"Após quase quatro anos à frente da Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal, sempre com a missão de dar voz e capacidade interventiva aos atletas olímpicos, a inquietação ainda é tanta que sobram ideias e vontade, sempre encarando os problemas como oportunidades e contribuindo de forma positiva para uma verdadeira revolução de mentalidades, de novas estratégias, ou apontando caminhos alternativos.
Se me perguntarem qual tem sido o maior prazer nesta jornada, indubitavelmente foi conhecer tantas e tantas pessoas dentro e fora da Associação: atletas olímpicos, atletas em geral, pessoas do desporto, treinadores, dirigentes, pessoas da sociedade civil e do tecido empresarial. Todos aqueles que, ao quererem fazer parte da mudança, contribuem para acabar com a estagnação de ideias. Querem quebrar o paradigma dos que dizem e afirmam repetidamente que "sempre se fez assim", dos que continuam a utilizar as mesmas receitas e esperar resultados diferentes. Temos a firme crença de que podemos trazer mais intervenientes de dentro e fora do desporto, sempre por um bem maior, acima das nossas circunstâncias individuais, privilegiando os atletas, a comunidade, a sociedade e o grupo.
Se me perguntarem se existe alguma mágoa, são poucas, muito poucas, sendo, porém, uma resposta relativamente simples numa caminhada em que o lema maior é transformar um problema em oportunidade, mesmo tratando-se de uma equação relativamente complexa de resolver. Chamo-lhe o pecado capital dada a sua importância, quer na forma quer na consequência, de um pequeno grupo de pessoas que, ao exercerem os seus pequenos poderes, utilizam como estratagema uma linha de pensamento da Antiguidade Clássica e que tem como objetivo máximo dividir para reinar. Assistimos desencantados àqueles que promovem a fragmentação das concentrações legítimas de poder para enfraquecer um grupo que, antes de ser um adversário, deveria ser pela sua natureza um aliado.
Este é o verdadeiro pecado capital, praticado por quem o faz, pela responsabilidade que deve ter, pelas questões éticas e até pela defesa de um fenómeno de que hoje tanto se fala e pouco se pratica: a inclusão.
Falo dos atletas, de todas as classes, desportos, origens, raças, sexo e religião. Falo de dividir um grupo que se tem afirmado como uma entidade forte e independente, que soube ganhar a pulso o seu espaço, que quer dar voz e capacidade interventiva aos atletas, a todos os atletas, que quer dar palco e dar a conhecer os desafios e oportunidades que estes atletas podem e devem trazer para a sociedade civil. Desilude-nos ver aqueles que utilizam esta estratégia de combate de forma desleal e sorrateira.
Não devem ser merecedores de respeito, não merecem louvor, mesmo se em alguns casos obtêm os resultados desejados. A história acabará por fazer o julgamento necessário. Esta talvez seja a maior mágoa: os que dividem para reinar e também aqueles entre os atletas, um pequeno grupo mais incauto, que se deixa seduzir pelos afetos, pelas honrarias individuais, esquecendo o que nos torna fortes e interventivos, para os que foram atletas, para os que são, e para os que ainda estão por vir. Esta lógica de grupo é a força incontornável que nos pode dar garantias e condições de começarmos nossa carreira desportiva, sermos bons e excelentes, e mais tarde termos a segurança de enfrentar os dois terços da vida que ainda estão por vir, com a mesma paixão, segurança e ambição com que somos apaixonados pelo nosso desporto.
Temos um meio desportivo cheio de cerimónias de retribuição, compensação, homenagens, glorificação, muitas vezes à procura apenas do botão da sensibilidade dos atletas, procurando utilizar o reconhecimento com oportunismo, sabendo que é disso que os atletas individualmente e naturalmente gostam. Quanto a este último facto, está tudo certo. Mas esta estratégia de glorificação individual é perversa quando apenas serve como uma arma eficaz para evitar a criação de um corpo forte e unido, com força aglutinadora, positiva, contribuindo para que os atletas não se afirmem pelo coletivo e sejam meras figuras decorativas para conveniência de uns quantos, não promovendo nunca quem os representa.
O verdadeiro pecado capital, dividir atletas para reinar, pretende criar fissuras e desentendimentos, utilizando de forma consciente o medo, a divisão, anulando a capacidade interventiva e a voz enquanto grupo.
Quando ainda hoje se ouve em relação aos atletas que o que eles sabem é "dar uns pontapés na bola" ou que "só sabem correr" e que estas são as suas zonas de conforto, mais uma vez se está a alimentar o estigma do atleta incompetente para a vida social e para a vida profissional.
A nossa ambição é que todos se esforcem por dar dimensão social aos atletas, estes que têm capacidades e talento para bater recordes, saltar mais alto e mais longe e serem mais fortes, nas pistas e fora delas. Quando passamos o tempo todo a falar de ética, de responsabilidade social, de respeito, excelência e amizade, e a prática é ver as homenagens que, numa figura alegórica, representam o atleta na segunda fila, sendo chamado ao palco, levando uma pancadinha nas costas e voltando para a segunda fila, sem voz e sem capacidade interventiva, recorda-nos o velho mito de Sísifo condenado para toda a eternidade, a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que se aproxima do topo, a pedra rola novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.
O que pretendemos é a participação ativa dos atletas. Queremos transparência e comunicação aberta, procurar um ambiente de sã convivência com boas práticas de gestão transparente e comunicação clara num processo educativo para todos, com políticas de ética e integridade.
Queremos criar um ambiente de trabalho positivo e de apoio, onde os atletas se sintam valorizados e respeitados, onde, em última análise, possam melhorar o seu moral e o desempenho. Queremos abordar estes temas de maneira eficaz, não fugir deste debate. Todos, das organizações desportivas à sociedade civil, podem contribuir para melhorar as relações de todos os intervenientes, promovendo um ambiente mais saudável e produtivo para todos os envolvidos. É preciso que esta nova vaga de atletas dirigentes se afirme e comece este processo de mudança, tenha a lucidez suficiente para não cair na tentação de ser mais um do lado de lá, e arraste e comprometa nesta causa todos aqueles que de alguma maneira já se encontram noutras vestes, fazendo este caminho unidos na defesa da nossa classe.
Dividir atletas para reinar é o verdadeiro "pecado capital". Promover a unidade, a cooperação e o respeito mútuo é essencial para alcançar o sucesso e manter a integridade do desporto. Para isso, atletas deste país, temos de ser unidos e fortes.
P.S.: Faltam poucos dias para os Jogos Olímpicos de Paris e a Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal deseja a todos os qualificados, treinadores, dirigentes e restante staff uns magníficos Jogos Olímpicos, uma participação saudável e competitiva com resultados de topo, feitos com ética, respeito, excelência e amizade. FORÇA ATLETAS DE PORTUGAL!"
Luís Alves Monteiro, in Record
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