"«Não existem factos, apenas interpretações», Friedrich Nietzsche
Assistimos recentemente a um despique verbal entre Nelson Évora e Pablo Pichardo. Cada um esgrimindo os seus argumentos… alguns muito centrados em si próprios, outros centrados em feridas mal saradas…
No entanto, o cerne da questão passou ao lado porque ambos foram instrumentalizados tanto pela comunicação social como pelas próprias instituições que tutelam a actividade desportiva de ambos.
Nelson Évora tinha 6 anos quando chegou a Portugal. Em 2001, apesar de ainda não ter nacionalidade portuguesa, a Federação Portuguesa de Atletismo conseguiu que participasse nas Jornadas Olímpicas da Juventude Europeia, sendo medalha de ouro no salto em comprimento (representou Portugal sem ser português!). Em 2002, naturalizou-se português, depois de completar 18 anos. Segundo as suas próprias palavras, teve de esperar 11 anos para obter a nacionalidade portuguesa. Ora, e sem conhecermos o processo de tramitação, a legislação da altura dizia que a nacionalidade portuguesa poderia ser obtida por cidadãos estrangeiros que fossem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa, que residissem legalmente em território português há pelo menos cinco anos e que, entre outros requisitos, conhecessem suficientemente a língua portuguesa.
Pedro Pichardo chegou a Portugal em 2017 com o estatuto de refugiado. A lei portuguesa também contempla casos especiais em que pode ser concedida a naturalização (Decreto-Lei n.º 237-A/2006, artigo 24.º): “O membro do Governo responsável pela área da justiça pode conceder a nacionalidade portuguesa, por naturalização, (…) aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado português.” E foi, em pouco tempo, por motivos baseados neste aspecto legal, que se desenvolveu o processo de naturalização de Pedro Pichardo. O próprio Presidente da FPA, Jorge Vieira, afirmou que “houve tratamento diferente. Nelson Évora vem para Portugal com nove anos [Évora diz que chegou com seis], não colhia nenhum argumento dentro da lei, não se esperava de uma criança de nove anos ou até ser júnior… não se poderia alegar neste período qualquer argumento para acelerar a naturalização. Teve de se esperar pela maioridade." E, segundo parece, tanto a Federação Portuguesa de Atletismo como o Comité Olímpico de Portugal, emitiram um parecer (chamam-lhe «carta de conforto»), que, com base no currículo desportivo de Pichardo, justificaria futuros serviços relevantes ao país, fechando-se a naturalização deste em Dezembro de 2017.
Falou-se em polémica… no entanto não houve polémica quando a velejadora Vasileia Karachaliou, nascida na Grécia (e que aguarda naturalização), em representação de Portugal se sagrou vice-campeã da Europa da classe olímpica ILCA 6, nos Campeonatos da Europa em Andora, Itália, recentemente disputados («Público», 17.03.2023).
Fazem-nos lembrar aquela embalagem de carne de um hipermercado em que consta no rótulo o produto “lombinhos de porco nacional” e, se nos debruçarmos um pouco mais sobre o mesmo, poderemos ver para além do número do lote a especificação em relação à criação (Espanha), ao abate do animal (Espanha) e a sua origem (Espanha). No entanto, são “lombinhos nacionais”!"
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