sábado, 28 de outubro de 2017

FUTEBOL PORTUGUÊS ESTÁ INGOVERNÁVEL


A ida de Fernando Gomes à AR é um sinal claro de que o futebol, nas suas múltiplas especificidades normativas e regulamentares, não se consegue auto-regular.

Essa verificação torna-se de tal modo mais presente a partir do momento em que o presidente da Liga, Pedro Proença, havia elencado um conjunto de preocupações não muito distantes daquelas que o presidente da FPF tornou ainda mais claras com a sua ida à Assembleia da República.

O futebol tem, pois, um problema de auto-regulação. Não é de agora. É de sempre. O futebol, em Portugal, tem sido dominado nas suas estruturas pelos ‘clubes dominantes’. Quais são os ‘clubes dominantes’? São os clubes que ganham mais vezes. Em Portugal, Benfica e FC Porto, alternadamente. Não é apenas uma questão de dimensão social e associativa. O Sporting, através do seu estatuto de ‘clube grande’, não tem conseguido muito mais do que um papel activo na ‘oposição’, que se tornou compulsivo e com uma dose de eficácia reduzida por causa do estilo histriónico e anárquico de Bruno de Carvalho.

Nunca, em tão pouco tempo, se tem falado da intervenção do Governo no futebol. O Benfica e o Sporting, em campos opostos, já o fizeram. Nesta matéria, o FC Porto tem sido um pouco mais conservador e cauteloso.

Qual é, preto no branco, o grande problema do nosso futebol? É preciso assumi-lo: a hostilidade entre os três maiores clubes portugueses.

Nenhum dos maiores responsáveis do Benfica, FC Porto e Sporting têm separado a rivalidade, as divergências e os anseios particulares daquilo que é o interesse comum — institucional e do desenvolvimento e protecção da ‘indústria’. Neste particular, o futebol português parece um parque infantil, uma brincadeira de rapazes pequenos.

Porquê? Porque estão viciados na obsessão do controlo e, por isso, os clubes ‘grandes’ arruínam-se nesta visão totalitária de se quererem impor a tudo e a todos. Na FPF, na Liga, nos Estado, na AR, na Comunicação Social e em todos os órgãos com capacidade decisória, principalmente nos domínios da Disciplina e da Arbitragem. As ‘fórmulas’ podem ser diferentes mas nessa obsessão de controlo (e de intolerância) são todos muito iguais.

O Benfica, o FC Porto e o Sporting acham que sabem mais de Arbitragem, de Disciplina, de Política, de Comunicação Social do que todos aqueles que deviam ser minimamente repetidos no exercício das suas autonomias. Não é uma questão de ausência de crítica. É uma questão de dar alguma margem de actuação – e ela não existe.

Todos se disponibilizam para conflituar no espaço público – seja, agora, visivelmente, através dos directores de comunicação, seja através de mensageiros previamente escolhidos para fazer o ‘trabalho sujo’ – mas há sempre qualquer coisa que os impede de se sentarem frente a frente, lado a lado, em qualquer posição próxima e sem intermediários, para defenderem as suas ideias e pontos de vista.

Numa situação de emergência, por que razão Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira e Bruno de Carvalho não se sentam os três, com a FPF e a Liga, ao mais alto nível, isto é, com Fernando Gomes e Pedro Proença, juntamente com António Salvador (Sp. Braga), Júlio Mendes (V. Guimarães) e um representante dos outros clubes da esfera profissional (escolhido entre eles), numa reunião promovida pelo titular da pasta do Desporto em Portugal?

A resposta parece simples: porque não querem e/ou preferem continuar nesta folclore e neste ‘jogo da pedrada’ (que tudo destrói) e porque a tutela do Desporto colocou-se sempre numa posição amébica, de fragilidade quase absoluta. É real ou artificial que o titular da pasta do Desporto (João Paulo Rebelo) não consegue fazer mover nem um… caracol?

O futebol português vive a sua fase majestática de bloqueio. Todos falam, todos gritam, todos se colocam numa posição de superioridade moral, mas a verdade é que têm todos telhados de vidros. Começar por reconhecer isso seria uma boa forma de se avançar alguma coisa.

O futebol português não pode continuar a alimentar a ideia de ser um monstro indomesticável, que é preciso meter e tentar conter entre grades. O futebol português não pode ainda consentir uma fractura aparentemente irreparável entre a FPF e a Liga, em grande medida por razões que têm a ver com a gestão da Arbitragem. Nem a FPF pode ser observada como a casa do Benfica nem a Liga pode ser vista como a sede do FC Porto e, também, do Sporting. Dominadas pelos principais protagonistas.

Com todo o respeito, termino assim: o futebol sempre foi visto, na AR, como um escape para a maioria dos deputados. Uma coisa menor. Uma coisa marginal mas engraçada. Uma coisa para entreter e para desenjoar dos debates parlamentares. Alguém acha que a ida de Fernando Gomes à ‘Casa da Democracia’, onde também habita o fanatismo clubístico, vai alterar alguma coisa?

De facto, é preciso meter, primeiro, a mão na consciência, como afirmou António Salvador. Sem isso, nada feito.

* Texto escrito com a antiga ortografia


JARDIM DAS ESTRELAS -- 5 estrelas

Palco para
quem merece

Treinadores de acordo sobre as vantagens do videoárbitro. Poderia haver até divergência e ninguém seria pior por causa disso, mas esta convergência entre Sérgio Conceição, Jorge Jesus e Rui Vitória sobre um tema importante mostra alguma coisa. Mostra por exemplo que os treinadores (bem-hajam!) não estão alinhados com a histeria das máquinas de comunicação. Deixem os treinadores falar! Deixem os jogadores falar! Retirem os ‘comentadores’ que puseram nas televisões, reduzam a quase zero o protagonismo dos directores de comunicação e verão como o futebol português se tornará logo muito mais respirável.


O CACTO -- Tudo errado

Basta estar atento àquilo que são os principais problemas do futebol português para encontrar sentido naquilo que Fernando Gomes foi dizer à AR.
Não há problemas com adeptos? Há. Qual tem sido a eficácia na resolução desse problema? Baixíssima. Não pode o Estado ser mais activo no controlo do acesso dos adeptos problemáticos aos estádios? Pode. O que espera para agir?
Não há um excesso de críticas aos árbitros e às arbitragens? Há. Não são os principais dirigentes a alimentar esse tom excessivo e quase sempre ofensivo em relação ao sector? São. O que fizeram ultimamente os ‘grandes’? Criaram departamentos de comunicação para fomentar e amplificar o ódio. Não é preciso, por isso, reflectir sobre a formação dos dirigentes e o seu acesso às cadeiras de poder? Sim. Não há um excesso de clubismo insano e violento entre os comentadores-adeptos nas nossas televisões? Sim. Não há que reflectir sobre esta forma de fomentar a intolerância? Parece-me indiscutível. Isto está tudo errado. Não vejo é quem possa pôr ordem nisto, se não forem os presidentes dos ‘grandes’ a… pôr a mão na consciência (vide texto principal).


Rui Santos, in Record

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