"À medida que Florentino Pérez discorria os seus argumentos num programa amigo da TV espanhola, na segunda-feira à noite, os sinais acumulavam-se. O presidente do Real Madrid não só falhava a nomeação de um dos seis clubes ingleses envolvido na criação da Super Liga como decidia referir que um United – City não se compara com um Madrid – Barça. Para uns, dois pormenores, para mim dois sinais de uma iniciativa que, mesmo que pensada durante muitos anos, avançou em cima do joelho, sem coesão e sem convicção. E ainda bem que assim foi.
Mais ou menos à mesma hora o capitão do Liverpool, James Milner, partilhava a sua opinião de forma pública contra a Super Liga que o seu clube tinha co-fundado, emitindo mais um sinal. Logo depois um Jürgen Klopp claramente perdido confirmava os indícios de algo que viria a formalizar-se durante o dia de ontem. A Super Liga foi, mais do que qualquer outra coisa, um exercício de “super incompetência”, algo que nos deve preocupar a todos, mesmo havendo razões para surpreender poucos.
Na digestão do inevitável fracasso da iniciativa, alguns comentadores procuravam contextualizar o erro cometido pelos dirigentes e proprietários dos mais poderosos clubes do mundo, afirmando que ignoraram as consequências da sua opção, centrando-se apenas numa “business decision”. Discordo desta compartimentalização. Uma decisão de gestão que ignora ou desvaloriza, de forma tão grosseira, o contexto em que se insere é apenas uma decisão incompetente. Foi isso mesmo que o projecto da Super Liga revelou ou, se quisermos, confirmou: que a maioria dos clubes mais poderosos do mundo estão perigosamente na mão de incompetentes, ignorantes do fenómeno em que se inserem, ao ponto de hipotecarem, em pouco mais de 48 horas, toda a sua credibilidade.
O caso justifica ainda maior perplexidade pelo facto de a criação da Super Liga não ter envolvido apenas “proprietários”, mais ou menos recém-chegados ao negócio do Futebol. A iniciativa falhada foi, aliás, liderada por homens com obrigação de respeitar ou, pelo menos, conhecer os princípios associativos do Futebol europeu e a sua força. A Florentino Perez, Joan Laporta e até Andrea Agnelli não assiste sequer a desculpa da ignorância ou incompetência, sobrando apenas a total arrogância de se acharem capazes de obliterar, em 48 horas, uma cultura centenária altamente enraizada em factores emocionais, arrastando os demais ignorantes e incompetentes no seu despotismo alienado.
Este colossal exercício de incompetência não nos deve espantar, apenas preocupar. O estado financeiro em que se encontra a maioria dos “gigantes” e do Futebol de clubes em geral já era indicador suficiente da incapacidade transversal, dos dirigentes e proprietários de emblemas europeus, em conduzir um negócio saudável e equilibrado. O endividamento que as suas más decisões provocaram (e não o COVID, ao contrário do que afirmam) foi, aliás, a motivação de curto-prazo e provavelmente a mais forte, em toda esta loucura.
Florentino Pérez, quando questionado na televisão sobre o porquê de o G12 não optado por discutir sim formas de racionalizar a espiral inflacionista que os próprios alimentam, encolheu os ombros e disse: “sabe, os custos sobem…”. O prognóstico é tão caricatural como preocupante. O nosso Futebol é um negócio entregue a arrogantes incapazes, disfarçados de aclamados gestores. Estes “businessmen” consideraram que fazia mais sentido encetar uma deriva que resultasse em ainda maior endividamento, ao invés de aproveitarem o seu poder, influência e suposto “know-how” para reflectirem se faz sentido económico continuar a investir centenas de milhões de Euros, em progressão ascendente e sem tecto, em aquisições, salários, comissões e indemnizações por despedimento.
Os clubes mais poderosos do mundo concentram, mais cedo ou mais tarde, os melhores jogadores e técnicos. Não deveriam ser liderados e geridos também pelos homens mais capazes e que por isso entendam o falhanço do modelo que os próprios desequilibraram? O retumbante fracasso desta elite faz-nos sorrir, à primeira vista, mas é forte razão para preocupação, pois se esta é a melhor gestão que podemos ter, ao leme do Futebol, dificilmente o edifício escapará à ruína, no seu tudo.
A ameaça da Super Liga aparentemente acabou, por agora. Mas os riscos da loucura incompetente permanecem, caso o momento não seja aproveitado pelos “vencedores”, UEFA e FIFA (também eles tudo menos inocentes) para realmente racionalizar e repensar a paixão de todos nós. Será a oportunidade aproveitada? Veremos."
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