"Nicolás Otamendi vem suprir a ausência adamastoresca de Rúben Dias do centro defensivo do SL Benfica em boa hora, já que a experiência acumulada nas principais ligas europeias acompanharão Jan Verthongen numa dupla com demasiado nível para as lides domésticas. E até de Liga Europa, caso queiram os encarnados apostar na competição de forma séria, compensando a fracassada Liga dos Campeões e incutindo no plantel missão interessante.
Não fica orfã de qualidade a linha defensiva, não perdem os benfiquistas com a troca, mas talvez fique o Manchester City FC a ganhar, naturalmente.
Nicólas chega à Luz em circunstâncias dificeís. Depois da perda de espaço na titularidade em Manchester, existem as naturais desconfianças clubísticas na chegada a Lisboa, ele que foi elemento preponderante no fortíssimo FC Porto do principio da década, equipa histórica de conquistas europeias e campeonatos invictos.
Foi ele um dos líderes daquela geração, ao lado de Helton, Moutinho, Hulk ou Falcão: as suas qualidades motivaram transferência para o Valencia CF, em 2014, onde continuou a sua ascensão como um dos melhores centrais do futebol europeu.
A sua história inicia, porém, em Liniers, subúrbio de Buenos Aires, onde se encontra o Estádio José Amaltifani, casa do Vélez Sarsfield. Entra para as escolas do clube argentino aos sete anos, em 1995, subindo ao plantel principal em 2008, depois de se cimentar na equipa secundária dos Fortineros.
Foi nesse momento, aliás, que decidiu definitivamente o rumo da sua vida, depois de a dividir equitativamente entre dois amores – o futebol e o boxe –, mas quando Hugo Tocalli o faz estrear a 10 de Maio de 2008, numa vitória caseira frente ao Rosario Central, não havia volta a dar na intenção de ser futebolista a tempo inteiro.
Conquistar a hinchada do Veléz foi feito rápido, à base de muita luta e suor, qualidades que sempre evidenciou vida fora, como nos tempos em que demorava hora e meia, ou três comboios, para chegar às instalações do clube da sua juventude.
Porém, não seria nesse ano a consolidação total na primeira equipa. Não faria mais minutos nos A’s em 2008, pois havia a dupla Walter Ponce (42 internacionalizações pelo Chile) e Sebástian Dominguez (lançado por Maradona), peças fulcrais no clube e integrantes assíduos nas respectivas selecções À época, e ainda os backups Tobio, que fez carreira entre Boca e Palmeiras, e Torsiglieiri, o esquerdino que mais tarde chegaria à Europa pela porta de Alvalade.
Teve de esperar mais um ano, até chegar Ricardo Gareca ao banco do Vélez e revolucionar a equipa, abrindo espaço ao jovem central e entregando-lhe responsabilidade aquando duma lesão de Ponce numa ida à selecção – Tobio também estava ocupado com compromissos internacionais, nos sub-20, e Torsiglieri tinha sido rebaixado às reservas.
O caminho abriu-se para a titularidade do jovem Otamendi, que se estreou na segunda jornada do Apertura e nunca mais perdeu o lugar. A forma meteórica como se impôs chamou a atenção de Maradona, que o convocou para a seleção argentina dois meses depois, estávamos em Maio de 2009.
Já titular e com estatuto no Vélez, fez viagem com a Albiceleste rumo à África do Sul para disputar o Mundial de 2010. Diego confiou nele, apreciava sobremaneira as suas características e apenas não o utilizou na primeira jornada da fase de grupos, colocando-o ora no eixo defensivo ora na lateral direita, opção que se viria a mostrar imprudente quando a Alemanha de Joachim Low despachou a Albiceleste por esclarecidos 4-0.
Otamendi mostrou-se ainda demasiado tenro para um jogo daquela envergadura, abrindo-se discussão acesa na comunicação social argentina sobre a opção do seleccionador, relegando o jogador para a fogueira mediática.
Não se amedrontou Ota. Veio a público e reforçou a sua disponibilidade para representar o país, fosse em que posição fosse; postura de campeão que não passou despercebida na Europa. Do Porto veio interesse, rapidamente ficou consumada a transferência, significando aposta de quatro milhões de euros por metade do seu passe. Chegada ao Velho Continente pelo caminho mais acertado, pela porta portuguesa e pela visibilidade que apenas os sucessos regulares lhe podiam proporcionar.
Villas Boas baseou nele e em Helton a organização da linha defensiva, encaixando ou Rolando ou Maicon a seu lado, resultando em campeonato invicto e conquista arrebatadora da Liga Europa.
Foi fácil a sua adaptação à Europa: impôs-se como voz de comando e um dos líderes da equipa, conjugou qualidade diferenciada de tackle e velocidade de antecipação como características principais, o que lhe valeu a confiança de todos os treinadores na Invicta e motivos para justificar, a cada ano que passava, transferência para uma liga superior.
Vítor Pereira fez dele e de Mangala uma das melhores duplas da Europa e os dois seguiram caminho, em cronologias desacertadas, para Valência e Manchester. A Otamendi bastou uma época em Espanha para se tornar um dos ídolos Che – foi eleito para o melhor onze da competição em 2015/2016 –, fazendo parte de um plantel que levou o clube novamente à Champions, quatro anos depois, sob comando de Nuno Espírito Santo.
Quase que antecipando os graves problemas de administração dos anos recentes, Nicólas exigiu saída no final dessa temporada, alegando motivações de glória maior na sua carreira e admitindo objectivos mais condizentes com a sua ambição. Houve finca-pé com os responsáveis do clube, mas o City chegaria em boa hora para o levar para o Etihad, a troco de 48 milhões de euros.
Em Inglaterra fez dupla de sonho com Kompany e mostrou o seu melhor futebol da carreira com Guardiola, que desenvolveu as suas capacidades técnicas a níveis nunca imaginados e que, concilidados com as qualidades físicas e mentais do defesa argentino, fizeram dele parte fundamental da equipa dos 100 pontos, em 2017-18, e campeão no inacreditável sprint a dois com o Liverpool, em 2018-19, embora já sem a preponderância de outros tempos.
Chega agora ao Benfica em fase descendente, ainda que conserve em si qualidades intactas na arte defensiva. Perdeu espaço em Inglaterra com a desenvoltura de Pep em gastar ilimitadas libras para o sector recuado, viu-se de forma gradual na companhia de John Stones, Laporte, Eric Garcia e Aké, servindo como ponte de ligação entre o seu companheiro inicial e líder incontestado, Kompany, dos restantes após a sua saída.
Foi natural a sucessão, num posto muito exigente para as equipas do treinador espanhol, numa liga onde a quantidade infidável de jogos exigem outra frescura que os mais novos apresentam e os mais velhos já vão perdendo. Nicolás, na iminência da perda do papel de destaque na equipa e no balneário, exigiu o melhor para si e mudou, como fez durante toda a carreira, para onde a sua veia de guerreiro fosse valorizada até à última gota."
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