domingo, 16 de outubro de 2016

GRANDE ENTREVISTA A NUNO GOMES


"Formação do Benfica está ao nível dos grandes clubes mundiais"
Quase a completar um ano nas novas funções, considera que o Benfica tem atualmente a melhor formação em Portugal e que o ideal seria colocar na equipa principal até três jovens em cada nova temporada
Está a completar um ano no cargo de diretor da Caixa Futebol Campus. Que balanço faz?
Tem sido uma experiência fantástica, numa área que me fascina, pois permite-me estar perto de tudo o que envolve o futebol de formação, ter contacto direto com jogadores e treinadores. Era o que eu tinha idealizado para o pós-carreira, poder ajudar o Benfica e continuar ligado ao clube. Tenho de agradecer às pessoas que apostaram em mim e a toda a máquina que trabalha na sombra e que não é face visível. E também aos que têm trabalhado aqui nos últimos dez anos, que ajudaram a que o clube seja hoje reconhecido internacionalmente como uma das melhores academias do mundo.
Ainda sente que está numa fase de aprendizagem?
Estamos sempre, aqui como em outras áreas. Acho que vou estar num processo de aprendizagem toda a vida. Lidamos com situações que nos ensinam a não cometer os mesmos erros e a estar mais bem preparados. Havia funcionamentos que desconhecia mas que com o tempo fui estando por dentro. Hoje já lido melhor com essas situações. Numa estrutura tão grande como a nossa todos os dias surgem situações imprevisíveis.
Há uns meses disse que era uma utopia pensar-se na equipa principal do Benfica só com jogadores da formação. Mantém essa ideia?
De facto, utilizei esse termo, mas não quer dizer que seja uma coisa impossível. Mas continuo a achar que é muito complicado uma equipa do calibre do Benfica, envolvida nas competições em que está e a querer ganhar todos os jogos, seguir esse caminho. Para isso teríamos de preparar durante dois, três ou quatro anos uma equipa. Mas se calhar nesses anos em termos de conquistas seríamos obrigados a prescindir de alguma coisa.
Então não é possível...
Seria o cenário ideal e o Benfica no passado já o fez. E ganhava com jogadores maioritariamente formados no clube e portugueses que constituíam a base da seleção. Não posso dizer que é uma utopia. Mas o futebol mudou, o poder financeiro dos clubes é diferente. Para sermos competitivos temos de lutar contra outras equipas. O ideal é alimentar a equipa principal com jogadores da nossa formação, esse é o objetivo. Mas é preciso outro tipo de futebolistas para ajudar a suportar a inexperiência dos jovens formados na nossa casa. Havia muita gente que dizia que um jogador de futebol só a partir dos 28 anos é que se tornava completo. Dos 18 aos 28 ainda vão dez anos...
O presidente do Benfica não se tem cansado de falar da importância da formação e que quer cada vez mais jogadores. Existe alguma meta traçada ou a obrigatoriedade de ter na equipa principal todos os anos um certo número de jovens?
Não está definida nenhuma meta no tempo de objetivos a cumprir nesse aspeto. Temos sim essa ideia em mente, que é todos anos conseguirmos alimentar a equipa principal com um, dois, três jogadores da formação. E acho que nos últimos anos isso tem acontecido. Mas não há um número definido.
Mas qual é o número ideal de jogadores para subirem por ano à equipa principal?
O subir aos seniores num clube como o Benfica é um acontecimento muito marcante para um jovem, é um sinal de qualidade. Não é fácil um júnior ser promovido logo no primeiro ano, o mais normal é rodar primeiro. Hoje em dia conseguirmos colocar até três jogadores na equipa principal é uma grande vitória. Um que seja já é muito importante.
Bernardo Silva saiu praticamente sem jogar; Renato Sanches também nem uma época inteira completou. Existe agora alguma diretriz para tentar manter mais tempo os jovens talentos?
O problema é que a lei do mercado obriga a que muitas vezes os jogadores passem pouco tempo connosco. Não é uma situação nova. O jogador português chega a uma determinada altura em que os clubes detentores do passe não conseguem competir com os gigantes europeus. As propostas são tentadoras e muitas irrecusáveis. O cenário ideal seria aguentar o máximo de tempo possível esses jovens. E a ideia passa por tentarmos conseguir isso. Mas há propostas irrecusáveis. Já no meu tempo de jogador essa situação se colocava. Os clubes portugueses não conseguem competir financeiramente com as grandes potências.
Como diretor da formação como vê a saída destes jovens talentos?
Há os dois lados da balança. Eu gostava muito de ver o Bernardo Silva hoje a jogar no Benfica. E espero que no futuro isso possa acontecer. O mesmo se aplica ao Renato Sanches. Por um lado, há o orgulho de conseguirmos produzir um jogador com o nosso ADN e que está a conseguir fazer uma carreira de sucesso lá fora. Mas ao mesmo tempo gostávamos de os ver aqui. É um misto de sentimentos diferentes.
