terça-feira, 11 de junho de 2019

NINGUÉM GANHOU, NA VERDADE


"Não tendo de ser vista como uma vitória para o Benfica, não há duvidas de que a decisão do tribunal foi uma derrota para o FC Porto

O tribunal condenou o FC Porto, e Francisco J. Marques, ao pagamento de dois milhões de euros (podem ser mais uns pozinhos) ao Benfica pela divulgação da sua correspondência privada e logo o clube da Luz falou em vitória total. É, percebe-se, posição manifestamente exagerada, por duas razões: primeiro porque o caso está, ainda, longe do fim, já que os dragões, como se esperava, de pronto anunciaram recurso da decisão; segundo porque o tribunal assumiu (não era preciso, já todos o sabíamos, mas agora está escrito...) a veracidade dos emails, alguns dos quais (não todos mas alguns) suscitam legítimas dúvidas sobre a actuação do clube da Luz nos últimos anos. Sim, é verdade que o tribunal escreveu também que os emails, por si só, não são prova de coisa alguma, mas mesmo que as coisas fiquem por aqui, o que não é certo, a dúvida ficará sempre no ar. Falar em vitória total será, portanto, ir longe de mais.
Ainda assim, e dito isto, percebe-se também a reacção de regozijo do Benfica face a uma decisão que, não tendo de ser, necessariamente, vista como uma vitória para o Benfica foi, sem dúvida, uma derrota para o FC Porto e para Francisco J. Marques, o titularíssimo ponta de lança dos dragões nesta guerra, que não ficam nada bem na fotografia. Não pela condenação. Nem pelo valor da indemnização - dois milhões de euros não são trocos mas os encarnados até pediam quase 18 milhões. Aliás, seria até muito estranho (para não dizer até de um amadorismo inadmissível para um clube com a dimensão do FC Porto) que os seus dirigentes não soubessem, quando assumiram a decisão de avançar para a divulgação de correspondência privada de outro clube, que estavam a cometer, só por isso, um crime. Aliás, o acórdão não deixa, aí, margem para dúvidas: independentemente do interesse público, justificação utilizada pelos responsáveis portistas para as suas acções, a simples posse de informação privada sem autorização é crime. Quanto mais a divulgação. Não me parece, portanto, que a condenação tenha apanhado o FC Porto, que como qualquer clube grande tem advogados ao seu serviço em permanência, de surpresa. Os dragões saberiam que seriam condenados, mas acharam que os resultados das suas acções valeriam a pena. Simples.
A grande derrota do FC Porto, e de Francisco J. Marques, neste processo está, antes, no acórdão em si. Primeiro porque mata quase por completo a tal tese do interesse público sempre utilizada para a divulgação dos emails encarnados. Aliás, o tribunal é, nesse capítulo, muito claro: de toda a correspondência apresentada pelos dragões, pouca é aquela que se enquadra, de facto, na esfera de interesse público. A grande maioria, diz o acórdão, foi apenas divulgada com a intenção de denegrir a imagem - até de gozar... - de alguns dos dirigentes do clube da Luz. Eram, digamos assim, assuntos sem qualquer relevância para a suposta luta do FC Porto a favor da verdade desportiva. E foi a divulgação desses que mais caro saiu, em especial dos supostos contratos de bruxaria, que o tribunal entendeu ser particularmente lesiva dos interesses comerciais do Benfica. E, de, facto, pensando à distância: contratar bruxos afecta em quê a verdade desportiva? Só mesmo para quem acreditar muito...
Mas ainda pior para os dragões foi, sem dúvida, o juiz ter dado como provado que houve, pelo menos, dois emails truncados ou adulterados. Ou seja, e está no acórdão, pelo menos dois casos em que os responsáveis dos dragões omitiram frases, ou parte de frases, que, se divulgadas, tirariam força àquela que seria a intenção de expor o que apelidaram de polvo encarnado. E é aqui que reside, basicamente, a derrota do FC Porto e de Francisco J. Marques, que saíram, mais pelo acórdão do que pela condenação, bastante fragilizados da sua heróica luta por um futebol mais limpo. Tão heróica que nem tiveram problemas em sujar, também eles, as mãos."

Ricardo Quaresma, in A Bola

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