segunda-feira, 8 de abril de 2024

ENTREVISTA A LUÍS MENDES

 


"O Benfica tem um histórico imaculado"

Luís Mendes, vice-presidente do Clube e administrador executivo da SAD, aborda a mais recente emissão obrigacionista e, numa entrevista muto abrangente no plano da realidade económico-financeira, enaltece a relação de confiança com os investidores e com o mercado.

A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD está a proceder a uma emissão de Obrigações 2024-2027 até 17 de abril, no montante global inicial de 35 milhões de euros (M€), e Luís Mendes, vice-presidente do Clube e administrador executivo da SAD, sublinha a "robustez das contas" da sociedade, lembrando, em entrevista conjunta da BTV e do jornal ECO, que os investidores receberam sempre os devidos reembolsos do capital "a tempo e horas".

Nesta segunda-feira, 8 de abril, dia do lançamento da emissão obrigacionista com uma taxa de juro de 5,1%, o administrador executivo da SAD abordou as razões que motivam a operação das águias no mercado financeiro, assim como outros temas relacionados com a realidade da SAD.

Além das perspetivas económicas, Luís Mendes foi igualmente confrontado sobre temáticas onde expôs a posição do Benfica, em particular o entendimento em torno da centralização dos direitos televisivos. "A convicção e o interesse do Benfica, neste momento e em função dos dados que tem, é que vale mais. Valendo mais, naturalmente, a intenção é ir sozinho. Mas, como já disse, se aparecer alguma proposta que satisfaça os interesse do Benfica, porque não analisá-la?", afirmou o administrador executivo, a respeito do período entre 2026 e 2028, ou seja, entre o fim do atual contrato de direitos televisivos e a data para a centralização.

necessidade ou imposição de negociar ativos antes do fim do exercício em curso foram aspetos focados nesta entrevista, a par das receitas provenientes da participação na Liga dos Campeões em 2024/25, ou do Mundial de Clubes em 2025, prova em que as águias têm presença assegurada.

Luís Mendes

EMPRÉSTIMO OBRIGACIONISTA: AS RAZÕES

"Esta emissão é para reembolsar a emissão anterior, e tem um período de três anos e uma taxa de juro de 5,1%. À semelhança do que foi a operação do ano anterior, tem uma componente de troca e uma componente de oferta. [Haverá um reforço da operação de 2021-2024 em termos de montantes de emissão?] Neste momento, não posso estar a adiantar. Vamos estar atentos à evolução da procura e, se entendermos que podemos subir, logo será divulgado. [Rentabilidade da taxa de juro de 5,1% inferior à de outras SAD e travagem dos investidores em função do momento desportivo] Nós estamos perfeitamente tranquilos quanto àquilo que vai ser o comportamento da procura relativamente a esta emissão. Desde logo porque, sobre o que estamos a oferecer [5,1% de taxa de juro], é um valor em relação qual o mercado vai ter a devida apreciação, e adequar, com certeza. Estamos a falar de uma taxa [de juro] de 5,1%, que, face ao que está disponível no mercado para aquilo que é o aforrador tradicional do Benfica, é muito mais interessante. Temos depósitos a prazo que não ultrapassarão, muito provavelmente, os 2,5%, e os certificados de aforro também andarão nessa ordem, de modo que estamos perfeitamente tranquilos quanto àquilo que é a taxa de juro. [Como se justifica uma diferença de 60 pontos base entre a taxa de juro do Benfica e a da recente emissão feita pelo Sporting?] O Sporting quando fez a emissão, na altura, o indexante era um pouco superior ao que é neste momento determinado para esta emissão, e depois, historicamente, temos sempre uma taxa relativamente mais baixa. O nosso prémio de risco é sempre mais baixo do que aquele que é atribuído ao Sporting. A explicação é essa. [Relacionado com a solidez da SAD do Benfica?] Claro que sim, naturalmente, nas contas do Benfica os capitais próprios são devidamente robustos, têm uma robustez inquestionável. Obviamente que isso também se vai refletir naquilo que é o risco."

INFLUÊNCIA DO FUTEBOL NA OPERAÇÃO

"O Benfica tem um histórico imaculado em termos de cumprimento. Sempre pagou os juros a tempo e horas, sempre reembolsou o capital a tempo e horas, nunca foi atribuído um haircut ao Benfica, o Benfica nunca entrou em default, portanto o risco também é muito controlado."

