Não querendo ser o velho do Restelo, de pouco importa que o desporto seja incluído na versão final da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação de Portugal 2020-2030, VEPRP, apresentado por António Costa Silva, depois da análise dos contributos da consulta pública. A não ser pelo reconhecimento que o desporto pode contribuir para a economia portuguesa com consequências na qualidade de vida dos cidadãos, designadamente ao nível da prevenção e tratamento das doenças crónicas não transmissíveis e da incapacidade funcional, contribuindo fortemente para a redução dos pesados encargos com o Serviço Nacional de Saúde.
A médio e longo prazo, esteja o que estiver escrito na VEPRP, a estratégia de Portugal nos próximos anos só poderá ser uma: aproveitar os dinheiros que vêm da Europa e aí sim saber se o desporto fará parte das linhas estratégicas com que se urdirá a distribuição de fundos no âmbito dos desígnios societais emanados da Europa. Esperemos que, ao contrário do que sucedeu no último quadro comunitário de apoio, Portugal 2020 (2014-2020), existam programas de apoio ao desporto, não somente enquanto função instrumental (consequências na saúde), mas também no âmbito da sua natureza concetual (adesão à prática).
É esta atividade lobista que os grupos de pressão nacionais e internacionais, numa escala continental, devem promover, para influenciar a montante as decisões políticas orientando-as para a necessidade do aumento dos investimentos na atividade física enquanto integrante de um modelo de sociedade inteligente, do exercício e da atividade desportiva, junto dos decisores políticos institucionais num âmbito europeu, nacional, regional e municipal.
O problema que subjaz, no entanto, é de curto prazo. Se não forem assumidas medidas de mitigação desta crise sem precedentes para o sistema desportivo, que está a afetar mais diretamente os clubes, não teremos problema para resolver, porque se vai subsumir à realidade do seu desaparecimento. Os clubes, a célula básica do desenvolvimento desportivo.
O IPDJ, já fez um estudo com as federações desportivas cujas conclusões foram apresentadas ao conselho nacional de desporto, em junho passado, com base no qual foram traçadas um conjunto de medidas cuja implementação pudesse responder às circunstâncias extraordinárias que afetam o setor e que contribuam para recuperar o nível de prática desportiva e a normal capacidade de intervenção do setor.
Apresenta agora, em parceria com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e as Direções Regionais do Desporto das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, um inquérito junto dos clubes e associações desportivas em todo o território nacional, com o propósito de avaliar o impacto da COVID-19 nas organizações, quer ao nível da sustentabilidade financeira, quer da sua capacidade de retoma da atividade desportiva.
Esperamos que as conclusões do estudo com os clubes não sejam as mesmas do estudo feito com as FD’s que apresentou, como uma das conclusões, a permissividade, pretensamente como consequência da COVID-19, de em 2020 parte das verbas inscritas nos Contratos-Programa das Federações das Atividades Regulares para 2020 poderem ser reafectadas a outros projetos, especificamente: a reorientação do apoio ao programa de atividades regulares, privilegiando o apoio aos clubes, aos praticantes, aos agentes desportivos; à criação de recursos que promovam a confiança e segurança nas instalações desportivas e; ao acompanhamento técnico para a retoma das atividades e o reforço da sustentabilidade organizacional.
O problema é que esta medida, que se aplica para as alterações do destino do apoio superiores a 10%, e que se dirijam a um fim diferente de acordo com o que está previsto na clausula 3ª do artigo 3º, estava já prevista, sem necessidade de se proceder a revisão contratual, no contrato programa previamente assinado, desde que solicitada por autorização escrita, com base numa proposta fundamentada, a apresentar até 60 dias antes do termo da execução do programa de Desenvolvimento Desportivo, nos termos da cláusula 12.ª do presente contrato!
Sendo assim, para quê a comunicação sobre a possibilidade de revisão do contrato-programa, se já estava prevista no próprio contrato programa assinado previamente?
Sobre os clubes a evidência é clara e quase que não justificava qualquer estudo, mas sim medidas urgentes de apoio.
A realidade é que após quase 3 meses de paragem (março a maio 2020) e 4 meses de retoma progressiva (nalguns casos), o desporto tem iniciado com muitas restrições e limitações a sua atividade, não obstante as confusões desnecessárias decorrentes da falta de coordenação manifesta entre a tutela do desporto e a DGS aquando da publicação das orientações (36/2020) para a atividade física e o desporto.
Urge colmatar o severo impacto das medidas de contingência e controlo da pandemia por COVID-19 no desporto, a exemplo do que sucedeu nos restantes países europeus onde o desporto é atendido e reconhecido com medidas concretas, extraordinárias e específicas de combate aos prejuízos, conforme diretivas europeias: do Conselho, da Comissão e do Parlamento Europeu, para mitigar o impacto da crise, fundamentalmente ao nível dos clubes, completamente ignorados no Programa de Estabilização Económica e Social, onde foram enquadrados nos regimes aplicáveis a quaisquer outras empresas.