Quase diariamente fala-se do assédio a Gonçalo Guedes, Lindelöf e Nélson Semedo. São os próximos a sair?
É um reconhecimento do nosso trabalho. Orgulha-nos ver o nome desses e de outros jovens associados a grandes clubes europeus. É sinal de que estamos a trabalhar bem. Se vão sair ou não, não sei.
Pode afirmar que atualmente o Benfica tem a melhor formação em Portugal?
Não tenho dúvida nenhuma. Em termos de infraestruturas e condições de trabalho estamos à frente. Ser a melhor formação, na minha ótica, não é ser o clube que ganha mais títulos nesses escalões. Damos importância aos resultados, a ganhar campeonatos, mas damos um bocadinho mais ao desenvolvimento do jogador e ao que vai ser o seu futuro. Estamos a trabalhar muito bem e o feedback que tenho recebido de toda a gente é que estamos um bocado à frente dos outros clubes portugueses. O Sporting começou mais cedo e tirou muita vantagem, porque o Benfica não tinha um espaço físico. Mas hoje em dia a formação do Benfica está ao nível dos grandes clubes mundiais. É o feedback que tenho das equipas estrangeiras que nos visitam ou em viagens que faço para conhecer outras realidades. Estamos ao nível dos melhores.
Como é feita a ligação com o treinador Rui Vitória e como ele tem conhecimento dos valores que vão despontando?
Rui Vitória tem um conhecimento muito profundo de todos os jogadores da formação do Benfica. Obviamente com mais foco na equipa B e nos juniores, até porque assiste a jogos. Mas reunimos periodicamente para falar sobre determinados jogadores. Muitos são chamados durante a semana para trabalhar na equipa B e na principal. Um dia que precise de um lateral-esquerdo, um médio ou um avançado, esse jogador está referenciado. No passado não existiam estas sinergias para um clube que quer cada vez mais apostar na formação e ver jogadores na equipa principal.
Luís Filipe Vieira disse recentemente numa entrevista que Jorge Jesus não entrava no atual projeto do Benfica...
O facto de Rui Vitória ter um passado na formação do Benfica tem sido muito importante, pois conhece a realidade e como se trabalha no clube. Depois, depende de cada um, tem que ver com a forma de trabalhar. Há treinadores que não olham tanto para a formação, e há outros que têm esse cuidado. O Rui Vitória nesse sentido tem sido importante, pois dá-nos feedback em relação a determinados jovens, que depois podemos trabalhar conforme as ideias do treinador. Há também hoje um sinal forte de que não existe qualquer tipo de preconceito em relação à idade do jogador.
Com Rui Vitória os jovens têm mais esperança de chegar à equipa principal do que no passado?
Acho que sim. É notório que nos últimos dois anos tem havido mais oportunidades para os nossos jovens. Mas isto não quer dizer que agora as portas estejam escancaradas para todos. É importante que todas as pessoas envolvidas neste processo saibam que ser jogador do Benfica não é para todos. Nunca foi e não vai ser nunca! É preciso muita vontade, qualidade e talento. E é preciso provar que se merece estar na equipa principal. O simples facto de ser formado no clube não é um selo de garantia para chegar à equipa principal. Nem todos conseguem.
Há uns meses disse que José Gomes ia chegar à equipa principal. E chegou. Quer arriscar mais nomes?
Dei o exemplo do José Gomes num determinado contexto, depois de Portugal ter ganho o Europeu de sub-17 e de ele se ter destacado. Uma série de acontecimentos [lesões de jogadores no ataque] proporcionaram que ele tivesse essa oportunidade. Tem estado muito bem, mas podia já ter marcado um golinho ou outro. Mas tem cumprido com aquilo que se esperava dele. Estou certo de que mais tarde ou mais cedo vai aparecer mais vezes na equipa principal, apesar de ainda precisar de ganhar calo. Tem todas as qualidades para vir a ser o nosso ponta-de-lança e da seleção durante muito tempo.
Quais são os passos que se dão desde a primeira observação à contratação de um jovem?
Portugal não é assim tão grande e temos uma estrutura montada com olhos em todos os cantos do país. Chegam-nos muitas informações para estarmos atentos a um ou outro miúdo, noutros casos somos nós que os descobrimos. Hoje, os miúdos surgem cada vez mais precocemente. Até já existem crianças com empresários! Muitas vezes não há dúvidas, vemos logo que está ali um bom jogador. Noutros casos, não. E obrigam a que haja mais observações. Tenho de realçar a importância dos centros de formação e treino que temos em Faro, Braga, Aveiro e Viseu. Quando são detetados tornam-se jogadores do Benfica, mas a jogar nesses centros. Depois, aos 12, 13 anos passam para aqui. Exemplos disso são o João Carvalho e o Diogo Gonçalves. É uma base de recrutamento importante. A partir daí depende da evolução deles conseguirem chegar a patamares mais altos.
"Ser presidente? Não tenho essa ambição, estou bem onde estou"

