domingo, 24 de dezembro de 2017

REFLEXÕES SOBRE O NOSSO FUTEBOL EM MODO NATAL


É Natal. E, também por ser Natal - tempo de paz e de reflexão —, talvez seja oportuno pensar sobre muitas das coisas que se vão passando no futebol em Portugal, em todas as suas dimensões e, particularmente, na da nova (mas surreal) COMUNICAÇÃO.
O futebol português vive, ao nível do funcionamento e organização internos, uma das suas fases mais lamentáveis de sempre. E em tempo de paz, de encontros e reencontros, de maior tolerância e coexistência, o ambiente no futebol é exactamente o contrário: domina a intolerância, e não parece haver vergonha alguma em consagrar o regime da ameaça, da maledicência, da rasteira, do esquema e de procedimentos que deveriam estar ausentes fundamentalmente do desporto, mesmo quando estamos a falar de alta competição e da complexa ‘indústria’ do futebol.
Tudo começa na convicção de que, para se ser campeão, não basta ser competente sobre o relvado. É conveniente ter, desejavelmente, bons treinadores e bons jogadores, mas é preciso também CONTROLAR as decisões de dois pilares muito importantes do edifício do futebol profissional — a Arbitragem e a Disciplina. Os três ‘grandes’ habituaram-se a estas dinâmicas de conquista e reconquista, sempre atentos às movimentações dentro ou na periferia da FPF e da Liga, com Benfica e FC Porto a discutirem a hegemonia e o Sporting mais activo na tentativa de reaproximação aos dois emblemas que repartiram entre eles os últimos 15 títulos de campeão nacional. Recentemente, muito por força da menor vitalidade de Pinto da Costa, que durante anos a fio fez a ‘despesa’ de toda a comunicação azul e branca e através do nascimento de uma política de comunicação mais agressiva por parte do Benfica (através de João Gabriel), agudizada com o diferendo entre o clube da Luz e Jorge Jesus, que haveria de reforçar o rival Sporting, começou a nascer dentro dos chamados clubes ‘grandes’ a convicção de que, para se ser campeão, também é preciso não apenas ganhar o campeonato da comunicação, mas CONTROLÁ-LO, nas suas expressões mais variadas, quer através de mecanismos próprios (televisão dos clubes, redes sociais, blogues, etc.), quer através de uma acção especialmente dirigida aos órgãos de comunicação social.
Uma das reflexões que importa fazer tem a ver com o PODER dos clubes e a forma como eles o utilizam. E aqui, mais uma vez, há que fazer uma destrinça entre o domínio dos clubes ‘grandes’ e os outros. O maior problema dos clubes ‘grandes’, com as diferenças que no detalhe se podem identificar entre eles, é acharem poder influenciar ao máximo todas as decisões, em benefício próprio, sejam elas as da Federação, dos seus órgãos de disciplina e arbitragem, da Liga, das associações de classe, das tomadas de posição dos clubes adversários, dos deputados, dos jornalistas e, genericamente, da comunicação social.
Não querem dar um mínimo de autonomia a estas esferas de decisão e tudo vale para as condicionar. Inaceitável. Este é o princípio a partir do qual tudo é desvirtuado. As instituições e os órgãos de decisão têm vida própria, devem criar as condições necessárias para não se deixarem capturar pela força dos clubes, que entretanto já fizeram o suficiente para marcar território — e nele já têm os seus acólitos. Temos casos impressivos e preocupantes nas nossas televisões, segundo os quais alguns comentadores se anicharam em espaços aparentemente de opinião, depois de terem começado a treinar-se, digamos assim, nas televisões de um clube. Como é possível dar cobertura a entorses desta natureza?
Tudo parece passar-se, pois, neste novo campeonato da comunicação, que a todos condiciona. É uma nova realidade que é preciso reparar e regulamentar. As direcções de comunicação dos clubes ‘grandes’ estão a protagonizar um papel extraordinariamente nocivo ao futebol, mas não apenas ao futebol. É um vírus que se alastra e que mata. Mata a iniciativa pública e privada, mata a autonomia e a independência, mata a integridade das instituições e mata a diferença que a democracia não pode abdicar de defender. As práticas ilícitas precisam de ser denunciadas e devidamente sancionadas? Sem dúvida. Através dos canais próprios, como acontece na maior parte dos países europeus. Partir do princípio que as instituições, os órgãos de soberania e as sedes de decisão só funcionam sob coacção, ou através de uma composição à partida contaminada, é o cúmulo da subversão. A FPF e a Liga não podem ignorar esta nova realidade. Os ‘tweets’ sobre ‘roubos de arbitragem’ e afins e manifestações deste tipo promovidas pelas direcções de comunicação precisam de ser contrariadas e carecem de enquadramento regulamentar. Isto não acontece em mais nenhum país da Europa e é um assunto para o qual é preciso achar solução URGENTEMENTE.
Nesta pouca-vergonha que é o ‘caso dos emails’, ainda falta apurar/descobrir o essencial: quem são (e não deveriam ser) os avençados dos clubes. Quem são os que cozinham gato em vez de lebre. Aí ficará tudo ainda mais claro. O futebol é uma ‘indústria’ complexa, mas cada vez estou mais convencido de que, em Portugal, tem de acontecer alguma coisa verdadeiramente impactante para que seja possível alcançar o ‘ano zero’ da normalidade. Não há em lado nenhum, nas ligas europeias mais atractivas, nenhum caso em que, como dizia o técnico Carlos Carvalhal há uns dias, o futebol fora das quatro linhas seja um nojo tão grande, como acontece em Portugal. Ninguém se respeita, ninguém quer discutir com um mínimo de elevação, apenas se quer ganhar… a qualquer preço. A rede de influências é assim tão gigantesca?
Feliz Natal!
Jardim das estrelas - Notas de Natal
INVASÃO GRATUITA - Uma invasão de campo de um adepto — seja ele de que clube for e seja em que estádio isso acontecer —, que agride um jogador, mesmo não lhe causando qualquer lesão de especial gravidade, como aconteceu no FCP-SLB, não pode ter apenas uma sanção pecuniária de 2.869 euros. É isto que gera a ideia de impunidade e é isto que gera a ideia de bloqueio e de ingovernabilidade do nosso futebol. Assim, ninguém o leva a sério.
NOMEAÇÕES - Os árbitros queriam ser ouvidos pela CI, e esta acha que não. Há aqui uma questão processual de prazos, no ‘caso dos emails’, muito discutível. Por parte da CI e por parte dos árbitros.
VOUCHERS, CARTILHAS E EMAILS - Não deveriam ter existido. Tão simples. Ponto.
PINTO DA COSTA- Apanha-se a ganhar (obrigado, Sérgio e Francisco!) e arrasa, mostrando todavia memória selectiva. Quem está por cima normalmente nunca revela disponibilidade para confessar erros próprios. Tem sido sempre assim no nosso futebol.
LUÍS FILIPE VIEIRA - Da China a São Tomé, com a equipa de férias, depois de mais um mau resultado, desta vez na Taça CTT.
SVILAR - Os jogadores têm de ter tempo, espaço e contexto para se afirmarem. À força da bala propagandística pode ser fatal.
ALAN RUIZ- Era uma vez um jogador que, antes de querer ser tratado como um ‘Maramessi’ (espécie de fusão de Maradona e Messi), tem de mostrar alguma coisa: sobretudo intensidade no jogo.
Rui Santos, in Record

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