprio de figuras que transcendem o jogo, um pouco à semelhança de Morgan.
Cativante para um público jovem e "aberto" a novas referências, Kika tem, igualmente, o appeal capaz de ocupar tempo de ecrã e espaço em billboards como veículo de afirmação para o feminino - e para as mulheres. É, também na personalidade, uma predestinada. Que o espaço mediático lhe seja dado porque o momento é decisivo; e de lamentos por oportunidades perdidas estamos todos cansados."
Sem comentários:
Enviar um comentário