Não chega o anúncio da retoma da prática desportiva, desde a formação até ao alto rendimento desportivo, apesar de esta ser uma condição sine qua non de sustentabilidade dos clubes, porquanto as condições em que se concretiza a retoma, na exata medida das recomendações da DGS, com controlo de riscos sanitários associados, torna insustentável a sua existência, não só pelos prejuízos decorrentes da paragem de quase 7 meses, mas pelos custos excessivos do reinício, sem medidas de apoio urgentes.
E os que advogam a inexistência de casos concretos, basta estar atento. Não acredito, de todo, que os líderes políticos não tenham conhecimento de situações concretas. Enquanto presidente da FPN todos os dias me chegam relatos. Um dos últimos foi do clube AMINATA de Évora, clube com 38 anos de existência, da Associação de Natação do Alentejo.
Mesmo com a retoma da atividade, e cumprindo os rácios previstos nas recomendações da DGS, o clube teve uma quebra nas inscrições para as aulas de natação (fonte de rendimento para fazer face às despesas) de cerca de 70% em setembro, com perda decorrente de faturação em igual proporção.
A angústia dos dirigentes é legítima. Desde a reabertura das atividades a 22 de junho que se verifica uma queda acentuada da procura, justificada pelo medo de contrair o vírus e pelos surtos que, entretanto, atingiram o distrito de Évora, como é o caso de Reguengos, Vimieiro, Mora, Montemor-o-Novo e agora Évora e Redondo.
A redução mencionada traduz-se na ausência de liquidez, que apesar do apoio de 10.000 € da C.M. Évora materializado em julho, não se irá repetir, pelo menos no curto prazo.
Neste contexto é difícil honrar as suas obrigações salariais, fiscais e para com a segurança social (dia 20 setembro data limite de pagamento da Taxa Social única (TSU) de 4500 euros, apenas foi possível liquidar a parte do trabalhador, ficando por liquidar, cerca de 3 mil euros), com os fornecedores (gás, eletricidade, produtos químicos para tratamento da água da piscina), isto sem a garantia absoluta de não fechar a porta.
Na ausência de medidas no curto prazo (imediato), o que resulta?
O encerramento de um clube, único na Cidade de Évora que fomenta a prática da natação, com consequências para cerca de 1000 utentes e famílias, e a perda social de uma organização agregadora, socialmente mobilizadora e economicamente fixadora de RH numa região do interior, que sustenta um número de federados que se aproxima dos 150 e o único clube do Alentejo com as modalidades de natação artística e polo aquático.
Que medidas de apoio poderiam ser cabíveis neste âmbito, para além das já assumidas pela generalidade das FD’s?
Fundamentalmente aos clubes e aos recursos humanos em funções complementares ao mercado do exercício e desporto, especificamente:
1. A criação de um regime fiscal mais favorável, com menor carga fiscal e maior flexibilização no pagamento das obrigações fiscais e contributivas considerando não só o risco de impacto económico e financeiro negativo, como o Estatuto de Entidade de Utilidade Pública e o impacto social positivo na saúde;
2. Redução ou isenção da TSU para Instituições localizadas no interior do país, na criação de emprego e manutenção de postos de trabalho definitivos;
3. A criação de um fundo de apoio direto aos clubes (não reembolsável), mas com critérios definidos, sob a forma de contratos locais de desenvolvimento desportivo, no exato montante das perdas acumuladas durante a paragem, e cuja manutenção dependente do alcance de critérios em função da atividade, como: n.º de utentes > perda comparada c/ tempo ‘normal’ de funcionamento; manutenção de postos de trabalho; contribuição para a estratégia nacional/local de cuidados integrados (do qual o desporto faz parte), etc.;
4. Aos que possuem estruturas físicas (piscinas) e/ou equipamentos imprescindíveis à operacionalidade - que requerem manutenção regular, a diferenciação das tarifas de acesso às redes de fornecimento de água, luz e gás, tornando-as competitivas para uma função social abrangente, podendo mesmo nestes casos ser aplicada a taxa social, na medida de reconhecimento e cumprimento do Estatuto de Instituição de Utilidade Pública;
5. Fundo de apoio direto aos atletas, treinadores e recursos humanos técnicos de suporte que dependem para a sua sustentabilidade dos rendimentos que decorrem da participação no desporto/competições e eventos desportivos, alargando a todos os que operam como prestadores de serviços não contratados, vide recibos verdes.
Uma coisa é certa, se nada for feito, ou se imperar a inação a que estamos já habituados, os clubes não subsistirão até final do ano e com eles assistiremos ao desmoronamento de uma função de regulação social insubstituível.
António José Silva, in a Bola
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