Quase duas semanas sem jogos (entenda-se, sem jogos dos nossos campeonatos) deixam-me meio adormecido, apático. Sem jeito até. O que vale é que a equipa de todos nós vai preenchendo, com qualidade inquestionável, esse vazio. Mas, com todo o respeito pelas quinas no nosso coração, confesso que tenho saudades da competição regular. Do frenesim e da agitação dos lances, dos fins de semana cheios de bola, do entusiasmo de norte a sul do País. Esta fome, muito latina, muito minha, muito nossa, não impediu que tivéssemos notícias interessantes neste período. Pelo contrário. O fecho do mercado de transferências marcou a agenda com a habitual movimentação de última hora. Entre saídas e entradas e entradas e saídas, a maioria dos clubes conseguiu aliar à mais-valia desportiva um encaixe financeiro interessante. O encontro dessas vontades nem sempre é possível, mas na hora de bem vender e melhor comprar os nossos emblemas dão cartas em talento e competência. Mérito da obra-prima que construíram e souberam apurar. Mérito também da agilidade que têm e sempre tiveram para a arte de bem negociar. Pena é que essa notável capacidade nem sempre seja acompanhada pela inteligência estratégia de focar naquilo que importa.
Já viram como somos estranhos? É que, apesar de por um lado sermos uma nação de argumentos futebolísticos e inegáveis, por outro continuamos a alimentar novelas caseiras sem interesse, que nada acrescentam ao espectáculo. O pior nem é o facto de alguns dos nossos agentes desportivos, tão capazes e evoluídos numas coisas, escolherem a via da conflitualidade, da insinuação e da acusação sistemáticas. O pior é que não compreendem que ninguém se importa. Que ninguém liga. Que ninguém quer saber. Claro que este raciocínio exclui a franja dos que não gostam de futebol: os facciosos, os mais influenciáveis e os pobres de espírito. Mas inclui todos os outros. Por isso pergunto: valerá mesmo a pena a opção? Será esse o caminho certo para a valorização do futebol? Será que a troca intermitente de argumentos dignifica a dimensão de instituições tão distintas e prestigiadas? A quem cabe afinal o ganho de uma pseudoguerra de bastidores? A quem fala em último lugar? A quem dá a bicada mais original? A quem responde com mais pinta, mais ironia, mais humor? A quem tem mais gostos e partilhas? O que ganham, verdadeiramente, com isso? Pontos? Jogos? A simpatia dos adeptos? Durante quanto tempo? E que benefício directo e prático resulta dessa escolha? Vitórias? Golos? Penáltis a favor?
Honestamente não percebo. E penso que qualquer pessoa equilibrada, razoável e ponderada também não percebe. Quem gosta de futebol, gosta mesmo de futebol. Do futebol. Gosta de coisas claras, de jogo limpo e da manobras transparentes. Gosta que a verdade venha ao de cima mas provada com factos concretos. Em silêncio. Com discrição. Não quis seja insistentemente especulada em praça pública, com insinuações e ruído constantes. Quem gosta de futebol a sério gosta também de sentir que a justiça, quando actua, é equitativa, proporcional e adequada. E por isso, quando o resultado da sua acção é distinto do esperado - ainda que fundamentado em argumentos regulamentares inatacáveis - gera desconforto. Desilusão. Descrença. É que, tal como se exige que os árbitros tomem sempre as decisões que o futebol espera que tomem... também se espera que a justiça faça o mesmo. Porque cabe-lhe a ela, tal como cabe aos árbitros, serem o exemplo maior e o da pacificação e da credibilidade do jogo. Senão, ninguém entende, ninguém percebe. Ninguém acredita.
Bem, mas sabem o que vos digo? Hoje há é terça-feira e o campeonato regressa daqui a três dias. Venham os penáltis, os vermelhos e as decisões dos videoárbitros. É sempre um assunto sensível, mas ao mesmo foca no que acontece directamente no relvado. Onde moram quem tem importância de verdade."
Duarte Gomes, in A Bola
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