sábado, 21 de junho de 2025

LAGE CONTINUA A SER CURTO NO BENFICA



A imagem do treinador piora com o tempo. Títulos perdidos, sobressaem decisões táticas que o expõem, como a aposta em dois pontas de lanças puros em simultâneo ou Dahl na direita.
Não acredito que tudo o que se fazia no passado esteja obsoleto e este texto estará sempre longe de ser um manifesto contra esse futebol, que tantas e tão boas memórias me deu, à volta das quais eu próprio me construí como adepto e profissional.
Todos sabemos ainda que o jogo também evolui em círculos, das muitas vezes que mergulhou para o futuro, inspirando-se no que já antes se fazia, com muito ou pouco sucesso, e inserindo velhos eurekas noutros contextos, em novas dimensões físicas, graças a melhorias no treino, na alimentação e na ciência, a uma estratégia mais científica e, sobretudo, a uma roupagem bem mais sexy.
No entanto, se há imagem que me tira um pouco do sério é a de um treinador que pretende resolver uma partida com a entrada de um segundo ponta de lança, enquanto rouba um dos médios ao esquema habitual e fica naturalmente com menos gente para fazer a bola chegar com qualidade ao novo e ao antigo destinatários. O jogo mudou, ao ponto de compreendermos finalmente que muitas vezes se está mais perto de vencer se fizermos exatamente o contrário, se tirarmos um avançado para encaixar mais um médio, de forma a que se ganhe posse e critério e se encontrem os caminhos para a baliza.
Bem sei que trocar um médio ou um defesa por mais um avançado é decisão que recolheria a unanimidade em qualquer tasca — a expressão anda na moda —, todavia, soa tanto a anos 80, que mais parece procurar ter efeito populista do que ser eficaz, e se mostra pouco condizente com o treinador moderno que sempre achei que Bruno Lage fosse. Hoje, a maior parte dos técnicos mantém o modelo em que acredita, ainda que o vá reforçando ou acentuando com substituições, porque é o que trabalha todos os dias e aquele que antecipa, muito provavelmente, os problemas que se espera viver em campo, diante cada adversário.
Ainda por cima, essa substituição mais populista pode ser mensagem com dupla interpretação para os recetores mais próximos, a terem de escolher entre um vamos para cima deles e a conclusão de que se trata de uma manifestação de desespero por parte de quem deveria ser sobriedade, crença e inteligência quando lidera. Sobretudo ao intervalo.
Não quero acreditar que Bruno Lage tenha visto espaço suficiente nas costas do bloco baixo argentino para que a equipa verticalizasse o seu processo — ainda mais com pouca ou nenhuma utilização em simultâneo de Pavlidis e Belotti, já para não falar da evidente falta de química entre os dois — ou não tenha feito contas à natural fragilização do meio-campo diante de jogadores tão agressivos quanto os do Boca. Era expectável que perdessem o pouco controlo que tinham.
Dificilmente aquela energia que se viu no seu irmão e adjunto Luís Nascimento na entrevista rápida ao intervalo — terá surpreendido muito boa gente — seria suficiente para dar a volta, mesmo que todos os jogadores desta bebessem na mesma medida. Uma bola parada, já com as águias reduzidas a dez devido à, no mínimo descuidada, entrada de Belotti com o pé bem alto, minimizou os estragos para um conjunto que apenas durante 10, 15 minutos aplicou o plano traçado e, a partir do primeiro golo sofrido, foi incapaz de recuperá-lo. Inexplicavelmente.
É por situações destas, a meu ver, que Lage vai perdendo alguns pontos. Poderá ser a minha memória a trair-me, mas não me lembro de decisões semelhantes nos primeiros tempos com a equipa principal. Mesmo que o Benfica jogasse com dois avançados-centro logo de início, um deles, João Félix, era muito móvel, Jonas entrava muitas vezes, quando estava bem fisicamente, e Pizzi e Rafa (e Grimaldo) ofereciam soluções por dentro. O treinador mudou assim tanto?
Será que quer reforçar a ideia, junto dos adeptos, que é um deles e, como tal, pensa da mesma forma e hoje até é mais feijão com arroz como… lhe pediam no Botafogo, tendo em conta o que reclamava aos jogadores? Será que se perdeu algures na viagem devido as pressões externas?
Recordo-me do Benfica-FC Porto de 2019/20 (0-2) e de Nuno Tavares a lateral-direito (com Pizzi a médio mais à frente) e até acho que, com algum treino, não estivesse Sérgio Conceição do outro lado pronto para abafar o agora jogador da Lazio, poderia ter funcionado melhor do que Dahl e Di María no jogo com o Boca Juniors. Afinal, não era desde logo previsível que aconteceria o que aconteceu, com o flanco direito a interromper-se a si próprio no meio do meio-campo rival? Bastante, parece-me.
Lage não ganharia igualmente a vida como orador motivacional, temos de reconhecê-lo. Não precisa de sê-lo com a Imprensa, porém também não o é junto dos jogadores. E esta falência na comunicação para dentro notou-se em jogos muito importantes e em que a equipa entrou com níveis demasiados baixos de adrenalina, o que se refletiu nos resultados. Não ganhará um jogo com a mensagem, isso parece-me inequívoco, e muitos hoje são arrebatados assim.
A imagem com que termina junto dos adeptos não será tão má quanto isso, o que levará, mais o baixo custo, a Rui Costa a mantê-lo no banco. Afinal, estabilizou a equipa, acabou a lutar pelo título, não ganhou a Taça de Portugal por alguns segundos e conquistou a Taça da Liga. Houve, não menos importante, uma participação digna na Champions, com vitórias a lembrar velhas grandes noites europeias. Para o adepto, esse quase será o suficiente para o benefício da dúvida. Desde o primeiro dia que Lage semeia essa relação e colhe agora, juntando-lhe, mais uma vez, os méritos reconhecidos, os frutos.
Será suficiente? Tenham sido ou não com um propósito estas mudanças — se é que são mudanças, porque nem isso tenho como dado adquirido —, diria que o técnico aumentou as expetativas de tal forma, dividindo aí as responsabilidades com a crise no Sporting e a saída de Ruben Amorim, que acabou a ficar curto. E nos Estados Unidos, naturalmente, também está a sê-lo. Essa diferença, numa época com rivais sólidos, ser-lhe-á muitas vezes fatal.

Luís Mateus, in a Bola 

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