O ex-avançado recorda nesta entrevista o melhor e o pior momento da carreira e desvenda quem foram os jogadores com quem mais gostou de formar dupla
Terminou a carreira com 36 anos no Blackburn Rovers. Não teve oportunidade de fazer um último ano num eldorado?
Fui sempre adiando a decisão de ir fazer um ano aos Estados Unidos, ao Dubai ou ao Qatar por achar que seria o fim da minha carreira como jogador. Mas vou ser sincero: quando o quis fazer as portas já estavam fechadas. Mas também já estava com 36 anos! Queria juntar o útil ao agradável e jogar um ano em Nova Iorque. Estive ainda em negociações com o Cosmos, mas acabei no Blackburn Rovers. Depois pensei: ou é para os Estados Unidos ou arrumo as botas. Estive lá um mês e meio, mas acabou por não se concretizar. Quando regressei decidi arrumar as botas, até porque já estava quase há seis meses sem jogar.
Qual a melhor recordação que guarda de um jogo de futebol?
Foi quando o Benfica foi campeão no Bessa, o meu primeiro titulo de campeão pelo Benfica (na temporada 2004--05). Foi das melhores coisas que me aconteceram no futebol. Também gostei muito de ter participado nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996. Apesar de na altura o futebol não estar muito imbuído no espírito olímpico, gostei pela experiência. Posso dizer que estive em campeonatos da Europa, Mundial e nos Jogos Olímpicos.
E a pior recordação?
A momento da morte do Miklos Fehér. Eu não estava em campo naquele dia em Guimarães. Estava em Lisboa, a recuperar de uma lesão, em casa a ver o jogo pela televisão. Foi o momento mais difícil...
Há algum falhanço daqueles flagrantes que ainda hoje recorde e pense como foi possível falhar aquele golo?
[risos] Alguns adeptos vão gostar da minha resposta. Tenho mais do que um! Houve alguns falhanços de levantar milhares de pessoas no estádio a chamar-me nomes. Há um, num jogo com o Espanyol para a Liga Europa [2007], que ainda hoje, às vezes à conversa com o Rui Costa, recordamos esse lance. Ele cruzou uma bola e eu estava a meio metro da linha de golo. Decidi fazer um carrinho para entrar com a bola pela baliza dentro. Mas a bola não entrou. Dava-nos a passagem às meias--finais [o Benfica tinha perdido na primeira mão por 3-2 e empatou a zero no Estádio da Luz].
Teve dezenas de treinadores ao longo da carreira. Qual aquele que mais o marcou?
Respondo sempre que foi o primeiro, no Amarante, o meu treinador mesmo oficial nos infantis, o Sr. Chantre. Mais do que um treinador, era um pai. Marcou--me pela forma de ser e não tanto por aquilo que nos ensinava, pois se calhar a minha capacidade na altura, com 10, 11 anos, não era muita. Depois, mais a nível profissional, marcou-me muito o Fatih Terim, na Fiorentina [2000--2001]. É engraçado porque tem muito mais que ver com relação dele como ser humano do que do treinador que era. Tinha muito a ganhar por ser a pessoa que era. Um motivador de homens, um grande líder. Muitas vezes entrávamos em campo para lutar por uma pessoa de que gostávamos.
E o colega de ataque com quem mais gostou de formar dupla?
Tive a felicidade de jogar ao lado de grandes jogadores. O João Vieira Pinto, o Jimmy, o Miccoli, o Cardozo... Sentia-me sempre melhor a jogar com um apoio na frente, embora o João Pinto e o Micolli sejam diferentes do Jimmy ou de um Bryan Deane. Para as minhas características gostava mais de um Jimmy, um Deane ou um Cardozo, que me facilitavam a vida. Mas não posso deixar de falar em João Pinto, Miccoli e mesmo no Saviola.
Está nas suas ambições um dia tornar-se presidente do Benfica?
Não, não tenho essa ambição. Não faço planos a médio ou longo prazo até porque não sabemos o dia de amanhã. Mas sinceramente não tenho essa ambição e sinto-me bem onde estou. Já representei o Benfica noutras funções [diretor das relações internacionais], hoje estou noutras [diretor da formação], amanhã posso mudar. Sinto-me realizado por estar a trabalhar no Benfica seja em que função for.

In DN

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