OBJETIVO DA EMISSÃO

"[Reembolsar o empréstimo que vence em 2024] Um dos objetivos é esse, obviamente, mas também de diversificar as nossas fontes de financiamento e fazermos face àquilo que são as nossas perspetivas de tesouraria. [Possibilidade de alargar a emissão de obrigações] Vamos estar atentos à evolução da oferta, e no momento próprio tomaremos a decisão. Mas, como é evidente, nesta fase, não posso divulgar até que ponto vamos alargar."

Luís Mendes

DIMENSÃO DO PASSIVO

"[Justificação para o passivo ter passado de 325 M€ em junho de 2020 para 442 M€] Temos de olhar para a evolução do passivo e, paralelamente, para a evolução do ativo. Como é evidente, está completamente em equilíbrio. O que é o crescimento do passivo, por si só, não me preocupa, desde que veja também um acompanhamento relativamente ao ativo. Os nossos capitais próprios [113 M€] também cresceram. Estamos num valor muito idêntico àquilo que é o valor do capital social. Estamos perfeitamente tranquilos quanto àquilo que é o crescimento do passivo. [Passivo sustentável?] Consideramos que o passivo do Benfica é perfeitamente suportável, desde logo se formos olhar para aquilo que é o nosso ativo – uma das grandes componentes do nosso ativo são os passes dos jogadores, que são considerados a valor de aquisição, e até internamente temos mecanismos de controlo e análise de risco. Temos um algoritmo próprio que nos permite determinar aquilo que é o verdadeiro valor dos nossos atletas."

OBRIGAÇÃO DE VENDER JOGADORES?

"Qualquer SAD está obrigada a vender jogadores, isso é inquestionável. Se formos verificar, 90% a 95% dos clubes europeus vendem jogadores, todos eles necessitam de vender jogadores para equilibrar contas. Até o próprio Real Madrid, no ano passado, teve de fazer vendas de jogadores para equilibrar as contas. É normal que isso aconteça, faz parte da nossa estratégia de investimento. Se nós quisermos investir em novos jogadores, na nossa formação, temos naturalmente de vender jogadores. [O Benfica tem condições de dizer hoje que está em condições de não vender jogadores a não ser pelas cláusulas de rescisão?] O Benfica tem de vender jogadores, mas o que tem de se analisar no momento certo é o que o mercado oferece a esses jogadores, ao jogador A, B ou C, e depois tomar as suas decisões. [Hoje não está tomada qualquer decisão de venda de atletas?] Não, de todo! [O Benfica está pressionado a vender até 30 de junho?] O Benfica não está pressionado a vender, desde logo porque tem uma situação de capitais próprios que lhe permite acomodar um prejuízo, ainda que ligeiro. Não é isso que nos vai assustar, não é isso que nos vai determinar a venda de um jogador. Não é dizer 'preciso de fazer resultado e então vou vender a correr', de maneira nenhuma. [A necessidade de ter um resultado financeiro positivo no final do exercício vai determinar a venda de um jogador?] Não, de todo!"

VALORES DE PARTICIPAÇÃO NA LIGA DOS CAMPEÕES 2025/26

"[O valor de 100 M€ de prémio de participação: reais ou não?] O novo quadro competitivo da Champions, em matéria de premiação, já ficou demonstrado – de resto, desde há algum tempo a esta parte, internamente, andávamos a fazer essas contas... Aquilo que se vai verificar é que, à partida, o nível de prémios vai ser muito idêntico ao que foram o dos quadros competitivos anteriores. O que se pretende, o que determina as novas regras, é premiar muito a performance desportiva, e só a partir de uma fase adiantada da prova é que, eventualmente, os prémios podem subir. [Sobreviver sem a qualificação para a Liga dos Campeões em 2024/25?] Neste momento, não nos passa pela cabeça não ir à Champions. Se não estivermos presentes na Champions, temos os nossos mecanismos internos de controlo e mitigação do facto de não irmos à Champions. Pode passar por mais venda de jogadores, pode passar por algum aperto que tenhamos de fazer ao nível dos custos. [O Benfica ficou aquém do orçamento que fez a contar com a participação e a receita da Champions?] Naturalmente, quando fazemos o nosso orçamento prevemos que vamos até um determinado estado da prova, o que não sucedeu. Ficámos aquém nas receitas da Champions, claramente. Mas, pelo facto de termos ficado aquém, isso não implica que não tenhamos capacidade para solver os nossos compromissos, fazer face ao que assumimos."

