"Estas viagens têm uma certa rotina associada. Sai o sorteio, começam as conversas nos grupos do WhatsApp. "E que tal Munique? Quem vai ao Mónaco? Para Turim os voos estão carotes...". A minha opção recaiu por Munique. Sempre quis visitar a Alemanha, é um clube e estádio icónico, uma cidade com uma vibe muito forte por cerveja e conseguiríamos ficar em casa do familiar de um dos nossos. Vamos a isso! Que é como quem diz a mais de 4.000 quilómetros e 3 países no espaço de 48 horas...
A viagem começou às 22h de 3ª feira no aeroporto de Lisboa. Voo até Barcelona onde faríamos escala para Munique. Do seguinte modo: aterrar na cidade Condal à meia-noite e meia e embarcar para a Baviera às 6h da manhã. Dormir? Dormir is overrated. Tal como ficar no conforto do aeroporto nessas horas. É muito mais divertido sair, apanhar um autocarro e chegar às Ramblas à 1h30 da manhã de uma 4ª feira. Com tudo naturalmente quase fechado e pouca gente na rua. Bares abertos já foi difícil de encontrar, discotecas pediam valores de entrada que não queríamos dar, a solução foi a mesma que quando lá tínhamos estado em 2021 para o 0-0 com o Barcelona (ainda hoje não te perdoo, Seferovic!): comprar latas de cerveja aos vendedores ambulantes nas Ramblas. Latas a 1 euro e sempre fresquinhas (tiram-nas das tampas de esgoto, não sei como isso funciona e acho que nem quero saber). A meio da noite um daqueles vendedores senegaleses "oferece-nos" as tradicionais pulseiras, em que já todos sabemos o esquema: "é de borla porque sou muito simpático, mas já que as tens na mão, agora oferece lá uma moedinha, que até parece mal". Os meus dois companheiros de viagem tomaram a decisão certa e óbvia: colocá-la no pulso a viagem toda porque daria sorte no jogo e eu cometi o grande erro: atirei a pulseira para o lixo. Escusado será dizer que ainda hoje me culpam da derrota. Se tivesse mantido a pulseira, claramente teríamos vencido 1-0 e o Bayern só teria tido 30% de posse de bola. No regresso ao aeroporto o nosso uber esteve envolvido num acidente de automóvel e um sem-abrigo bateu no motorista, coisas tão random que às vezes me pergunto se estas histórias para contar durante muitos anos são inevitáveis nos aways europeus. Mas pronto, apanha-se outro uber e pede-se a ele para voar até ao aeroporto, para chegarmos a tempo do avião para Munique.
Está frio na cidade alemã. "Ainda bem que trouxe o casaco. Mas as botas vieram só passear, porque não chove.". Comboio para deixar a mochila em casa e rumo à Marienplatz, a icónica praça da cidade. Tempo para comer uma sandes cujo nome em alemão nem me recordo nem atrevo a tentar escrever e as famosas salsichas. E claro, começar a beber cerveja, muita cerveja. Num bar de repente já não somos 3, somos 15, porque mais malta que conhecemos vai chegando. Há um senhor idoso alemão que se aproxima de nós e explica (a um de nós que vive na Alemanha e percebe alemão) que se lembra de ter visto na TV o Benfica de Eusébio a ganhar ao Real Madrid. Coisas que nos fazem recordar a grandeza intemporal do Benfica.
Quando saímos do bar, está já a praça cheia de Benfiquistas. Resolvemos não ir na primeira leva rumo ao estádio e sabemos pouco depois que a linha se encontra parada, por terem atirado uma tocha para os carris. Coisas que não se entendem. Mas lá seguimos num comboio a abarrotar de adeptos do Benfica e do Bayern em ameno convívio até à estação do Estádio e é quando o vejo pela primeira vez. Aquele exterior vermelho é icónico. E o interior também. Ainda bem que o jogo foi adiado por 15 minutos, porque ainda deu para beber mais uma cerveja nos corredores do estádio e o jogo começa. 4.000 Benfiquistas contra 71.000 alemães. O apoio deles ao início é forte, mas depois calam-se. Soubemos que tinha sido pela morte de um adepto deles. O Benfica não ajuda, porque pouco toca na bola e pouco passa do meio-campo, mas o nosso apoio é forte na medida do possível. Algo desorganizado e nervoso, mas vamos tentando. Como os outros não cantam, ecoamos pelo estádio.
Nestes jogos contra o Bayern há sempre o receio da goleada e portanto quanto mais o tempo vai avançando, mais vamos agradecendo o nulo. Mas é triste ver um Benfica tão encolhido e tão incapaz de ser corajoso e sei lá, tentar jogar um pouco à bola. Nem as equipas pequenas do Tugão jogam assim tão recolhidas na Luz. Mas enfim, todos sabem o que aconteceu e esta crónica não é sobre táticas nem sobre o jogo propriamente dito. O Benfica sofreu um golo na 2ª parte e isso bastou para perder. No final do jogo regressamos a casa, sem grandes aventuras pelo meio, apenas uma paragem num restaurante de fast-food para comer qualquer coisa e ir dormir. Aquela coisa que não tínhamos feito na noite anterior!
Baterias recarregadas, tempo de acordar, tomar o pequeno-almoço (novamente aquela sandes que nem sei como googlar o nome) e passear pela cidade, o chamado "turistar". A cidade é bonita, mas fico com a sensação que só lá voltarei para novo jogo com o Bayern ou para a Oktoberfest. Por volta das 14h arrancar para o aeroporto, fazer escala de 2 horas em Milão e voo para Lisboa. Aterramos em Portugal por volta da meia-noite.
Não sei se os jogadores do Benfica têm noção dos sacrifícios que fazemos nestas viagens. Do dinheiro que gastamos, do sono que não dormimos, das horas passadas em aeroportos, mas é o que é. Também, honestamente, não é por eles que o fazemos. É pelo amor ao clube, pelo emblema e para ver o senhor de idade alemão a falar-nos de ter visto o Benfica de Eusébio a derrotar o Real Madrid em 1962. E é também pela amizade, pela aventura, pela cultura e pelo viver mundo. O jogo do Benfica é o pretexto para a viagem, mas o jogo acaba por ser apenas 90 minutos em 48 horas. Quem não é adepto de futebol talvez não entenda e considere tudo isto uma maluqueira, mas quem sente, sabe. E quem não sente, não sabe o que perde.
Ps: Obrigado ao zerozero pela compreensão da minha ausência prolongada nestas crónicas, devido a motivos pessoais. Espero voltar a escrever novamente com mais regularidade."
Filipe Inglês, in ZeroZero
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