terça-feira, 21 de janeiro de 2025

BENFICA: NOTAS DE UMA SEMANA EM CRESCENDO


 

De um momento para o outro, o Benfica voltou a depender apenas dos seus resultados para atingir os objetivos a que se propõe em cada época, o mais importante dos quais sendo a vitória na Liga. Só tem que continuar a cumprir o seu desígnio natural a cada três dias: ganhar.

Bruno Lage, que já passou por muito no pouco tempo que leva, tem um mérito importante que deve ser assinalado. Passado o ímpeto inicial de vitórias que teve mais de psicológico do que de tático, Lage viu-se confrontado com o primeiro momento de stress pós-traumático com origem na sua passagem anterior pelo Benfica. A equipa cedeu bastante mais do que devia, mas, quando parecia prestes a quebrar, respondeu à chamada com alguns dos melhores minutos de futebol da época, o primeiro troféu em muito tempo, novas soluções para problemas antigos dentro de campo e uma confiança renovada no futuro.
Não tem sido propriamente uma montanha-russa, como explicava Ruben Amorim acerca do seu trajeto penoso no Manchester United, mas já lá vão uns solavancos. A vida ensinou-me que é melhor não tirar conclusões precipitadas, por isso mantenho uma desconfiança saudável, corretamente expressa na máxima que Bruno Lage repetiu vezes sem conta na sua primeira passagem pelo Benfica: jogo a jogo, treino a treino.
Mercado de inverno
É um mercado bastante atípico até agora, por um lado porque quase nada aconteceu, por outro porque algumas mudanças importantes parecem ter acontecido sem que o Benfica fosse ao mercado. Se por um lado ainda é cedo para afirmar que Leandro Barreiro vai demonstrar este faro de golo e importância ofensiva na segunda metade desta época, não é prematuro afirmar que Schjelderup é um caso sério de potencial e concretização do mesmo. Ninguém me convence que Bruno Lage não meteu o miúdo em campo após alguma pressão de adeptos e imprensa, mas também foi Lage quem decidiu mantê-lo em campo depois das evidentes melhorias no desempenho da equipa.
Tem sido interessante ver a forma como Schjelderup agarrou a oportunidade, em particular no contexto de uma reflexão recente de Lage, explicando que os miúdos hoje em dia querem tudo muito depressa e tendem a ficar frustrados. Compreendo o que quis dizer, mas também pode ser virtude quando se manifesta em campo. Andreas Schjelderup sempre me pareceu um miúdo com pressa de chegar à baliza, pressa de impressionar, pressa de vencer, uma caraterística que tem um de dois efeitos junto dos benfiquistas: amor, quando o jogador pega, ou uma tremenda ansiedade, quando o jogador parece tão ansioso como nós. Schjelderup ainda não parou de acelerar desde que conquistou a titularidade, como que demonstrando que esta pressa toda também tem as suas virtudes.
Tenho grandes esperanças para o seu primeiro jogo a sério na Champions frente ao Barcelona, noite que espero idêntica à que nos opôs ao Atlético de Madrid. Só espero que não se entusiasme demasiado com as próprias exibições, e ainda menos com os tweets do Fabrizio Romano nos próximos meses, porque meia Premier League já deve estar a salivar por este jogador.
Também há Manu Silva, jovem médio que, apesar do valor elevado da aquisição, reúne caraterísticas que fazem dele um jogador potencialmente útil ao plantel, em mais do que uma posição. É também o tipo de jogador que o Benfica há muito devia ter privilegiado nas suas incursões pelo mercado. Não é tão emocionante vê-lo chegar a Lisboa num intercidades, em vez da proverbial aterragem em Lisboa, mas é provável que o Benfica fique mais bem servido com este. Veremos como reage ao desafio maior, que é passar de um clube de média dimensão para um dos maiores do mundo. Já agora, ser do Benfica desde pequenino é uma boa cereja no topo do bolo.
Sobram posições para preencher, nomeadamente a de um lateral com a propensão ofensiva que o jogo da equipa pede, um médio ofensivo que consiga jogar a extremo e um avançado com baliza que consiga ser suplemento de golos quando os pontas de lança não aparecem a finalizar, o que tem sido quase sempre. E sobra o maior desafio de todos: mostrar que esta recente série, a mais consistente da época, tem pernas para durar até ao final. Só assim o Benfica atingirá os objetivos a que se propõe.
Adversários por um fio