Luís Mendes

MENSAGEM AOS INVESTIDORES

"É uma mensagem de esperança. O investimento nas obrigações do Benfica é um bom investimento. No Benfica, sendo um clube ganhador, uma marca de dimensão mundial, é sempre muito interessante investir, e não se vão arrepender de investir no Benfica."

A PARTICIPAÇÃO NO MUNDIAL DE CLUBES EM 2025

"Ainda não está nada determinando em termos de premiação também pela FIFA. O que nós temos em perspetiva é um starting fee entre 40 M€ e 50 M€. É isso, mais ou menos, com que nós estamos a contar, embora ainda estejamos à espera da FIFA. A questão da valorização da marca, obviamente, é importante. Estarmos inseridos numa prova desta dimensão vai trazer uma projeção à marca Benfica muito grande. É um Campeonato do Mundo de Clubes, podemos ter presença em termos televisivos, por exemplo, na Ásia e noutros cantos do mundo onde, normalmente, o Benfica não chega."

O NAMING DO ESTÁDIO DA LUZ

"O naming do Estádio é um tema que já há alguns anos tem vindo a ser tratado. A questão aqui, que é muito importante, é que o Benfica não está disposto a associar-se a qualquer marca. Vamos ter de escolher uma marca que ajude a potenciar a marca do Benfica, e que o Benfica ajude a potenciar essa marca – estamos a falar de marcas internacionais. Paralelamente, é também o que as marcas estão dispostas a pagar ao Benfica. Da conjugação destes dois fatores é que vai surgir uma decisão sobre a atribuição do naming, ou não. É um processo que está ongoing e que continuamos à procura. [Tema prioritário?] A maximização das receitas no Benfica é sempre prioritária. Ainda não encontrámos a oportunidade certa, a qualquer momento ela pode surgir."

CONTROLO ECONÓMICO VS CENTRALIZAÇÃO DOS DIREITOS TELEVISIVOS

"A centralização de direitos televisivos deu recentemente alguns passos interessantes no que é a definição do produto e no seu modelo de comercialização. Contudo, o que verifico é que em relação ao esforço de capacitação dos clubes – a formação que lhes tem de ser dada, no sentido de as verbas, que lhes vão chegar, serem devidamente alocadas – muito pouco tem sido feito, e é muito importante que essa formação venha a ser feita o mais rapidamente possível. Estamos à porta... e essa é que é uma das partes que me preocupam. [Antecipação para 2026?] É possível haver uma antecipação para 2026 desde que as condições satisfaçam todas as partes. [Sucesso somente com controlo e acompanhamento económico?] Tenho o entendimento que sem um controlo económico rigoroso não conseguimos ter uma Liga verdadeiramente competitiva. Veja-se o exemplo da Espanha, em que a La Liga tem o empowerment suficiente para determinar as execuções dos orçamentos dos clubes, tem a capacidade de impor a inscrição e a não inscrição de um jogador. Hoje [segunda-feira, 8 de abril] até tivemos uma notícia relativamente à Premier League, em que um clube [o Everton] foi punido em dois pontos por não estar a cumprir os critérios financeiros. Portanto, sem controlo económico, não se consegue fazer com que as sociedades desportivas façam os investimentos que têm de fazer, que invistam em infraestruturas, que não invistam apenas na aquisição de jogadores, que invistam na melhoria do produto, que é o que temos de entregar. Sem controlo económico não vamos conseguir isso. Verifica-se, hoje em dia, que há equipas com ordenados em atraso, isto não contribui para um produto melhor."

