sexta-feira, 13 de junho de 2025

NA MINHA EQUIPA, JOÃO FÉLIX JOGARIA SEMPRE!



 João Félix. Outra vez e não de vez! O talento que retém merece que falemos dele uma e outra vez, enquanto for possível, enquanto for tempo e, também nós, porque também caminhamos rapidamente para tal, não percamos a vez.

Mesmo que o culpado esteja há muito encontrado, a sentença proferida e se encolham mais vezes os ombros do que se procuram soluções de reinserção. O que também faz parte do mundo em que sobrevivemos, graças às golfadas de esperança que engolimos em vez de oxigénio para que tudo corra pelo melhor.
A explicação foi em tantas ocasiões tão simples quanto profana: o quando quer pressupôs sempre que houve momentos em que não quis, como se fosse possível ou sequer humano escolher conscientemente o lado errado e ficar feliz com as consequências. A explicação mais inócua de sempre continua a ser a da falta de atitude. Serve para tudo e não serve para nada. E, nos entretantos, habituamo-nos a que um Essugo lhe tome lugar e número e não salte do banco enquanto Cristiano, o exemplo que os catedráticos apontam que deveria perseguir para ser enorme – basta olhar para a longa fila de enormes que o perseguem para se perceber que têm razão –, anda a brincar como falso falso 9 diante de alemães e espanhóis, até finalmente se conseguir desembaraçar da farta permanente do Cucurella, torná-la fio de lã, depois tapete de Arraiolos, e atirar fácil com o siiiim arrastado do costume.
Bem vi Dani — o melhor com 18 anos até aparecer Félix e agora Yamal, ainda mais precoce e impositivo — perder-se, entre o não precisar e o já ter tudo, fazendo o mundo virar-se para si enquanto levemente caminhava, seduzindo sem precisar de correr ou transpirar, encontrando-se a si próprio sempre que saía de campo em Londres, Amesterdão e Madrid, e não sei se resistirei ver apagar-se a chama que cada vez mais se consome e se diminui no ex-Benfica. Não sinto que a consiga alimentar ao ponto de querer sozinho provar ao planeta inteiro que nunca o conseguirá explicar numa fórmula linear ou simplificada. Que não é não querer, mas talvez não conseguir vestir o fato que lhe compraram para todos os jogos, sempre com o mesmo dress code de festa de gala. Talvez apenas isso.
Precisa que o deixem ser como é, mesmo ao preço que custou e que já para nada serve, a não ser chatear e embaraçar quem o pagou, ou não verão nada daquilo que ainda pode oferecer.
Quando penso em João Félix lembro-me de Alcaraz, ainda cheio de pó de tijolo por sacudir dos ténis que começaram por não ser laranja, poucas semanas após reconhecer que poderia ser ainda melhor ou mais consistente se se sujeitasse às exigências dos grandes campeões. Algo que não o pode fazer porque há coisas na vida que não se podem perder. Sobretudo aos 22 anos. Entretanto, ganhou com brilho tão intenso em Roland Garros quanto pode vir a perder, sem qualquer glamour, dentro de dias, em Wimbledon ou num torneio menor, diante de rivais bem mais frágeis. Lembro-me de João Vieira Pinto, que fracassou no estrangeiro, rebaixado a um frio Atlético Madrileño, e voltou para ser ainda assim um dos melhores da história em português, saltando entre cognomes de um lado para o outro da Segunda Circular, depois da maior nota alguma vez dada por este jornal desportivo.
O que João Félix mais precisa é de conforto. Que confiem. Que saibam esperar. Que acreditem que o talento não se esgotou. Aliás, transpira de tempos a tempos, agora muitas vezes de costas para a baliza, antes de arrancar decidido. Mas não lhe entreguem a batuta e peçam que decida. Que resolva todos os problemas da Humanidade em três ou quatro fintas, que seja o Sol e que a equipa gire à sua volta. Talvez um dia, não hoje. Não agora. Não já. Seja onde for, por que camisola ou escudo for. Não lhe deem penáltis para marcar, livres para converter, decisões para tomar. Deixem-no livre para pensar e agir, encaixem-no onde não precisem que dali volte, e esperem que aconteça.
Quantas vezes vimos Félix virar à esquerda e a equipa à direita, ou atacar o espaço e os colegas reciclarem a posse? Pedir a bola entre linhas e o central bater longo? Chegar para o apoio e saírem em largura? Quando chega a um grupo a língua que fala é outra, muito mais erudita, habituada a grandes dissertações, em vez de conversas de circunstância. E, contudo, aguenta cada vez menos tempo no 11. Tem mais oportunidades um ponta de lança que não marca, mas que pressiona e ajuda a defender, do que ele, que quer ajudar a atacar. A encontrar o espaço, a desbravar o caminho, a facilitar a progressão. O que também diz muito da forma como o futebol evoluiu nas nossas cabeças e, depois, no relvado.
Não sei conheço o futuro, mas as cartas não estão necessariamente a seu favor. O futebol não precisa de números 10 e retirou-os de posição até deixar, paradoxalmente, de ter posição para eles. Pensar rápido tornou-se mais importante do que pensar bem, não sei se porque se acredita que, mais tarde ou mais cedo, surgirão mais oportunidades no meio da vertigem e da sofreguidão. O 10 também deixou fugir o seu tempo de raciocínio, mesmo que a sabedoria popular nos tenha garantido a nós e aos nossos antepassados que depressa e bem não há quem. Hoje, provérbios à parte, é atropelado pelos extremos velocistas, ficando a girar como os romanos das estórias do Asterix. Os 8 melhoraram na visão e na execução, tal como os 6 e até os centrais. Tudo mudou!
Não sei se voltar a casa é ou não a melhor solução. Era importante que não fosse uma a arder em Milão, uma sobrelotada com dezenas de projetos e sem balneário para todos em Londres ou outra de portas e janelas hermeticamente fechadas em Madrid. Até a do Barcelona parecia tão inacabada na altura quanto a maior obra de Gaudí. Regressar a casa significaria, provavelmente, o fim de todos os sonhos, mas sobretudo uma boa vida de mortal. Dificilmente, tudo voltará a ser como antes.
Custa-me ver João Félix perder-se. Porque, já o disse, e continuo a acreditar: na minha equipa jogaria sempre e como falso 9. Depois, logo escolheria os outros dez.
Luís Mateus, in a Bola

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