Utilizo o plural porque me parece necessário incluir FC Porto e Sporting nesta análise, por motivos distintos.
O caso do FC Porto é o de uma crise existencial profunda. Os maus resultados e a saída de Vítor Bruno são apenas um dos capítulos iniciais. Depois de 40 anos daquilo, como diz a expressão, a nova direção portista sabia que teria de fazer um caminho das pedras para expurgar ou reinventar a cultura que notabilizou um clube essencialmente inventado por Pinto da Costa e, sabemos agora melhor, coadjuvado por uma claque com poderes quase ilimitados conferidos pelo presidente. Acontece que foi precisamente esta combinação de ingredientes que deu dimensão ao FC Porto. Sair daqui e mudar para melhor é um tipo de desafio que não vem com manual de instruções e, como sabemos, também não traz dinheiro na conta.
Os portistas continuam angustiados com o seu caminho até aqui. Querem saber quem são, o que fazem aqui e quem os abandonou, mas não conseguem esquecer que os meios anteriores sempre foram perdoados pelos fins. Aqui chegados, será que querem mesmo um novo ciclo com André Villas-Boas ou preferem um remake de uma saga que parece saída da lente de Francis Ford Coppola?
O Sporting encara desafios mais prosaicos. Imbuído do estatuto autoatribuído de clube diferente, ao Sporting e aos sportinguistas compete essencialmente perceber se a embrulhada em que Ruben Amorim e Frederico Varandas os colocaram tem saída. Será um teste gigantesco à liderança do presidente do clube, que dificilmente terá legitimidade para continuar a contratar treinadores se Rui Borges não for campeão. Bem sei que algumas pessoas já veem no Sporting um rolo compressor após a vitória em Vila do Conde, mas eu ainda vejo uma equipa presa por pontas, melhor na atitude, mas com algumas fragilidades. É possível que o regresso dos lesionados traga condições para competirem ao melhor nível na segunda volta, mas é cedo para afirmar que todos os lesionados terão a mesma eficácia e utilidade que tinham na ideia de jogo de Ruben Amorim.
Às vezes calha falar com sportinguistas e sei que estão quase tão confiantes como eu no sucesso da sua equipa esta época, apesar de alguns disfarçarem melhor do que outros. E o drama só não é existencial, por enquanto, porque não chegámos ao momento da verdade, em que poderemos colocar a questão que paira dia e noite sobre os sportinguistas: será Ruben Amorim uma anomalia estatística num clube cronicamente destinado a perder títulos mais vezes do que os ganha? Ou será possível libertar o clube desse fantasma?
Há auditorias e auditorias
A crise existencial dos outros não nos deve impedir de reconhecer algumas coisas que vivem um pouco à margem das rivalidades clubísticas. Antes que algum leitor me peça para criticar ferozmente as lacunas da auditoria dos outros, devo explicar que estou mais preocupado com as crateras da nossa auditoria, a que já foi realizada e a que só se fará no dia em que outra direção estiver no clube.
Os resultados da auditoria forense encomendada pelo FC Porto mostram uma vontade de apurar factos que não encontrei na atual direção do Benfica em relação à direção anterior. Bem sei que dois terços das pessoas são as mesmas, o que complica o exercício, mas não o deveria impossibilitar. Não sou eu que o digo, foi mesmo o presidente que deixou isso subentendido quando anunciou uma nova era de transparência no clube.
Como outras, foi uma promessa que durou menos tempo do que o contrato do Meité. Nada se fez para tornar mais consequente a auditoria realizada a 55 contratos identificados. Estes sugerem não só uma investigação mais exaustiva como aconselham vivamente a análise de um período mais extenso, que percorra os últimos 20 anos de gestão. Não é uma caça às bruxas. É mesmo uma dúvida perfeitamente razoável, confirmada pelas evidências já conhecidas.
Até hoje desconhecemos os motivos que levam a que a auditoria já realizada tenha sido essencialmente ignorada e tratada como o encerrar de um capítulo, portanto não se podem admirar quando tantos suspeitam por que assim será. Já sei que o futebol se impõe sempre e nunca é oportuno enveredar por estas coisas porque podemos perturbar isto e aquilo, mas em algum momento devemos chegar a esse entendimento mais completo da história. E teremos oportunidade de o fazer.
Vasco Mendonça, in a Bola

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