Luís Mendes

CENTRALIZAÇÃO DOS DIREITOS TELEVISIVOS: O BENFICA VALE MAIS SOZINHO

"Em relação ao ficar de fora ou ficar de dentro – e foi dada a garantia pelo presidente [da Liga] Pedro Proença de que ninguém vai sair prejudicado [receber menos do que recebe atualmente] da centralização dos direitos –, o Benfica tem a ideia de que vale muito mais isoladamente do que integrado num processo de centralização. Por esse facto, para já, a nossa intenção é fazermos o nosso caminho sozinhos, e não estarmos integrados, pois temos exatamente esse entendimento. Contudo, sublinho, e deixo aqui isso em aberto, a possibilidade de podermos ir integrados desde que a proposta sirva os interesses económicos do Benfica. [Qual a estratégia do Benfica para o período entre 2026 e 2028, entre o fim do atual contrato de direitos televisivos e o prazo para a centralização?] A convicção e o interesse do Benfica, neste momento e em função dos dados que tem, é que vale mais. Valendo mais, naturalmente, a intenção é ir sozinho. Mas, como já disse, se aparecer alguma proposta que satisfaça os interesse do Benfica, porque não analisá-la? [É possível obter receitas superiores às do contrato feito em 2015?] Claramente que acredito, porque o Benfica tem aqui várias formas de explorar. Ir pelo linear, explorar pelas plataformas de streaming, de poder até retomar o tema da BTV, e ser, mais uma vez, inovador relativamente ao que foi quando lançou a BTV. Portanto, temos muitas possibilidades que nos dão boas perspetivas relativamente ao valor dos nossos direitos de transmissão. [Pedro Proença deve continuar na Liga para terminar o processo de centralização dos direitos televisivos?] O dr. Pedro Proença iniciou, não estou na cabeça dele e não faço a mínima ideia do que ele pretende. Desde que garanta um legado, garanta que o processo de centralização vai ser bem concluído, acho que ele pode ir à vida dele. Pelo menos, lançou a semente."

AUDITORIA FORENSE

"Relativamente à auditoria forense, já divulgámos e comunicámos o que tínhamos a comunicar. O processo está praticamente concluído, nós estamos a aguardar a entrega do relatório final da auditoria, com um nível de detalhe diferente. Será, muito brevemente, apreciado em Conselho de Administração e depois comunicado aos sócios."

Luís Mendes

MANTER O INVESTIMENTO NO FUTEBOL FEMININO

"O futebol feminino tem tido uma evolução notável, e o Benfica tem feito um trabalho incrível no desenvolvimento do futebol feminino. É, provavelmente a seguir ao futebol masculino, a modalidade em que mais acredito no crescimento e até na capacidade de monetização. Aquilo de que necessitamos, e que acho que é muito importante, é que os direitos de transmissão sejam devidamente valorizados, coisa que nós ainda não verificámos. A título de exemplo, o Campeonato do Mundo de futebol feminino na Austrália em 2023, em alguns países europeus teve um nível de audiências, curiosamente, superior ao do Mundial masculino no Catar [2022]. Portanto, tem um potencial incrível, agora precisamos, de facto, que os direitos de transmissão sejam devidamente valorizados, que é uma coisa que ainda não vi. [Valorização dos direitos de transmissão pode significar maior investimento na equipa?] Neste quadro, é perfeitamente possível e acreditamos que devemos continuar a investir no futebol feminino. A diversidade de género é muito importante. Agora temos também de ter do lado da receita a devida contrapartida. [A adesão das marcas tem sido grande?] Cada vez mais temos mais marcas com interesse em investir no futebol feminino. O preço tendencialmente vai crescer, mas ainda não reflete o real valor do futebol feminino. É um caminho que se tem de trilhar, e acho que estamos no bom caminho nesse aspeto."

FUTEBOL E A ÉPOCA EM CURSO

"Estamos ainda na parte final da época, temos muitos jogos a ganhar, competições ainda a vencer. No final é que se fazem as contas. O Campeonato está difícil, mas estamos na Liga Europa e podemos perfeitamente vencer a Liga Europa, temos todas as condições para isso. [É a pergunta que seguramente acionistas, sócios e adeptos gostariam de saber: se o treinador do Benfica será o mesmo na próxima época desportiva, independentemente dos resultados desta época?] O treinador do Benfica é um ativo do Benfica. Tal como é um ativo do Benfica, entendo que neste momento temos uma emissão obrigacionista a decorrer e não posso estar a pronunciar-me, pois pode ser considerado um facto relevante. Estou muito limitado em termos de regulamentação, não quero intervir no mercado."

AS CONTAS PARA A TEMPORADA 2024/25

"Na próxima época desportiva – e eu quero acreditar que vamos estar na Champions, temos o Campeonato do Mundo... –, e com a nossa robustez de capitais próprios, temos a capacidade de ir ao mercado, se tal for necessário. [Investimento ao nível do último ano?] A primeira coisa que há a fazer relativamente ao nível de investimento é rentabilizar os nossos ativos. Entendemos que temos uma equipa perfeitamente capaz de enfrentar os próximos Campeonatos, a equipa atual. Se tiver de haver algum ajuste, se o Presidente Rui Costa entender que temos de fazer algum ajuste, temos uma estrutura económica que nos permite ir ao mercado e fazer os ajustes que sejam entendidos."

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