quarta-feira, 3 de maio de 2017
VIEIRA, UM PRESIDENTE DIFERENTE
Pinto Da Costa recebeu auxílio inesperado e curioso. O líder leonino, hábil a dizer coisas, disponibilizou-se para o trabalho mais frenético.
Na última sexta-feira, na Casa do Benfica de Grândola, Luís Filipe Vieira em discurso bem estruturado, considerou ser chegada a hora de os órgãos que dirigem o futebol português "assumirem de forma clara a necessidade de se adotarem regras mais rigorosas e transparentes que protejam a indústria do futebol". Reclamou uma disciplina desportiva em que as decisões "sejam respeitadas e não impunemente desafiadas". Uma justiça célere com "regras duras e punitivas, que a todos obriguem a necessária reserva, em defesa de todos os agentes desportivos". Na mesma intervenção, criticou o silêncio do presidente da Liga. Ao fazê-lo, pactuou com o "crescente clima de intimidação e crispação que alguns quiseram trazer para o futebol português" e perdeu autoridade ao "apenas falar agora", numa alusão ao artigo de opinião publicado em A Bola (25 de abril), no qual Pedro Proença sugerem que se pousem "machados de guerra" e propõe uma cimeira ao mais alto nível para se discutir em local próprio tudo quanto deva ser discutido para o progresso doo futebol profissional.
Em Grândola, Vieira valorizou a grandeza do Benfica, prometeu manter o rumo, avisou que é preciso lutar "contra muitas adversidades" e pediu que se dê pouca conversa a quem pouco importa. Foi um discurso com força e diferente, feito de esperança, de confiança e de paz. É verdade que Pedro Proença tem revelado astúcia para passar pelos intervalos dos pingos da chuva sem se constipar, não por receio de problemas ou por ausência de ideias para os resolver. Simplesmente, talvez não tivesse avaliado com a prudência devida a complexidade da empreitada a que se propôs, depois de ter triunfado em processo de rutura quando derrotou Luís Duque em eleições, o candidato do pastel de bacalhau, respaldado no situacionismo em falência que, sem avisar, o deixou cair. Proença possui inteligência e ambição bastantes para se bater com os sonhadores do regresso a um passado de "triste memória", como alertou Vieira. Além de, confirma com quem ele lida, ser muito competente e de horizontes amplos, todavia cauteloso nos passos que dá, progredindo com a estabilidade que a sua personalidade lhe determina, talvez mais devagar, mas com mais certeza de serem aceites as soluções por si apresentadas. Não surpreende, por isso, a resposta rápida que foi dada às preocupações do presidente benfiquista, sintetizada também através de A bola, na sua edição de sábado, em que se notícia que em próxima assembleia geral da Liga irão ser anunciadas medidas que apontam para o agravamento das penas por condutas indevidas dos agentes desportivos, com multas mais pesadas e penas de perdas de pontos para os clubes prevaricadores. Ficámos a saber também que as propostas de alterações ao regulamento disciplinar foram desenvolvidas em grupos de trabalho que contaram com a participação de quase todas as sociedades desportivas, nomeadamente Benfica, FC porto e Sporting. O chamado jogo fora das quatro linhas foi uma artimanha durante anos movida por sinistras influências que exerceu poder e produziu dividendos. É o passado mau a que se refere Vieira. Favores a árbitros, escolhas para jogos e suas classificações, trocas de treinadores, privilegiando os amigos em detrimento dos independentes, sem olhar a competências, enfim uma teia de interesses e conveniências geralmente acautelada à mesa de restaurantes ou no bulício de estabelecimentos noturnos. Vivia-se no tempo em que a organização do futebol funcionava ao contrário. As decisões eram tomadas em espaços de restauração e similares e depois transmitidas aos gabinetes para execução. Assim, com este despudor, sem ninguém se comprometer, favor para cá, favor para lá. Até um dia... como é público. Afinal o que está em causa? "Visto pelos seus seguidores como estratega de inigualáveis dotes, Pinto da Costa sabe que a sua grande dor de cabeça se chama Benfica e a possibilidade de o ver campeão pelo quarto ano seguido corresponderá, em definitivo, não só a mudança de ciclo no futebol português como à sua própria capitulação" texto por mim escrito e publicado neste espaço em julho de 2015. O que se passou, entretanto? PC adquiriu infinito prestígio durante os 35 anos na presidência do FC Porto e resiste, embora cada vez mais isolado e temendo que o tetra benfiquista seja a antecâmara do fim do seu longo consulado. Temor que explica a estratégia do vale tudo, o ataque aos árbitros e aos seus dirigentes, a vozeirada de comentadores com ou sem cartilha, a boçalidade de dirigentes e outros agentes. Tudo é bem-vindo se ajudar à confusão, à intriga, à manipulação da opinião pública. Tem sido assim nos últimos trés anos. A diferença é que, ao quarto, PC recebeu auxílio inesperado e curioso, embora de muita utilidade, poupando-o de confrontações que a sua idade já não aconselha. O presidente leonino, hábil a dizer coisas, disponibilizou-se para o trabalho mais frenético, convencido de que, com essa parceria, importunaria o vizinho da mesma rua. Em vez de marcar o seu território e lutar por ele com equidistância dos dois rivais optou por cortejar um, pensando, com isso, fragilizar o outro. Falhou.
Aumentou a gritaria, sim, mas comprometeu o presente e, se calhar, hipotecou o futuro. Há um ano, por esta altura, o título discutia-se entre Benfica e Sporting. Agora, discute-se entre Benfica e FC Porto.
Fernando Guerra, in a bola
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